terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

DIREITO PENAL Prof. Fernando Capez

DIREITO PENAL

PARTE GERAL

Prof. Fernando Capez


03/02/03


PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

CONCEITO – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 1º CP, art. 5º XXXIX CF).

FUNÇÃO – proteção política do cidadão contra os abusos do Estado. Trata-se de garantia constitucional fundamental do homem. O tipo exerce função garantidora do primado da liberdade porque, a partir do momento em que somente se pune alguém pela prática de crime previamente definido em lei, os membros da coletividade passam a ficar protegidos contra toda e qualquer invasão arbitrária do Estado em seu direito de liberdade.

HISTÓRICO – o princípio surgiu expressamente pela primeira vez na “Magna Charta”, imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra, no ano de 1215. Seu art. 39 previa que nenhum homem livre poderia ser submetido a pena não prevista em lei local. Posteriormente, no direito moderno, já sob influência do Iluminismo, ganhou força com a finalidade de combater a insegurança dos cidadãos, gerada pelo arbítrio e prepotência dos julgadores. A teoria da separação dos Poderes, preconizada por Montesquieu, contribuiu para impedir que o juiz, usurpando a função própria do Legislativo, considerasse criminosas condutas assim não contempladas pelo legislador.

ASPECTO JURÍDICO – somente haverá crime quando existir perfeita correspondência entre a conduta praticada e a previsão legal. Segundo a teoria de Binding, as normais penais incriminadoras não são proibitivas, mas descritivas; portanto, quem pratica um crime não age contra a lei, mas de acordo com esta, pois os delitos encontram-se pormenorizadamente descritos em modelos legais, chamados de tipos. Cabe, portanto, à lei a tarefa de definir e não proibir o crime (“não há crime sem lei anterior que o defina”), propiciando ao agente prévio e integral conhecimento das conseqüências penais da prática delituosa e evitando, assim, qualquer invasão arbitrária em seu direito de liberdade.
OBS: As medidas de segurança não são penas, possuindo caráter essencialmente preventivo; no entanto, resta-lhes um certo caráter aflitivo, pelo que, diante da inexistência de norma expressa a respeito, sujeitam-se ao princípio da reserva legal e da anterioridade, ao contrário do que dispunha o art. 75 da antiga Parte Geral do Código Penal.

PRINCÍPIOS INERENTES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – são dois: reserva legal e anterioridade da lei penal.


PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

CONCEITO – Somente a lei, em seu sentido mais estrito, pode descrever crimes e cominar penas. OBS: Medidas Provisórias e Leis Delegadas não podem ser consideradas leis para fins do princípio da reserva legal por não poderem tratar de matéria penal (Medida Provisória – EC 32/2001 – art. 62, §1º, I, b; Lei Delegada – art. 68, §1º, II, CF).

RESERVA ABSOLUTA DE LEI – nenhuma outra fonte subalterna pode gerar a norma penal, uma vez que a reserva de lei proposta pela CF é absoluta, e não meramente relativa. Nem seria admissível que restrições a direitos individuais pudessem ser objeto de regramento unilateral pelo Poder Executivo. Assim, somente a lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder Legislativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor penas.

PROIBIÇÃO DE ANALOGIA –a lei penal delimita uma conduta lesiva, apta a pôr em perigo um bem jurídico relevante, e prescreve-lhe uma conseqüência punitiva. Ao fazê-lo, não permite que o tratamento punitivo cominado possa ser estendido a uma conduta que se mostre aproximada ou assemelhada. Exige-se que a lei defina, descreva a conduta delituosa com todos os seus elementos e circunstâncias, de tal arte que somente no caso de integral correspondência possa o agente ser punido.

TAXATIVIDADE – a descrição da conduta criminosa deve ser detalhada e específica, descrevendo o crime com todos os seus elementos. Não se admitem tipos penais genéricos e abrangentes, sob pena de serem considerados inconstitucionais. OBS: 1) Exceções admitidas pela jurisprudência – art. 240 CP (o que é adultério?); art. 20 da L. 7170 (crime de terrorismo – que é?). 2) Os tipos culposos admitem descrição genérica, uma vez que é impossível enumerar todas as possibilidades de atos culposos.


PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL

ANTERIORIDADE – É necessário que a lei já esteja em vigor quando o fato é praticado para que se possa considerá-lo criminoso, ou seja, a lei deve ser anterior ao fato, não podendo alcançar situações passadas (art. 2º CP; art. 5º, XL, CF), salvo se beneficiar o agente.

IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL – um dos efeitos decorrentes da anterioridade da lei penal é a irretroatividade, não podendo a lei alcançar situações passadas. Esta proibição não se restringe apenas às penas, mas a qualquer norma de natureza penal, salvo aquelas que beneficiem o agente.
OBS: 1) Normas híbridas, que trazem em seu bojo disposições de natureza penal e processual (ex: art. 366 CPP), prevalece a disposição penal para fins de se verificar se a norma retroage ou não. A norma retroagirá ou não sempre por inteiro. 2) Normas processuais têm aplicabilidade imediata (art. 2º CPP), não importando a data do fato. 3) Normas de regime de cumprimento de pena são sempre penais, pois aumentam ou diminuem o nível de satisfação do Estado na execução da pena.
PERGUNTA: Como diferenciar norma de natureza penal da norma de natureza processual?
RESPOSTA: As normas de natureza penal criam, extinguem, aumentam ou reduzem a satisfação do direito de punir do Estado. As normas que só dizem respeito ao processo, cujos repercutem diretamente sobre o processo, são normas processuais (ex.: proibição de liberdade provisória, tornar crime inafiançável)


NORMA PENAL NO TEMPO

APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO - Espécies de norma penal –
(i) Incriminadora – é a lei que passa a considerar o fato criminoso;
(ii) Novatio legis in pejus – é a nova lei que prejudica o agente de qualquer modo;
(iii) Novatio legis in mellius – é a nova lei que beneficia o agente;
(iv) Abolitio Criminis – é a nova lei que deixa de considerar o fato como crime.
OBS: Podem retroagir apenas a novatio legis in mellius e a abolitio criminis, por beneficiarem o agente.

CONFLITO INTERTEMPORAL – Se a lei revogada for mais benéfica, aplica-se-a ultrativamente ao fato cometido à sua época. Em caso contrário, sendo mais benéfica a lei revogadora, é esta que deverá ser aplicada retroativamente.
PERGUNTA: De quem é a competência para aplicar a lei mais benéfica?
RESPOSTA: a) Processo em andamento – juiz ou Tribunal (se estiver em grau de recurso); b) Condenação – Tribunal; c) Condenação transitada em julgado – Juízo da execução penal (art. 66, I e II da LEP e Súmula 611 do STF).

PERGUNTA: Quais os efeitos da abolitio criminis antes e após o trânsito em julgado da condenação?
RESPOSTA: Antes do trânsito em julgado – não há condenação, ficando afastados todos os efeitos penais (como se fosse uma absolvição). Depois do trânsito em julgado – a pena é extinta e serão também extintos todos os efeitos penais (o agente não será considerado reincidente e não pagará as custas processuais). Subsistem, no entanto, os efeitos extra-penais (a sentença poderá ser executada no cível, confisco dos instrumentos do crime).

PERGUNTA: E se houver dúvida intransponível acerca de qual é a lei mais benéfica para o agente, se a antiga ou a nova?
RESPOSTA: Neste caso, o melhor é intimar o agente para que ele expresse o seu interesse.

PERGUNTA: É possível a combinação de lei anterior e posterior para efeito de extrair de cada uma delas as partes mais benéficas para o agente?
RESPOSTA: Não, porque neste caso o juiz estaria legislando (posição do STF).

PERGUNTA: Lei meramente interpretativa, que explica ponto duvidoso de outra lei, retroage?
RESPOSTA: A lei que aclara ponto duvidoso de outra não cria nova situação, não havendo que se falar em inovação em prejuízo do acusado. Ao contrário, a lei interpretativa limita-se a estabelecer o correto entendimento e o exato alcance da regra anterior, que já deveriam estar sendo aplicados desde o início de sua vigência.

PERGUNTA: Lei inconstitucional mais favorável ao agente retroage?
RESPOSTA: O STJ decidiu pela aplicabilidade da lei inconstitucional mais favorável, sob o argumento de que “fica-se diante de um conflito entre o interesse individual do favor libertatis e o interesse à tutela da comunidade contra o abuso do governo e da maioria parlamentar”.

TEMPO DO CRIME PARA FIXAÇÃO DA LEI APLICÁVEL –
(i) Crimes permanentes (ou gago)– caso a execução tenha início sob o império de uma lei, prosseguindo sob o de outra, aplica-se a mais nova, ainda que menos benigna, pois, como a conduta se protrai no tempo, a todo momento renovam-se a ação e a incidência da nova lei.
(ii) Crimes continuados – se uma nova lei intervém no curso da série delitiva, deve ser aplicada, ainda que mais grave, a toda a série continuada. O agente que prosseguiu na continuidade delitiva após o advento da lei posterior tinha possibilidade de orientar-se de acordo com os novos ditames, em vez de prosseguir na prática de seus crimes. É justo, portanto, que se submeta ao novo regime, mesmo que mais severo, sem a possibilidade de alegar ter sido surpreendido. É o posicionamento do STF.

NORMAS DE VIGÊNCIA TEMPORÁRIA – Art. 3º do Código Penal.
Espécies:
(i) Normas Temporárias – já trazem em seu texto a data da cessação da sua vigência, tem período de vigência previamente fixado pelo legislador.
(ii) Leis Excepcionais – são feitas para viger durante um período de anormalidade (p. ex.: durante uma guerra ou calamidade).
Características:
(i) Auto-revogáveis – perdem a vigência por força delas mesmas.
(ii) Ultra-ativas – mesmo após a sua revogação, ela produz efeitos sobre os fatos ocorridos na sua vigência, mesmo que prejudique o agente. Não há ofensa ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica, uma vez que se uma lei temporária agravasse as penas de certos crimes cometidos durante um período e, vencido o prazo dela, o direito comum mais benigno recobrasse sua eficácia, com possibilidade de retroação, haveria total ineficácia da lei temporal. Veja-se que, por serem leis geralmente de curta duração, elas perderiam toda a sua força intimidativa se não tivessem a ultra-atividade.
PERGUNTA: Quando cessa a vigência de uma lei excepcional?
RESPOSTA: O momento é incerto – depende do fim da causa que deu ensejo à edição da lei.

NORMAS PENAIS EM BRANCO – São aquelas cujo conteúdo é indeterminado, cuja descrição da conduta é incompleta, necessitando de complementação por outra norma.
Espécies:
(i) Em sentido lato ou homogêneo – quando o complemento é outra lei (ex.: art. 237 CP – o complemento está no art. 1521, I a VII do CC).
(ii) Em sentido estrito ou heterogêneo – quando o complemento é ato infra-legal, como portarias, decretos, etc... (ex.: art. 12 da Lei de Tóxicos – definição de substância entorpecente está em portaria do Ministério da Saúde).
PERGUNTA: A modificação do complemento retroage para beneficiar o réu?
RESPOSTA: a) Quando o complemento da norma penal em branco for lei – retroagirá em benefício do agente, tornando atípico o fato cometido. b) Quando o complemento for ato normativo infralegal, sua supressão somente repercutirá sobre a conduta quando a norma complementar não tiver sido editada em uma situação temporária ou de excepcionalidade. Assim, no crime previsto no art. 2º, VI, da L. 1521/51 (Lei de Economia Popular), consistente na venda de gêneros acima das tabelas de preços oficiais (regramento de natureza temporária), será irrelevante a futura supressão do tabelamento. Ou seja, ocorrendo modificação posterior in mellius do complemento da norma penal em branco, para se saber se haverá ou não retroação, é imprescindível verificar se o complemento revogado tinha ou não as características de temporariedade.


CONFLITO APARENTE DE NORMAS – ART. 4º CP

CONCEITO – É o conflito que se estabelece entre duas ou mais normas aparentemente aplicáveis ao mesmo fato. Há conflito porque mais de uma pretende regular o fato, mas é aparente, porque apenas uma delas acaba sendo aplicada à hipótese.

PRINCÍPIOS QUE SOLUCIONAM O CONFLITO APARENTE DE NORMAS
(i) Princípio da Especialidade – se houver conflito entre uma norma de caráter especial e outra de caráter geral, prevalece a norma de caráter especial. A norma especial terá sempre todos os elementos da geral e mais algum elemento, denominado especializante, que traz um minus ou um plus de severidade. Não importa se a regra especial é mais ou menos grave. Ex.: 1) X transporta duas caixas de lança perfume do Paraguai – contrabando ou tráfico de entorpecente? Tráfico de entorpecente, pois é mercadoria específica. 2) Homicídio ou infanticídio? Infanticídio, pois tem os mesmos elementos do homicídio e mais alguns especializantes (mãe que mata, em estado puerperal, etc...).
(ii) Princípio da Subsidiariedade – a norma primária em conflito prevalece sobre a subsidiária. Norma primária descreve um fato mais amplo, enquanto a subsidiária um menos amplo, um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, uma fase normal de execução de crime mais grave. Assim, a norma que descreve o “todo”, isto é, o fato mais abrangente, é conhecida por primária e, por força deste princípio, absorverá a menos ampla, que é a subsidiária, justamente porque esta última cabe dentro dela. Ex.: Estupro / Atentado Violento ao Pudor; Roubo / Furto.
OBS: 1) Subsidiariedade expressa ou explícita – a própria norma reconhece expressamente seu caráter subsidiário, admitindo incidir somente se não ficar caracterizado fato/crime mais grave (ex.: art. 132 CP). Subsidiariedade tácita ou implícita – a norma nada diz, mas diante do caso concreto, verifica-se a subsidiariedade.
2) Diferença entre especialidade e subsidiariedade – na especialidade, é como se tivéssemos duas caixas, cuja diferença seria algum detalhe existente em uma e não na outra, tal como um laço ou um papel de embrulho; na subsidiariedade há duas caixas idênticas, só que uma, menor, cabe na outra.
(iii) Princípio da Consunção – lei consumidora prevalece sobre a consumida – é o princípio segundo o qual um fato mais amplo e mais grave consome, isto é, absorve outros fatos menos amplos e graves, que funcionam como fase normal de preparação, ou de execução, ou como mero exaurimento. Há uma regra que auxilia na aplicação deste princípio, segundo a qual, quando os crimes são praticados no mesmo contexto fático, opera-se a absorção do menos grave pelo de maior gravidade. Sendo destacados os momentos, responderá o agente por todos os crimes em concurso. Aplica-se o Princípio da Consunção em três situações:
a. Crime progressivo – ocorre quando o agente, objetivando desde o início produzir resultado mais grave, pratica, por meio de atos sucessivos, crescentes violações ao bem jurídico. Há uma única conduta comandada por uma só vontade, mas compreendida por diversos atos. O último ato, causador do resultado inicialmente pretendido, absorve todos os anteriores, que acarretaram violações em menor grau.
i. Elementos:
1. unidade de elemento subjetivo - desde o início, há uma única vontade.
2. unidade de fato – há um só crime, comandado por uma única vontade.
3. pluralidade de atos - se houvesse um único ato, não haveria que se falar em absorção.
4. progressividade na lesão ao bem jurídico – os atos violam de forma cada vez mais intensa o bem jurídico, ficando os anteriores absorvidos pelo mais grave.
ii. Conseqüência – o agente só responde pelo resultado mais grave, ficando absorvidas as lesões anteriores ao bem jurídico.
b. Progressão criminosa – compreende três espécies:
i. Progressão criminosa em sentido estrito – nesta hipótese, o agente deseja inicialmente produzir um resultado e, após atingi-lo, decide prosseguir e reiniciar sua agressão produzindo lesão mais grave. Distingue-se do crime progressivo pois não há unidade de desígnios (no crime progressivo o agente quer desde logo o crime mais grave).
1. Elementos:
a. pluralidade de desígnios – o agente inicialmente deseja praticar um crime e, após cometê-lo, resolve praticar outro de maior gravidade, o que demonstra existirem duas ou mais vontades.
b. pluralidade de fatos – ao contrário do crime progressivo, em que há um único fato delituoso composto de vários atos, na progressão criminosa existe mais de um crime, correspondente a mais de uma vontade.
c. Progressividade na lesão ao bem jurídico – o primeiro crime, isto é, a primeira seqüência voluntária de atos provoca uma lesão menos grave do que o último e, por essa razão, acaba por ele absorvido.
2. Conseqüência – embora haja duas condutas distintas, o agente responde só pelo ato final, mais grave. Os fatos anteriores ficam absorvidos.
ii. Fato anterior não punível – sempre que um fato anterior menos grave for praticado como meio necessário para a realização de outro mais grave, ficará por este absorvido (só será absorvido se for de menor gravidade) - ex.: porte ilegal de arma (crime meio) e homicídio (crime fim); Súmula 17 STJ – o crime de falso é absorvido pelo estelionato quando nele se exaurir.
iii. Fato posterior não punível – ocorre quando, após realizada a conduta, o agente pratica novo ataque contra o mesmo bem jurídico, visando apenas tirar proveito da prática anterior. O fato posterior é tomado como mero exaurimento (ex.: após o furto, o agente vende ou destrói a coisa).
c. Crime complexo – é o que resulta da fusão de dois ou mais delitos autônomos que passam a funcionar como elementares ou circunstâncias no tipo complexo (ex.: latrocínio – roubo + homicídio). O agente só responde pelo fato complexo (ex.: latrocínio), que absorve os fatos autônomos que o integram.
OBS: 1) Consunção x Subsidiariedade – é muito tênue a linha diferenciadora que separa a consunção da subsidiariedade. Na verdade, a distinção está apenas no enfoque dado na incidência do princípio. Na subsidiariedade, em função do fato concreto praticado, comparam-se as normas para se saber qual é a aplicável. Na consunção, sem se recorrer às normas, comparam-se os fatos, verificando-se que o mais grave absorve todos os demais, por terem sido estes preparação, execução ou exaurimento do crime mais grave.
2) Princípio da Alternatividade – ocorre quando a norma descreve várias formas de realização da figura típica, em que a realização de uma ou de todas configura um único crime. São os chamados tipos mistos alternativos, os quais descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado (ex.: art. 12 da Lei de Tóxicos – descreve 18 formas de prática de tráfico ilícito de entorpecentes, mas tanto a realização de uma quanto a de várias modalidades configurará sempre um único crime). Quando há nexo causal entre as condutas, o tipo misto é alternativo, respondendo o agente por um só crime. Todavia, quando não houver nexo causal, ou seja, quando cada conduta tiver um tipo autônomo, haverá tipo cumulativo e, portanto, mais de um crime.


TEMPO DO CRIME – ART. 4º CP

Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado (art. 4º CP). O Código Penal adotou a teoria da atividade, e como conseqüência principal, a imputabilidade do agente deve ser aferida no momento em que o crime é praticado, pouco importando a data em que o resultado venha a ocorrer.
OBS: Em matéria de prescrição, o CP adotou a teoria do resultado: o lapso prescricional começa a correr a partir da consumação, e não do dia em que se deu a ação delituosa (art. 111, I, CP).


LUGAR DO CRIME – ART. 6º CP

TEORIAS – A nossa legislação adotou as três teorias:
(i) Atividade – lugar do crime é o da ação ou omissão, sendo irrelevante o local da produção do resultado.
(ii) Resultado – lugar do crime é aquele em que foi produzido o resultado, sendo irrelevante o local da conduta.
(iii) Ubiqüidade ou mista – lugar do crime é tanto o da conduta quanto o do resultado. Será, portanto, o lugar onde se deu qualquer dos momentos do iter criminis. OBS: Os atos meramente preparatórios não constituem objeto de cogitação para determinar o lócus delicti, pois não são típicos.

AS VÁRIAS TEORIAS NA NOSSA LEGISLAÇÃO –
(i) Código Penal – adotou a teoria da ubiqüidade em seu art. 6º: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Aplica-se apenas aos chamados crimes à distância ou de espaço máximo - são os crimes praticados em território nacional cujo resultado se produz no estrangeiro (ou vice-versa), considerando-se lugar do crime tanto o lugar da ação ou omissão quanto o do lugar em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado (ex.: agente escreve carta caluniosa para desafeto na Argentina – competência do Brasil e Argentina). OBS: Tentativa – se a conduta partiu do Brasil e foi impedida a consumação aqui, o lugar do crime será apenas o Brasil. Todavia, se foi impedida a consumação no país em que o crime deveria consumar-se, o lugar do crime será qualquer dos países (Brasil ou país de destino).
(ii) Código de Processo Penal – adotou a teoria do resultado em seu art. 70: “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Aplica-se nos casos de a conduta e o resultado ocorrerem dentro do território nacional, mas em locais diferentes (delito plurilocal).
(iii) Lei 9099/95 (Juizados Especiais) – adotou a teoria da atividade em seu art. 63: “A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração”. Aplica-se aos crimes de menor potencial ofensivo, sujeitos ao procedimento da lei 9099/95.

REGRAS ESPECIAIS –
(i) IMPORTANTE – No homicídio, quando a morte é produzida em local diverso daquele em que foi realizada a conduta, a jurisprudência entende que o foro competente é o da ação ou omissão, e não o do resultado. Essa posição é majoritária e tem por fundamento a maior facilidade que as partes têm para produzir provas no local em que ocorreu a conduta (imagine levar para depor no júri testemunhas de outra comarca, que presenciaram a agressão à vida da vítima???). Ela é, contudo, contrária à letra expressa da lei, que dispõe ser competente o foro do local do resultado (art. 70 CPP).
(ii) Quando incerto o limite entre duas comarcas, se a infração for praticada na divisa, a competência será firmada pela prevenção (art. 70, §3º, CPP).
(iii) No caso de crime continuado ou permanente praticado em território de duas ou mais jurisdições, a competência também será firmada pela prevenção.
(iv) No caso de alteração do território da comarca depois da instauração da ação penal, o STJ tem aplicado analogicamente o art. 87 CPC, que trata da perpetuatio jurisdicionis, mantendo a competência original.
(v) Súmula 521 STF – o foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade de emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado (ou seja, na prática, da agência bancária em que o estelionatário tem conta).
(vi) No crime de falso testemunho praticado por precatória, a jurisprudência tem entendido como competente o juízo deprecado, uma vez que foi nele que ocorreu o depoimento fraudulento.
(vii) No uso de documento falso, a competência é do lugar em que se deu a falsificação.
(viii) O TJSP entende que, no delito de aborto, o juízo competente é o local da conduta, não o da morte do feto.
(ix) Regras específicas do Código de Processo Penal:
a. Sendo desconhecido o lugar da infração – é competente o foro do domicílio do réu (art. 72, caput)
b. Réu com mais de um domicílio – a competência será firmada pela prevenção (art. 72, §1º).
c. Réu sem residência certa ou com paradeiro ignorado – a competência é do juiz que primeiro tomar conhecimento do fato (art. 72, §2º).
d. Ação penal privada – o querelante poderá preferir o foro do domicílio ou residência do réu ao foro do local do crime, ainda que este seja conhecido (art. 73).


PRAZO PENAL – ART. 10 CP

CONCEITO – é o prazo cujo decurso leva à extinção do direito de punir (ex.: prescrição, decadência, art. 60 I CPP, etc.)
OBS: Prazo processual – é aquele cujo decurso não acarreta a extinção da punibilidade.

CONTAGEM DO PRAZO PENAL –
(i) computa-se o dia do começo como o primeiro dia do prazo;
(ii) não será prorrogado quando terminar em domingo ou feriado (o prazo é fatal);
(iii) os meses e anos serão contados independentemente do número de dias.
OBS: Apesar de improrrogável, o prazo penal é passível de interrupção e de suspensão, como, por exemplo, é o caso do prazo prescricional.

CONTAGEM DO PRAZO PROCESSUAL –
(i) exclui o dia do começo, iniciando-se no primeiro dia útil subseqüente;
(ii) quando cair em domingo ou feriado, prorroga para o primeiro dia útil subseqüente (não é fatal como o prazo penal);
(iii) os meses e anos serão contados independentemente do número de dias.
OBS: 1) Prazo de 10 dias para conclusão de IP com réu preso – apesar de seu decurso sem a conclusão do IP redundar na libertação do réu, o prazo é processual, pois não implica em extinção da punibilidade. 2) Prazo de 6 meses para a queixa subsidiária da ação penal pública – também é processual, uma vez que apesar do querelante não poder oferecer queixa após o prazo, o MP poderá fazê-lo a qualquer tempo, até a prescrição. Logo, como o decurso do prazo da queixa subsidiária não importa extinção da punibilidade, o prazo é processual.


TERRITORIALIDADE E EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL – ARTS. 5º E 7º CP

TERRITORIALIDADE – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil.
(i) Territorialidade Absoluta – é aquela que dispõe que a lei brasileira aplica-se sempre ao crime cometido no Brasil, sem qualquer exceção.
(ii) Territorialidade Temperada – em regra, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil, ressalvados os Tratados e Convenções Internacionais.
OBS: O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5º CP).

TERRITÓRIO NACIONAL – sob o prisma material, compreende o espaço delimitado pelas fronteiras geográficas; sob o aspecto jurídico, abrange todo o espaço em que o Estado exerce a sua soberania.

EXTENSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL – consideram-se extensões do território nacional:
(i) as aeronaves ou embarcações públicas, onde quer que estejam, e os aviões ou navios de guerra em serviço militar ou em serviço oficial.
(ii) aeronaves e navios particulares, aplica-se a seguinte regra:
a. Se no Brasil, aplica-se a lei brasileira;
b. Se no exterior, aplica-se a lei estrangeira;
c. Se águas internacionais ou espaço aéreo correspondente, aplica-se a lei do país cuja bandeira estiverem ostentando (Princípio do Pavilhão ou da Bandeira).

EXTRATERRITORIALIDADE – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido fora do território nacional.
(i) Extraterritorialidade Incondicionada – a lei brasileira se aplica ao crime cometido no estrangeiro, independentemente de qualquer condição (casos menos graves).
(ii) Extraterritorialidade Condicionada – a lei brasileira só se aplica ao crime cometido no estrangeiro se atendida determinada condição (casos mais graves).


PRINCÍPIOS DA EXTRATERRITORIALIDADE –
(i) Princípio da Personalidade ou Nacionalidade Ativa – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido por brasileiro fora do Brasil. OBS: Há corrente que sustenta que este princípio só é aplicável quando o sujeito passivo também for brasileiro.
(ii) Princípio da Personalidade ou Nacionalidade Passiva – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no estrangeiro contra brasileiro.
(iii) Princípio Real, da Defesa ou da Proteção – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido fora do Brasil contra o interesse nacional.
(iv) Princípio da Justiça Universal – aplica-se a lei brasileira a qualquer crime cometido por qualquer pessoa em qualquer lugar, desde que o agente esteja no Brasil.
(v) Princípio da Representação – aplica-se a lei brasileira ao crime cometido a bordo de navios e aviões particulares que ostentem a bandeira brasileira, no estrangeiro, e lá não sejam punidos de acordo com a lei daquele país (aplicação subsidiária da lei brasileira).

APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS AOS INCISOS E ALÍNEAS DO ART. 7º -
(i) Inciso I – são todas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada:
a. Princípio Real
b. Princípio Real
c. Princípio Real
d. Princípio da Justiça Universal
(ii) Inciso II – são todas hipóteses de extraterritorialidade condicionada:
a. Princípio da Justiça Universal
b. Princípio da Personalidade Ativa
c. Princípio da Representação
(iii) §3º - é hipótese de extraterritorialidade condicionada – Princípio da Personalidade Passiva.

EXTRADIÇÃO – é o instrumento jurídico pelo qual um país envia uma pessoa que se encontra em seu território a outro Estado soberano, a fim de que neste seja julgada ou receba a imposição de uma pena já aplicada.
(i) Princípio da não-extradição de nacionais – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento com tráfico ilícito de entorpecentes (art. 5º, LI, CF).
(ii) Princípio da exclusão de crimes não comuns – estrangeiro não poderá ser extraditado por crime político ou de opinião (art. 5º, LII, CF).
(iii) Princípio da prevalência dos tratados – na colisão entre a lei reguladora da extradição e o respectivo tratado, este último deverá prevalecer.
(iv) Princípio da legalidade – somente cabe extradição nas hipóteses expressamente enumeradas no texto legal regulador do instituto e apenas em relação aos delitos apontados naquela lei.
(v) Princípio da dupla tipicidade – deve haver semelhança ou simetria entre os tipos penais da legislação brasileira e do Estado solicitante, ainda que diversas sejam as denominações jurídicas.
(vi) Princípio da preferência da competência nacional – havendo conflito entre a justiça brasileira e a estrangeira, prevalecerá a competência nacional.
(vii) Princípio da limitação em razão da pena – não será concedida extradição para países em que a pena de morte e a prisão perpétua são previstas, a menos que dêem garantias de que não irão aplicá-las.
(viii) Princípio da detração – o tempo em que o extraditando permaneceu preso preventivamente no Brasil, aguardando julgamento do pedido de extradição, deve ser considerado na execução da pena no país requerente.



EFICÁCIA DE SENTENÇA ESTRANGEIRA – ARTS. 9º CP

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA – a sentença penal estrangeira será homologada, quando produzir no caso concreto as mesmas conseqüências que a lei brasileira lhe atribui, em duas hipóteses:
(i) Obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições ou a outros efeitos civis – se for possível a execução da sentença penal condenatória brasileira no juízo civil (art. 91, I CP), pode-se homologar a sentença estrangeira para o mesmo efeito, a pedido da parte interessada.
(ii) Sujeitar o sentenciado à medida de segurança – as medidas de segurança estão previstas no art. 96 CP, sendo certo que imposta uma delas no país estrangeiro, será executada no Brasil desde que exista tratado de extradição com o país que emanou a sentença ou, na falta de tratado, haja requisição do Ministro da Justiça.
OBS: A competência, no Brasil, para homologação de sentença estrangeira é privativa do STF, nos termos do art. 102, I, h, CF.

NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇÃO – trata-se de sentença de delibação de caráter integrante, sem análise do conteúdo da sentença estrangeira, mas apenas de seus aspectos formais extrínsecos, com a finalidade de atribuir-lhe eficácia executória.

OBRIGATORIEDADE DA HOMOLOGAÇÃO – nem toda a sentença penal estrangeira precisa ser homologada para produzir efeitos no Brasil, mas tão-somente aquela que deva aqui ser executada. Desse modo, em se tratando de efeitos secundários da condenação, os quais não se destinam à execução, não haverá necessidade de a decisão estrangeira ser homologada. Assim, para gerar reincidência no Brasil ou para obstar a concessão de sursis e do livramento condicional, não é necessário o prévio juízo delibatório do STF. Também não se procederá à homologação nos casos de absolvição proferida no estrangeiro ou de sentença que julgar extinta a punibilidade do agente.



TEORIA DO CRIME

CONCEITO DE CRIME – o crime pode ser conceituado sob os aspectos material, formal ou analítico:
(i) Material – é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob este enfoque, o crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.
(ii) Formal – o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta a sua essência ou lesividade material afronta o princípio da dignidade da pessoa humana.
(iii) Analítico – é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou o intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob este ângulo, crime é todo o fato típico e antijurídico (ou ilícito). Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se esta é lícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Esta é a corrente adotada pelo Direito Penal brasileiro.

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES – os crimes podem ser classificados:
(i) Comum, próprio e de mão própria:
a. Crime comum – pode ser cometido por qualquer pessoa. A lei não exige nenhum requisito especial (ex.: homicídio, furto, etc.).
b. Crime próprio – só pode ser cometido por determinada pessoa ou categoria de pessoas (ex.: a mãe no infanticídio; o funcionário público nos crimes contra a Administração Pública; etc.). Admite a autoria mediata, a participação e a co-autoria.
c. Crime de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível – só pode ser cometido pelo sujeito em pessoa (ex.: falso testemunho). Somente admite a participação, uma vez que não se pode delegar a outrem a execução do crime.
(ii) De dano e de perigo:
a. Crime de dano – exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para a sua consumação (ex.: homicídio, furto, dano, etc.).
b. Crime de perigo – para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (ex.: periclitação da vida ou saúde de outrem). Subdivide-se em:
i. Crime de perigo concreto – quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo.
ii. Crime de perigo abstrato – a situação de perigo é presumida (ex.: quadrilha ou bando).
iii. Crime de perigo individual – é o que atinge uma pessoa ou um número determinado de pessoas (ex.: arts. 130 a 137 CP).
iv. Crime de perigo comum ou coletivo – é aquele que só se consuma se o perigo atingir um número indeterminado de pessoas (ex.: incêndio, explosão).
v. Crime de perigo atual – é o que está acontecendo.
vi. Crime de perigo iminente – é o que está prestes a acontecer.
vii. Crime de perigo futuro ou mediato – é o que pode advir da conduta (ex.: porte de arma de fogo, quadrilha ou bando, etc.).
(iii) Material, formal e de mera conduta:
a. Crime material – o crime só se consuma com a produção do resultado naturalístico (ex.: morte para o homicídio, subtração para o furto, conjunção carnal para o estupro, destruição para o dano, etc.).
b. Crime formal – o tipo não exige a produção do resultado para a consumação do crime, embora seja possível a sua ocorrência. Assim, o resultado naturalístico, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se consume (ex.: ameaça – o agente visa intimidar a vítima, mas a efetiva intimidação é irrelevante para que a infração penal se configure; extorsão mediante seqüestro – o recebimento do resgate exigido é irrelevante para a plena realização do tipo). Nesses tipos, pode haver uma incongruência entre o fim visado pelo agente e o resultado que o tipo exige, pois a lei exige menos do que a intenção do sujeito ativo. Por essa razão, esses tipos são denominados incongruentes.
c. Crime de mera conduta – o resultado naturalístico não é apenas irrelevante, mas impossível (ex.: desobediência, violação de domicílio).
(iv) Comissivo e omissivo:
a. Crime comissivo – é o praticado por meio de ação (ex.: homicídio).
b. Crime omissivo – é o praticado por meio de uma omissão, uma abstenção de comportamento (ex.: omissão de socorro). Subdivide-se em:
i. Crime omissivo próprio – não existe o dever jurídico de agir e o omitente não responde pelo resultado, mas apenas por sua conduta omissiva (ex.: omissão de socorro, omissão de notificação de doença – art. 269 CP).
ii. Crime omissivo impróprio, comissivo por omissão ou espúrio – o omitente tinha o dever jurídico de evitar o resultado e, portanto, por este responderá, conforme art. 13, §2º, CP (ex.: mãe que descumpre o dever legal de amamentar o filho e o deixa morrer de inanição, salva-vidas que na posição de garantidor deixa, por negligência, o banhista morrer afogado).
(v) Instantâneo, instantâneo de efeitos permanentes e permanente:
a. Crime instantâneo – consuma-se em um dado instante, sem continuidade no tempo (ex.: desacato).
b. Crime instantâneo de efeitos permanentes – consuma-se em um dado momento, mas seus efeitos perpetuam-se no tempo (ex.: bigamia, dano, homicídio). São os crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências.
c. Crime permanente – o momento consumativo se protrai no tempo e o bem jurídico é continuamente agredido. A sua característica é que a cessação da situação ilícita depende apenas da vontade do agente (ex.: seqüestro).
(vi) Unissubsistente e plurissubsistente:
a. Crime unissubsistente – é o que se perfaz com um único ato (ex.: injúria verbal). Não admite a tentativa.
b. Crime plurissubsistente – é o que exige mais de um ato para a sua realização (ex.: estelionato).
(vii) Monossubjetivo ou de concurso eventual e plurissubjetivo ou de concurso necessário:
a. Crime monossubjetivo ou de concurso eventual – é o que pode ser cometido por um ou mais agentes (ex.: homicídio, roubo).
b. Crime plurissubjetivo ou de concurso necessário – é o que exige pluralidade de sujeitos ativos (ex.: rixa, quadrilha ou bando).
(viii) Monoofensivo e pluriofensivo:
a. Crime monoofensivo – é o que atinge apenas um bem jurídico (ex.: furto).
b. Crime pluriofensivo – é o que ofende mais de um bem jurídico (ex.: latrocínio – lesa a vida e o patrimônio).
(ix) Principal e acessório:
a. Crime principal – existe independentemente de outros (ex.: furto).
b. Crime acessório – depende de outro crime para existir (ex.: receptação, favorecimento real, favorecimento pessoal).
(x) Simples e complexo:
a. Crime simples – apresenta um tipo penal único (ex.: homicídio, lesões corporais).
b. Crime complexo – resulta da fusão entre dois ou mais tipos penas (ex.: latrocínio, extorsão mediante seqüestro).
(xi) De forma livre ou de forma vinculada:
a. Crime de forma livre – é o praticado por qualquer meio de execução (ex.: homicídio).
b. Crime de forma vinculada – o tipo já descreve a maneira pela qual o crime é cometido (ex.: curandeirismo – art. 284 CP).
(xii) Condicionado ou incondicionado:
a. Crime condicionado – a instauração da persecução penal depende de uma condição objetiva de punibilidade (ex.: art. 7º, II, §2º, “b”).
b. Crime incondicionado – a instauração da persecução penal não depende de uma condição objetiva de punibilidade. Constitui a maioria dos delitos.
(xiii) Outras classificações:
a. Crime progressivo – é o que para ser cometido necessariamente viola outra norma penal menos grave (ex.: agente, com a intenção de matar, causa sucessivas lesões corporais na vítima até levá-la à morte). OBS: Progressão criminosa – inicialmente, o agente deseja produzir um resultado, mas após consegui-lo, resolve prosseguir na violação do bem jurídico, praticando outro crime mais grave.
b. Delito putativo – o agente pensa que cometeu um crime, mas na verdade realizou um irrelevante penal. Pode ser:
i. Delito putativo por erro de tipo – é o crime cuja consumação é impossível pela impropriedade absoluta do objeto (ex.: mulher ingere substância abortiva mas não está grávida).
ii. Delito putativo por erro de proibição – o agente pensa estar cometendo algo injusto, mas pratica uma conduta perfeitamente normal (ex.: boxeador que pensa ter cometido ilícito ao nocautear seu adversário no ringue).
iii. Delito putativo por obra do agente provocador, flagrante provocado, delito de ensaio ou de experiência – não existe crime por parte do agente induzido, ante a falta de espontaneidade e a impossibilidade da consumação do crime (vide Súmula 145 STF).
c. Crime falho – é o nome que se dá à tentativa perfeita ou acabada, em que se esgota a atividade executória sem que se tenha produzido o resultado (ex.: agente desfere contra a vítima todas as balas existentes no tambor de seu revólver mas não consegue matá-la como pretendia).
d. Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado – é aquele em que o tipo penal descreve várias modalidades de realização do crime, sendo certo que a prática de um ou mais verbos do tipo caracterizará crime único (ex.: tráfico de entorpecentes; instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio).
e. Crime habitual – é o composto pela reiteração de atos que revelam um estilo de vida do agente (ex.: rufianismo, exercício ilegal da medicina). Só se consuma com a habitualidade da conduta. OBS: Crime habitual x crime continuado – enquanto no crime habitual cada ato isolado não constitui fato atípico, pois a tipicidade depende da reiteração de um número de atos; no crime continuado cada ato isolado, por si só, já constitui crime.
f. Crime exaurido – é aquele que produz efeitos mesmo após a sua consumação (ex.: recebimento do resgate no crime de extorsão mediante seqüestro).
g. Crime subsidiário – é aquele cujo tipo penal tem aplicação subsidiária, isto é, só se aplica se não for o caso de crime mais grave (ex.: periclitação da vida e da saúde – só ocorre se, no caso concreto, o agente não tinha a intenção de ferir ou matar).
h. Crime vago – é aquele que tem por sujeito passivo entidade sem personalidade jurídica (ex.: art. 233 – crime de ato obsceno – o sujeito passivo é a coletividade em seu pudor).
i. Crime de mera suspeita – trata-se de criação de Manzini, em que o autor é punido pela mera suspeita despertada. Em nosso ordenamento jurídico só há uma forma que se assemelha a esse crime, que é a contravenção de posse de instrumentos usualmente empregados para a prática de crime contra o patrimônio por quem já tenha sido condenado por esse delito (art. 25 LCP).
j. Crime multitudinário – é o cometido por influência de uma multidão em tumulto (ex.: linchamento).
k. Crime funcional – é o cometido por funcionário público. Pode ser próprio, nos casos em que só pode ser cometido por funcionário público, ou impróprio, quando também puder ser cometido pelo particular, mas com outro nomen juris (ex.: apropriação de coisa alheia pode configurar peculato, se cometida por funcionário público, ou apropriação indébita, quando praticada por particular).
l. Crime militar – é o definido no Código Penal Militar. Pode ser próprio, nos casos em que só pode ser cometido por militar (ex.: dormir em serviço), ou impróprio, quando também puder ser cometido pelo particular, mas com outro nomen juris (ex.: furto, estupro, roubo, homicídio).
m. Crime à distância, de espaço máximo ou de trânsito – é aquele em que a execução do crime se dá em um país e o resultado em outro. Aplica-se a teoria da ubiqüidade, e os dois países são competentes para julgar o crime.
n. Crime plurilocal – é aquele em que a conduta se dá em um local e o resultado em outro, mas dentro do mesmo país. Aplica-se a teoria do resultado, e o foro competente é o do local da consumação.
o. Delito de atentado ou de empreendimento – ocorre nos tipos legais que prevêem a punição da tentativa com a mesma pena do crime consumado (ex.: art. 309 do Código Eleitoral – votar ou tentar votar duas vezes; art. 11 da Lei de Segurança Nacional – desmembrar ou tentar desmembrar).
p. Crime internacional ou mundial – é o que, por tratado ou convenção, o Brasil obrigou-se a reprimir (ex.: tráfico de mulheres, de drogas).
q. Crime remetido – ocorre quando a sua definição se reporta a outros delitos, que passam a integrá-lo (ex.: uso de documento falsificado – art. 304 CP).
r. Crime de opinião – é o abuso da liberdade de expressão do pensamento (ex.: injúria).
s. Crime de dupla subjetividade passiva – é o que tem, necessariamente, mais de um sujeito passivo (ex.: art. 151 – violação de correspondência – o remetente e o destinatário são ofendidos).
t. Crime profissional – é o cometido com o intuito de lucro.
u. Crime de ímpeto – é o cometido em momento de impulsividade, sem premeditação (ex.: homicídio privilegiado). Geralmente são delitos passionais.


FATO TÍPICO

CONCEITO – é o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal.

ELEMENTOS – são quatro (CORENETI):
(i) conduta (dolosa ou culposa)
(ii) resultado (só nos crimes materiais)
(iii) nexo causal (só nos crimes materiais)
(iv) tipicidade


CONDUTA

TEORIAS DA CONDUTA – não há crime sem ação (nullum crimen sine conducta). É sobre o conceito de ação (que se pode denominar conduta) que repousa a divergência mais expressiva entre os penalistas. Conforme o sentido que se dê à palavra conduta, modifica-se o conceito estrutural do crime, sendo as teorias abaixo as mais relevantes:
(i) Teoria Causal ou Naturalista – para os adeptos desta teoria, a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer, independentemente da finalidade. Basta que se tenha a certeza de que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou a ação típica. Logo, a caracterização do fato típico só dependia da causação objetiva de um evento definido em lei como crime, verificada de acordo com as leis físicas de causa e efeito. O dolo e a culpa eram irrelevantes para o enquadramento típico da conduta, só importando para o exame da culpabilidade. Crítica – nesta teoria, está-se cindindo um fenômeno real, separando-se a ação de seu conteúdo (o fim do agente ao praticar a ação), ignorando-se que toda a ação humana tem sempre uma finalidade. Isso implica dificuldade, por exemplo, na conceituação da tentativa, pois a tipicidade desta exige que se verifique de imediato a finalidade da ação. Igualmente, por essa teoria não se pode explicar convenientemente a tipicidade quando o tipo penal contém elementos subjetivos (imagine-se a cena de um homem arrastando uma mulher para uma casa abandonada – pela simples análise da ação, não se pode afirmar se há rapto (fim libidinoso), seqüestro (fim de obtenção de vantagem patrimonial), etc. Há que se verificar a vontade do agente, donde se conclui que esta está indissociavelmente ligada à ação, ao contrário do que supunham os defensores desta corrente. A teoria causal ou naturalista está hoje superada.
(ii) Teoria Social – essa teoria compreendeu que um conceito tão importante, como o da ação, produtor de relevantes efeitos na estrutura do delito, não podia atender exclusivamente a princípios fundamentados nas leis da natureza. Diante disso, reconheceu a necessidade de situar o problema numa relação valorativa com o mundo social. O conceito de ação, tratando-se de um comportamento praticado no meio social, deve ser valorado por padrões sociais. Logo, como o Direito Penal só comina pena às condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com seu meio, tudo aquilo que for sem relevância social não terá relevância jurídico-penal. Só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação. Crítica – em primeiro lugar, a teoria não deixa de ser causal, merecendo os mesmos reparos que a doutrina faz à teoria mecanicista: não resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e do crime omissivo. Por outro lado, se ação é a causação de um resultado socialmente importante, como se define a conduta nos crimes de mero comportamento? Essa teoria, como a causal, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos dois casos. Além disso, não se pode esquecer que esta teoria traz a dificuldade de conceituar o que seja relevância social da conduta, que exigiria um juízo de valor, ético, que tornaria o critério vago e impreciso, influindo inclusive nos limites da antijuridicidade e tornando indeterminada a tipicidade. Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina penal.
(iii) Teoria Finalista – para os defensores desta teoria, a conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente, dirigido a uma finalidade. Para a teoria finalista, não se pode dissociar a ação da vontade do agente, já que a conduta é precedida de um raciocínio que leva o agente a praticá-la ou não. Partindo desse pressuposto, distinguiu-se a finalidade da causalidade, para, em seguida, concluir-se que não existe conduta típica sem vontade e finalidade, e que não é possível separar o dolo e a culpa da conduta típica, como se fossem fenômenos distintos. Logo, para esta corrente, o dolo e a culpa integram o conceito de conduta. Sem dolo ou culpa, não há fato típico. Nosso Código Penal seguiu essa orientação, fundindo a vontade e a finalidade na conduta, como seus componentes essenciais. Em seu art. 18, I e II, expressamente reconheceu que o crime ou é doloso ou é culposo, desconhecendo nossa legislação a existência de crime em que não haja dolo ou culpa. Além disso, de acordo com o art. 20 CP, o erro incidente sobre os elementos do tipo exclui o dolo, o que demonstra que este último pertence ao fato típico. Ao Direito Penal não interessam os resultados produzidos sem dolo ou culpa, porque sua razão maior de existir funda-se no princípio geral da evitabilidade da conduta, de modo que só se devem considerar penalmente relevantes as condutas propulsionadas pela vontade, pois só essas poderiam ter sido evitadas. Uma última observação deve ser feita. No que toca aos crimes culposos, a teoria finalista aplica-se integralmente. No caso, por exemplo, de alguém que dirige em excesso de velocidade e, em conseqüência, atropela e mata uma criança, é de se indagar: o resultado foi querido? Ante a resposta negativa, coloca-se em dúvida a teoria finalista: nesse caso, qual era a finalidade do agente? A resposta é simples. A conduta do motorista era animada pela vontade, pois ninguém o estava obrigando a dirigir naquela velocidade (não havia o emprego da coação física, única que elimina a vontade). Quanto à finalidade, esta é variada, uma vez que o agente poderia estar com pressa, ou simplesmente com vontade de divertir-se, e assim por diante. Desse modo, no exemplo, a conduta humana consciente e voluntária existiu (um sujeito dirigia em alta velocidade porque tinha vontade de fazê-lo e pretendia alcançar alguma finalidade, como chegar logo a seu destino ou satisfazer o prazer da velocidade). Quanto ao resultado, como não coincidiu com a finalidade visada, não pode ser qualificado o crime como doloso. Como houve, contudo, quebra do dever de cuidado a todos imposto, o agente responderá por homicídio culposo. Eventualmente, se não tivesse havido nenhum descuido, como se o agente estivesse em alta velocidade durante uma prova regular de automobilismo e uma criança entrasse correndo na pista, inexistiria crime ante a ausência de dolo ou culpa.
(iv) Teoria Funcional – NÃO É ACEITA PELO DIREITO PENAL BRASILEIRO. A partir de 1970, iniciou-se um movimento entre os penalistas alemães no sentido de submeter o rigor da dogmática penal aos fins do direito penal. Para os defensores desta teoria, o tecnicismo do Direito Penal deve ceder espaço à política criminal e à função pacificadora do tipo. Assim, a tarefa de adequação típica deixa de ser um exercício rígido de lógica formal, no qual se compara elementos concretos com abstratos para ver se encaixam, para resolver com justiça a situação concreta e executar um plano de atuação jurídico-penal visando a propiciar uma melhor convivência entre os membros da sociedade. A dogmática e o tecnicismo do Direito Penal cedem espaço para os fins superiores do Direito Penal e sua função de incentivar e regular os comportamentos sociais. Daí o nome Teoria Funcional. Desta teoria decorrem alguns princípios.

PRINCÍPIOS DECORRENTES DA EVOLUÇÃO DA TEORIA FINALISTA – atualmente se vive a fase constitucional do Direito Penal, pois vários princípios que norteiam o sistema foram extraídos da CF, principalmente à luz da dignidade humana tutelada pelo Texto Maior, a saber:
(i) Princípio da Insignificância ou da Bagatela – o Direito Penal não se preocupa com as lesões insiginificantes, considerando-as atípicas (ex.: furtar uma bala em um supermercado). Este princípio é amplamente aplicado pelo STF e STJ.
(ii) Princípio da Adequação Social – tudo aquilo que for adequado socialmente não configura crime. Esta teoria não é muito aceita.
(iii) Princípio da Alteridade ou Intranscendentalidade – ninguém pode ser punido por fazer mal a si mesmo. É aplicado pelo Direito Penal brasileiro, que não pune, por exemplo, a auto-lesão.
(iv) Princípio da Intervenção Mínima – o direito penal só deve intervir nos casos mais graves, ou seja, só deve intervir quando os demais ramos do Direito não o fizerem ou falharem, daí decorrendo a sua subsidiariedade.
(v) Princípio da Proporcionalidade – a incriminação e a pena devem ser proporcionais ao mal produzido pelo crime. É necessário um equilíbrio.
(vi) Princípio da Ofensividade – a função do Direito Penal é promover a defesa do bem jurídico, de forma que quando a conduta praticada pelo agente não ferir ou colocar em risco o bem jurídico, o fato será considerado atípico (esta teoria acaba com os crimes de perigo abstrato).
OBS: Infração de menor potencial ofensivo x princípios da bagatela e adequação social – a infração de menor potencial ofensivo não tem nada a ver com os princípios em questão. Não é porque a infração eventualmente cometida seja de menor potencial ofensivo que se possa considerá-la insignificante. Da mesma forma, estas condutas continuam reprováveis socialmente, razão pela qual não lhes aplica o princípio da adequação social.

CONCEITO DE CONDUTA – é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, voltada para uma finalidade.
OBS: Conduta x ato – a conduta é a realização material da vontade humana, mediante a prática de um ou mais atos. Já o ato é apenas uma parte da conduta, quando esta se apresenta sob a forma de ação. De acordo com o número de atos que a compõem, a conduta pode ser plurissubsistente ou unissubsistente.

CARACTERÍSTICAS –
(i) Ação ou omissão – para que haja conduta, é necessário ação (comportamento ativo, positivo, movimentação corpórea) ou omissão (comportamento passivo, negativo, abstenção de movimento). O Direito Penal não se preocupa com o pensamento do indivíduo, inexistindo conduta e, portanto, fato típico enquanto enclausurada a idéia na mente do agente (ex.: cogitação, planejamento de um crime, etc.).
(ii) Humana – somente a pessoa humana é dotada de consciência, de livre arbítrio, de forma que só a pessoa humana pode realizar a conduta (e não animais, fenômenos da natureza, etc.).
(iii) Consciente e voluntária – a conduta é sempre uma manifestação de vontade. A ausência de consciência e voluntariedade acarreta a ausência da conduta, pela falta de um de seus elementos essenciais (ex.: não há conduta na coação física, no reflexo, no sonambulismo, no estado de hipnose). OBS: Coação moral – há conduta na coação moral irresistível, mas exclui-se a culpabilidade por força do disposto no art. 22 CP.
(iv) Finalidade – adotando a Teoria Finalista da conduta, vimos que a finalidade é relevante para a caracterização da conduta. Sem dolo ou culpa, não há conduta e, portanto, não há fato típico.

ELEMENTOS DA CONDUTA – do conceito de conduta, extrai-se que seus elementos são (COEXFIVO):
(i) Vontade
(ii) Finalidade
(iii) Exteriorização
(iv) Consciência

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR – o dolo e a culpa, de acordo com a Teoria Finalista, constituem elementos do tipo, integrando a conduta: esta só é típica quando dolosa ou culposa. Ora, no caso fortuito e na força maior não há dolo nem culpa. Logo, não havendo conduta dolosa ou culposa, não há conduta típica. Em conseqüência, quando interferem a força maior e o caso fortuito, não há crime por ausência de conduta dolosa ou culposa.
(i) Fortuito – é aquilo que se mostra imprevisível ou inevitável (ex.: incêndio provocado pelo cigarro derrubado do cinzeiro por um golpe de ar inesperado).
(ii) Força maior – trata-se de um evento externo ao agente, irresistível (ex.: coação física).

FORMAS DE CONDUTA –
(i) Ação – comportamento ativo, positivo, movimentação corpórea. Nas chamadas condutas comissivas a lei determina um não-fazer e o agente comete o delito justamente por fazer aquilo que a lei proíbe. A maioria dos núcleos dos tipos se consubstancia em condutas comissivas, como matar, apropriar-se, destruir, subtrair, etc. OBS: Crime comissivo por omissão – na hipótese em que, não obstante o verbo indique um modo positivo, o crime possa ser praticado mediante omissão (ex.: mãe mata o filho mediante privação de alimentos).
(ii) Omissão – comportamento passivo, negativo, abstenção de movimento. Nas chamadas condutas omissivas, a lei determina um fazer e o agente comete o delito justamente por não fazer aquilo que a lei determina.
Teorias:
a. Teoria Naturalística – para essa teoria, a omissão é um fenômeno causal, que pode ser claramente percebido no mundo dos fatos, já que em vez de ser considerada uma inatividade (non facere), caracteriza-se como verdadeira espécie de ação. Constitui, portanto, um “fazer”, ou seja, um comportamento positivo: quem se omite faz alguma coisa. Por essa razão, essa teoria é chamada de naturalística: a omissão provoca modificações no mundo naturalístico (mundo dos fatos), na medida em que o omitente, ao permanecer inerte, fez coisa diversa da que deveria ser feita. Assim, a omissão nada mais é do que uma forma de ação. Ora, se ela é uma ação, então tem relevância causal, ou seja, aquele que se omite também dá causa ao resultado e por ele deve responder.
b. Teoria Normativa – para essa corrente, a omissão é um nada, logo, não pode causar coisa alguma. Quem se omite nada faz, portanto nada causa. Assim, o omitente não deve responder pelo resultado, pois não o provocou. Entretanto, excepcionalmente, embora não se possa estabelecer nexo causal entre a omissão e o resultado, essa teoria admite que aquele que se omitiu seja responsabilizado pela ocorrência. Para tanto, é necessário que esteja presente o chamado “dever jurídico de agir”. É a teoria adotada pelo nosso Código Penal.
Hipóteses de “dever jurídico de agir” no Código Penal:
a. Dever legal – quando houver determinação específica prevista em lei. Sempre que o agente tiver, por lei, a obrigação de cuidado, proteção e vigilância, deverá ser responsabilizado pelo resultado se, com sua omissão, tiver concorrido para ele com dolo ou culpa (ex.: mãe que deixa de alimentar filho recém-nascido – a obrigação dos pais de criar, proteger e cuidar dos filhos decorre de lei, de forma que, por exemplo, se deixar seu filho morrer por negligência, responderá por homicídio culposo).
b. Dever do garantidor – quando o omitente tiver assumido por qualquer outro modo (contrato, liberalidade, etc.) a obrigação de agir. Aqui o dever jurídico não decorre da lei, mas de um compromisso assumido por qualquer meio (ex.: babá que, descuidando-se de sua obrigação de cuidar da criança, permite que esta caia e se afogue na piscina). OBS: Dever do garantidor x disposições e validade do contrato – o dever do garantidor não se confunde com o contratual, sendo indiferentes as limitações que surjam do contrato, inclusive a validade jurídica deste.
c. Dever por ingerência da norma – quando o omitente, com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado, o qual não impediu (ex.: aquele que, por brincadeira, esconde o remédio de um cardíaco tem o dever de socorrê-lo e impedir sua morte, sob pena de responder pelo resultado; do mesmo modo, quem joga uma pessoa na piscina está obrigado a salvá-la, se estiver se afogando; quem ateia fogo a uma mata tem o dever de controlá-lo; etc.).
OBS: Dever jurídico de agir – evolução doutrinária – a doutrina mais recente tem enfatizado que o dever de atuar não resulta apenas de fundamentos positivos, mas de exigências de solidarismo do homem para com outros homens dentro da comunidade, deixando ao juiz a tarefa de definir quem deva ocupar a posição de garante do bem jurídico tutelado. Entretanto, o nosso Código Penal optou por enumerar taxativamente as hipóteses que surge o dever de agir, sem deixar margem às considerações da doutrina mais moderna, a respeito de fontes desse dever, de conotação ética e moral.
Espécies de crimes omissivos:
a. Crimes omissivos próprios – são os que se perfazem com a simples conduta negativa do sujeito, independentemente de produção de qualquer conseqüência posterior (resultado). A norma que os contém, ao invés de um mandamento negativo (ex.: não furtarás), determina um comportamento positivo. Para isso, a figura típica, de forma implícita, descreve uma conduta positiva que deve ser realizada pelo agente em face das circunstâncias por ela narradas. Então, o crime consiste em o sujeito amoldar a sua conduta à descrição legal por ter deixado de observar o mandamento determinado pela norma, descumprindo o dever de agir contido implicitamente na norma incriminadora (ex.: art. 135 CP, 269 CP, 304 CTB).
b. Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão – são delitos em que a punibilidade advém da circunstância de o sujeito, que a isto se encontrava obrigado, não ter evitado a produção do resultado, embora pudesse fazê-lo. Ele se omite, ocorrendo o resultado. Chamam-se omissivos impróprios porque não se confundem com os omissivos puros. Nestes últimos, a conduta negativa é descrita pela lei. Nos omissivos impróprios, ao contrário, a figura típica não define a omissão. O tipo não descreve condutas proibidas, deixando ao intérprete a tarefa de indicar se, em face do ordenamento jurídico, o omitente pode ser equiparado ao agente e, em conseqüência, sofrer a imposição da sanção contida no preceito secundário da lei incriminadora. (ex.: aborto – núcleo do tipo: provocar – admite a forma comissiva por omissão, por exemplo, no caso da parteira que, contratada para assistir à gestante, voluntariamente deixa de tomar uma providência necessária para evitar o aborto espontâneo).
Requisitos da omissão: para a caracterização da conduta omissiva é necessário analisar se o omitente tinha poder, nas circunstâncias, para executar a ação exigida, mediante a aferição dos seguintes requisitos:
a. Conhecimento da situação típica.
b. Consciência, por parte do omitente, de seu poder de ação para a execução da ação omitida (é o chamado dolo da omissão, em analogia ao dolo da ação).
c. Possibilidade real, física, de levar a efeito a ação exigida.
Omissão e culpa: é também possível a omissão por culpa, respondendo por crime culposo o omitente nas seguintes hipóteses:
a. Erro de apreciação na situação típica (ex.: pai que, ouvindo gritos do filho, não o socorre, pensando que se trata de uma brincadeira, enquanto a criança se afoga)
b. Erro sobre a possibilidade de agir (ex.: o garantidor supõe que a vítima está se afogando em lugar profundo do rio, onde seria impossível salvá-la, permitindo que ela se afogue em águas rasas, em que era perfeitamente possível o salvamento).
OBS: Omissão e princípio da legalidade – há autores que entendem que seria necessário especificar expressamente, nos diversos tipos penais, a possibilidade da configuração omissiva, para assim se atender aos pressupostos do princípio da reserva legal. Entretanto, entende-se suficiente para preservar o princípio da legalidade o estabelecimento das hipóteses de existência do dever de agir para evitar o resultado que, conjugadas com os tipos em tese comissivos, lhe dão a tipicidade indireta.

SUJEITOS DA CONDUTA –
(i) Sujeito ativo – é quem pratica o fato descrito na norma penal incriminadora.
(ii) Sujeito passivo – é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime. Para que seja encontrado é preciso indagar qual o interesse tutelado pela lei penal incriminadora. Há duas espécies de sujeito passivo:
a. Sujeito passivo constante ou formal – é o Estado.
b. Sujeito passivo eventual ou material – é o titular do interesse penalmente protegido (ex.: homem, pessoa jurídica, a coletividade, etc.).
OBS: 1) Incapaz – pode ser sujeito passivo de delito.
2) Morto – não pode ser sujeito passivo, apenas objeto material do delito.
3) Feto – pode ser sujeito passivo de crime (ex.: crime de aborto).
4) Animais e coisas inanimadas – não podem ser sujeitos passivos, apenas objetos materiais do delito.
5) Sujeito passivo x prejudicado – sujeito passivo e prejudicado não são necessariamente a mesma pessoa, ainda que isto ocorra na maioria dos casos. Assim, por exemplo, no homicídio, o sujeito passivo é o homem cujo direito à vida foi lesado; prejudicado é o cônjuge ou o parente do falecido. Prejudicado é, pois, qualquer pessoa a quem o crime haja causado um prejuízo patrimonial ou não, tendo por conseqüência direito ao ressarcimento, ao passo que o sujeito passivo é o titular do interesse jurídico violado.
OBS: Pessoa jurídica como sujeito ativo de crime – há duas correntes doutrinárias que divergem quanto a essa possibilidade:
(i) Teoria da Ficção – para essa corrente, a pessoa jurídica tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração, carecendo de vontade própria. Falta-lhe consciência, vontade e finalidade, requisitos imprescindíveis para a configuração do fato típico, bem como imputabilidade e possibilidade de conhecimento do injusto, necessários para a culpabilidade, de maneira que não há como admitir que seja capaz de delinqüir e de responder por seus atos. As decisões desse ente são tomadas pelos seus membros, estes sim pessoas naturais dotadas de razão, livre-arbítrio e passíveis de responsabilização por suas ações e omissões.
(ii) Teoria da Realidade ou da Personalidade Real – para essa corrente, a pessoa jurídica não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real, independente dos indivíduos que a compõem. Sustenta que a pessoa jurídica possui uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais. É, assim, capaz de dupla responsabilidade: civil e penal. Essa responsabilidade é pessoal, identificando-se com a da pessoa natural. A pessoa jurídica é uma realidade, que tem vontade e capacidade de deliberação, devendo-se, então, reconhecer-lhe a capacidade criminal.
Análise crítica da questão: A pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime. O princípio segundo o qual a sociedade não é capaz de delinqüir não é absoluto. De fato, há crimes que só podem ser praticados por pessoas físicas, como o latrocínio, a extorsão mediante seqüestro, o homicídio, o estupro, etc. Existem outros, porém, que são cometidos quase sempre por meio de um ente coletivo que acaba atuando como escudo protetivo de impunidade. São as fraudes e agressões cometidas contra o sistema financeiro e o meio ambiente. Nestes casos, com o sucessivo incremento das organizações criminosas que atuam, quase sempre, sob a aparência de licitude servindo-se de empresas “de fachada” para realizar determinados crimes de gravíssimas repercussões na economia e na natureza. Considerando que é dever do Estado proteger o bem jurídico, bem como que há necessidade de o Direito Penal modernizar-se, acompanhando as novas formas de criminalidade, nossa CF, em seus arts. 225, §3º, e 173, §5º, previu a responsabilização da pessoa jurídica em todas as esferas do direito por atos praticados contra o meio ambiente e a ordem econômica e financeira. Ora, se foi vontade do constituinte e do legislador proteger bens jurídicos relevantes, tais como o meio ambiente e a ordem econômica, contra agressões praticadas por pessoas jurídicas, não há como se negar tal possibilidade ante argumentos de cunho individualista, que serviram de fundamento para a Revolução Burguesa de 1789. A sociedade moderna precisa criar mecanismos de defesa contra agressões diferentes que surgem e se multiplicam dia a dia. Assim é o finalismo, o funcionalismo e outras teorias do Direito Penal que devem adaptar-se à superior vontade constitucional, e não o contrário. Vale ressaltar que a responsabilidade da pessoa jurídica não interfere na responsabilidade da pessoa física que praticou o crime. É o que se chama sistema paralelo de imputação: há um sistema de imputação para a pessoa física e outro para a pessoa jurídica. Hoje em dia, a possibilidade de a pessoa jurídica ser penalmente responsabilizada por crimes contra o meio ambiente, em face da edição da Lei 9605/98, é indiscutível na jurisprudência e na atuação prática do Ministério Público.

CAPACIDADE PENAL – é o conjunto das condições exigidas para que um sujeito possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo do Direito Penal.
OBS: 1) Capacidade penal x imputabilidade – distinguem-se capacidade penal e imputabilidade. Aquela se refere a momento anterior ou posterior ao crime. Esta, a imputabilidade, constitui momento contemporâneo ao delito. Assim, uma pessoa pode ser considerada imputável, presentes os requisitos da imputabilidade no momento da prática do crime, e não ser sujeito de direito penal por se tornar incapaz durante a fase da relação processual. É o que ocorre no caso de doença mental superveniente, regido pelo disposto no art. 152 CPP.
2) Incapacidade penal – ocorre nos casos em que não há a qualidade de pessoa humana viva ou quando a lei penal não se aplique a determinada classe de pessoas.
3) Capacidade especial do sujeito ativo – há crimes que podem ser praticados por qualquer pessoa imputável. Outros reclamam uma capacidade especial, ou seja, certa posição jurídica (ex.: ser funcionário público) ou certa posição de fato (ex.: ser gestante no auto-aborto, ser mãe em estado puerperal no infanticídio). Nesses casos, os sujeitos ativos são chamados de pessoas qualificadas. Tal distinção dá origem às espécies de crimes próprios e de mão própria, assim conceituados:
(i) Crimes próprios – o sujeito ativo pode determinar a outrem a sua execução, embora possam ser cometidos apenas por um número limitado de pessoas (ex.: peculato).
(ii) Crimes de mão própria – embora possam ser cometidos por qualquer pessoa, ninguém os comete por intermédio de outrem (ex.: falso testemunho).

OBJETO DO CRIME – é aquilo contra que se dirige a conduta humana. Para que seja determinado, é necessário que se verifique o que o comportamento humano visa. Pode assumir duas espécies:
(i) Objeto jurídico do crime – é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma penal (ex.: vida no homicídio, integridade corporal nas lesões corporais, patrimônio no furto, etc.). OBS: A disposição dos títulos e dos capítulos da Parte Especial do CP obedece a um critério que leva em consideração o objeto jurídico do crime.
(ii) Objeto material do crime – é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta. É o objeto da ação (ex.: pessoa morta no homicídio, coisa alheia móvel subtraída no furto, a mulher no estupro, etc.). OBS: Crime sem objeto material – há crimes sem objeto material, como o falso testemunho e o ato obsceno.


RESULTADO

CONCEITO – é a modificação do mundo exterior provocada pela conduta.
OBS: 1) Resultado x evento – enquanto o resultado é a conseqüência da conduta, o evento é qualquer acontecimento (ex.: um raio provoca incêndio)
2) Resultado (naturalístico) x resultado jurídico – a palavra resultado empregada como elemento do fato típico, refere-se sempre ao resultado naturalístico. Com efeito, embora nem todo crime tenha resultado naturalístico, conforme se observará a seguir, todo o crime tem um resultado jurídico, que é a violação da ordem jurídica, a ofensa ao bem jurídico protegido pela lei penal.

TEORIAS DO RESULTADO – há duas teorias sobre a natureza do resultado:
(i) Teoria Naturalística – resultado é a modificação provocada no mundo exterior pela conduta (ex.: a perda patrimonial no furto, a conjunção carnal no estupro, a morte no homicídio, etc.). Entretanto, nem todo o crime possui resultado naturalístico, uma vez que há infrações penais que não produzem qualquer resultado no mundo natural (ex.: crimes de mera conduta). Para essa teoria, é possível que haja crime sem resultado, como por exemplo nos crimes de mera conduta. Esta é a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro.
(ii) Teoria Jurídica ou Normativa – resultado é toda lesão ou ameaça de lesão a um interesse penalmente relevante. Quando não houver resultado jurídico, não existe crime. Enquanto para a teoria naturalística o resultado é uma entidade natural, distinta do comportamento do sujeito, para a concepção normativa é o mesmo fato, mas considerado sob o prisma da proteção jurídica.

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE ACORDO COM O RESULTADO –
(i) Crimes materiais – quando o tipo penal descreve uma ação e um resultado, e exige o resultado para o crime estar consumado (ex.: homicídio, furto, etc.).
(ii) Crimes formais – quando o tipo penal descreve uma ação e um resultado, mas dispensa o resultado para fins de consumação (ex.: extorsão mediante seqüestro, que não precisa do pagamento do resgate para a consumação; consuma-se com o seqüestro). OBS: Tipicidade incongruente – diz-se que nos crimes formais há uma tipicidade incongruente porque para a sua tipificação exige-se menos do que o agente pretende.
(iii) Crimes de mera conduta – quando o tipo penal descreve apenas uma ação, sendo impossível a ocorrência de qualquer resultado (ex.: desobediência).
OBS: 1) Crime formal x crime de mera conduta – no crime formal, o resultado é irrelevante, embora possível; ao passo que no crime de mera conduta, não existe a possibilidade de resultado.
2) Crime de mera conduta x crime de perigo – não se deve confundir crime de mera conduta, que não tem resultado, com crime de perigo, cujo resultado é a situação de risco produzida pelo agente no caso concreto.

ESPÉCIES DE RESULTADO – o resultado, modificação do mundo exterior pela conduta, pode apresentar-se sob diversas formas:
(i) Físicos – (ex.: destruição de um objeto no crime de dano).
(ii) Fisiológicos – (ex.: morte no homicídio ou a perda de um membro nas lesões corporais).
(iii) Psicológicos – (ex.: percepção de uma palavra ofensiva por parte de uma pessoa na injúria e na difamação).


NEXO CAUSAL

CONCEITO – é a relação natural de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o resultado dela decorrente, por meio do qual é possível dizer se a conduta deu ou não causa ao resultado. Só se fala em nexo causal nos crimes materiais, pois só estes exigem o resultado. Nos crimes formais e de mera conduta não se exige o nexo causal, uma vez que esses crimes dispensam a ocorrência de qualquer resultado naturalístico e, assim, não há que se pensar em nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.
OBS: Nexo causal físico e nexo causal normativo – o nexo causal físico é a mera constatação acerca da existência de relação entre a conduta e o resultado. A sua verificação atende apenas às leis da física, mais especificamente da causa e do efeito. Entretanto, para a verificação do fato típico, não basta a mera configuração do nexo causal físico, na medida em que é insuficiente para tanto aferir a existência de um elo físico entre ação e resultado. De acordo com a interpretação do art. 19 CP, é imprescindível que o agente tenha concorrido com dolo ou culpa (quando admitida), uma vez que sem um ou outro não haveria fato típico. Logo, para a existência do fato típico são necessários o nexo causal físico e o nexo normativo, que depende da verificação de dolo ou culpa.

TEORIAS PARA APONTAR O NEXO CAUSAL –
(i) Teoria da Equivalência dos Antecedentes ou da “Condition Sine Qua Non” – para esta teoria, toda e qualquer conduta que, de algum modo, ainda que minimamente, tiver contribuído para a produção do resultado, deve ser considerada sua causa. Tudo aquilo que, excluído da cadeia de causalidade, ocasionar a eliminação do resultado deve ser tido como sua causa, pouco importando se, isoladamente, tinha ou não idoneidade para produzi-lo. Portanto, tudo o que, retirado da cadeia de causa e efeito, provocar a exclusão do resultado, considera-se sua causa. Para essa teoria não existe qualquer distinção entre causa, concausa, ocasião ou outras que tais: contribuiu de alguma forma para o resultado, é causa. Foi a teoria adotada pelo nosso Código Penal.
(ii) Teoria da Causalidade Adequada – só é considerada causa a condição idônea à produção do resultado.
OBS: Considerações Finais sobre a Teoria da Equivalência dos Antecedentes – como esta teoria considera causa literalmente tudo o que contribuir para a produção do resultado, pode-se questionar a amplitude da responsabilização, na medida em que por esta teoria, os pais, por exemplo, seriam sempre responsáveis pelos crimes cometidos pelos filhos, afinal sem aqueles, estes não existiriam e o crime não teria sido cometido. Entretanto, deve-se lembrar que estamos analisando apenas o nexo causal físico, sendo certo que para a caracterização do crime deve-se levar em consideração também o nexo causal normativo, isto é, o dolo e a culpa pelo resultado. No exemplo citado, não podem os pais ser responsabilizados, na medida em que não concorreram para a infração com dolo ou culpa, inexistindo, de sua parte, conduta relevante para o Direito Penal, já que não existe ação ou omissão típica que não seja dolosa ou culposa.

NEXO CAUSAL NAS DIVERSAS ESPÉCIES DE CRIMES – o nexo causal só tem relevância nos crimes cuja consumação depende do resultado naturalístico. Nos delitos em que este é impossível (crimes de mera conduta) e naqueles em que, embora possível, é irrelevante para a consumação, que se produz antes e independentemente dele (crimes formais), não há que se falar em nexo causal, mas apenas em nexo normativo entre o agente e a conduta. Desse modo:
(i) Crimes materiais – há nexo causal, em face da existência de resultado naturalístico.
(ii) Crimes formais – o nexo causal não importa, já que o resultado é irrelevante para a consumação típica.
(iii) Crimes de mera conduta – não há nexo causal, pois inexiste resultado naturalístico.
(iv) Crimes omissivos próprios – não há nexo causal, pois inexiste resultado naturalístico.
(v) Crimes omissivos impróprios – não há nexo causal físico, pois a omissão é um nada e o nada não causa coisa alguma. Entretanto, para fins de responsabilização penal, por uma ficção jurídica, a lei considera existir um elo entre o omitente e o resultado naturalístico sempre que estiver presente o dever jurídico de agir, de modo que havendo nexo causal normativo, isto é, havendo dolo ou culpa, responderá o omitente pelo resultado.

SUPERVENIÊNCIA CAUSAL – o legislador brasileiro, restringindo a aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes ou da Conditio Sine Qua Non, abriu-lhe uma exceção no §1º do art. 13, dispondo que “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Junto à conduta do sujeito podem ocorrer outras condutas, condições ou circunstâncias que interfiram no processo causal, que denominaremos simplesmente de “causa”. As causas podem ser classificadas, basicamente, em duas espécies:
(i) Causa dependente – é aquela que, originando-se da conduta, insere-se na linha normal de desdobramento causal da conduta (ex.: atirar contra a vítima – são desdobramentos normais de causa e efeito: a perfuração do corpo humano, a lesão de órgão vital, a hemorragia interna aguda traumática, a parada cardiorrespiratória, a morte). Há uma relação de interdependência entre os fenômenos, de modo que sem o anterior não haveria o posterior, e assim por diante. Logo, a causa dependente não exclui o nexo causal, ao contrário, integra-o como parte fundamental, e apresenta sempre as seguintes características:
a. Origina-se da conduta, sem a qual não existiria
b. Atua com absoluta dependência da causa anterior, da qual resulta como conseqüência natural e esperada
(ii) Causa independente – é aquela que refoge ao desdobramento causal da conduta, produzindo por si só o resultado. Seu surgimento não é uma decorrência esperada, lógica, natural do fato anterior, mas sim um fenômeno totalmente inusitado, imprevisível (ex.: não é conseqüência normal de um simples susto a morte por parada cardíaca). As causas independentes apresentem duas subespécies, conforme se originem ou não da conduta, a saber:
a. Causa absolutamente independente – não se origina da conduta e produz por si só o resultado. Conseqüência: como não há nenhuma relação com a conduta, estando rompido o nexo causal, o agente responde apenas pelos atos praticados e não pelo resultado (responderá por tentativa). São espécies de causas absolutamente independentes:
i. Preexistentes – existem antes de a conduta ser praticada e atuam independentemente de seu cometimento, de maneira que com ou sem a ação o resultado ocorreria do mesmo jeito (ex.: genro atira na sogra, mas ela não morre em decorrência dos tiros, mas sim de um envenenamento anterior provocado pela nora, por ocasião do café da manhã).
ii. Concomitantes – não tem qualquer relação com a conduta e produzem o resultado independentemente desta, no entanto, por coincidência, atuam exatamente no instante em que a ação é realizada (ex.: no exato momento em que o genro está inoculando veneno letal na artéria da sogra, dois assaltantes invadem a residência e atiram contra a velhinha, matando-a instantaneamente).
iii. Supervenientes – da mesma forma, atuam de forma independente, mas após a conduta (ex.: após o genro ter envenenado a sua sogra, um maníaco invade a casa e mata aquela senhora a facadas).
b. Causa relativamente independente – origina-se da conduta e produz por si só o resultado, não sendo uma decorrência normal e esperada da conduta. Tem relação com a conduta apenas porque dela se originou, mas é independente uma vez que produz por si só o resultado. Conseqüências: como se origina da conduta, o agente responde pelo resultado, exceto na hipótese de causa relativamente independente superveniente, por força da exclusão do §1º do art. 13 CP, respondendo o agente nestes casos pelos atos praticados e não pelo resultado (responde pela tentativa). São espécies de causas relativamente independentes:
i. Preexistentes – estão relacionadas com a conduta, mas atuam antes desta (ex.: “A” desfere um golpe de faca na vítima, que é hemofílica e vem a morrer em face da conduta, somada à contribuição de seu peculiar estado fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria insuficiente para produzir o resultado fatal, de modo que a hemofilia atuou de forma independente, produzindo por si só o resultado. Entretanto, o processo patológico só foi detonado a partir da conduta, razão pela qual sua independência é apenas relativa. Como se trata de causa que já existia antes da agressão, denomina-se preexistente). Nesta hipótese, o agente responde pelo crime, pois não se rompe o nexo de causalidade.
ii. Concomitantes – estão relacionadas com a conduta e atuam no momento desta (ex.: “A” atira na vítima que, assustada, sofre um ataque cardíaco e morre. O tiro provocou o susto e, indiretamente, a morte. A causa do óbito foi a parada cardíaca e não a hemorragia traumática provocada pelo disparo, sendo portanto independente, mas relativamente, pois se originou a partir da conduta, e concomitante, tendo atuado ao mesmo tempo desta). Nesta hipótese, o agente responde pelo crime, pois não se rompe o nexo de causalidade.
iii. Supervenientes - estão relacionadas com a conduta e atuam após esta (ex.: a vítima de um atentado é levada ao hospital e sofre acidente no trajeto, vindo, por esse motivo, a falecer. A causa é independente, porque a morte foi provocada pelo acidente e não pelo atentado, mas essa independência é relativa, já que se não fosse o ataque, a vítima não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo atuado posteriormente à conduta, denomina-se causa superveniente). Nesta hipótese, apesar de teoricamente não estar rompido o nexo de causalidade, o agente não responde pelo resultado por força do disposto no §1º do art. 13 CP, que exclui expressamente o nexo causal nestas hipóteses, respondendo apenas pelos atos praticados (tentativa). Outros exemplos de causas relativamente independentes supervenientes: morte da vítima que, em resultado do choque de ônibus com poste de iluminação, sai ilesa do veículo e recebe uma descarga elétrica que lhe causa a morte; o falecimento da vítima em decorrência de cirurgia facial, que não tinha por objetivo afastar perigo de vida provocado pela lesão, mas tão-só corrigir o defeito por esta causado; morte da vítima ao descer do veículo em movimento, embora tivesse o motorista aberto a porta antes do ponto de desembarque.
OBS: 1) Concausa – é toda a causa que concorre paralelamente com outra, contribuindo para a produção do resultado. Entretanto, tendo o nosso CP adotado a Teoria da Equivalência dos Antecedentes, não tem sentido tentar estabelecer qualquer distinção entre causa, concausa, ocasião ou condição. Qualquer conduta que, de algum modo, ainda que minimamente, tiver contribuído para a eclosão do resultado deve ser considerada sua causa.
2) Complicações cirúrgicas e infecção hospitalar – trata-se de causa dependente, respondendo o agente pelo resultado, desde que esta causa dependente esteja na linha do desdobramento físico ou anátomo-patológico da ação. Nesta hipótese, reputa-se dependente a causa atribuindo-se ao agente o resultado final, pois a segunda causa (morte em decorrência de complicação cirúrgica ou infecção hospitalar) guarda relação com a conduta do agente (ferimento na vítima), num desdobramento causal obrigatório.

A CRISE DA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES – as principais críticas dirigidas a esta teoria dizem respeito não só à possibilidade objetiva de regresso causal até o infinito, mas também a algumas hipóteses não solucionadas adequadamente pelo emprego da conditio sine qua non. São estas as principais dificuldades:
(i) Dupla causalidade alternativa – ocorre quando duas ou mais causas concorrem para o resultado, sendo cada qual suficiente, por si só, para a sua produção (ex.: A e B, sem que um saiba da conduta do outro, ministram veneno a C, com o intuito de matá-lo. Se aplicarmos a eliminação hipotética, nenhuma das duas poderá ser considerada causa, já que sem ela o resultado teria se produzido. Em tese, nenhuma das condutas poderia ser considerada causa e o resultado mesmo assim ocorrido. Solução: o causador é aquele cuja dose efetivamente produziu a morte. Não sendo possível provar qual das doses acarretou a morte, aplica-se o princípio do in dubio pro reo, e a nenhum dos autores será imputado o resultado, respondendo ambos por tentativa (a chamada autoria incerta).
(ii) Dupla causalidade com doses insuficientes – e se, no mesmo exemplo do item anterior, as doses fossem insuficientes, por si sós, para levar ao resultado morte, mas, somadas, acabassem por atingir o nível necessário e assim produzir a fatalidade? Nesse caso, nem a conduta de A nem a de B, sozinhas, levariam ao resultado. Eliminada qualquer delas, o resultado desapareceria, razão pela qual pelo critério da eliminação hipotética, nenhuma delas pode ser, isoladamente, considerada causa (só ambas, conjuntamente, podem ser consideradas a causa). Solução: trata-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio, na medida em que falta a um ou outro comportamento a capacidade para gerar, isoladamente, o resultado visado.
(iii) Resultado que ocorreria de qualquer modo – se um médico acelera a morte de um paciente terminal, que já está com danos cerebrais irreversíveis, desligando o aparelho que o mantinha vivo, não poderá ser considerado causador do homicídio pelo critério da eliminação hipotética, já que mesmo suprimida a sua conduta da cadeia causal, ainda assim a morte acabaria acontecendo, mais cedo ou mais tarde. Solução: haverá nexo causal, é certo, mas não em decorrência da aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes, mas sim de outras teorias que entram para socorrê-la nesta hipótese (é o caso do princípio da alteração posterior, pelo qual o médico responde pelo resultado porque seu comportamento alterou o estado de coisas no mundo naturalístico).
OBS: 1) Teoria da causalidade adequada – surge como alternativa aos rigores físicos, mecânicos da aplicação da Conditio Sine Qua Non. Para os adeptos desta teoria, somente pode ser considerada causa a conduta que, isoladamente, tenha probabilidade mínima para provocar o resultado. Se entre o comportamento do agente e o evento houver uma relação estatisticamente improvável, aquele não será considerado causa deste. Não é uma solução ideal pois pode dar azo a injustiças, em face tão-só da improbabilidade do resultado
2) Teoria da Imputação Objetiva – o surgimento desta teoria parte da premissa de que a equivalência dos antecedentes, adotada pelo Código Penal, é muito rigorosa no estabelecimento do nexo causal, na medida em que se contenta com a mera relação física de causa e efeito. Para os defensores desta teoria, só haverá nexo causal se houver:
(i) Relação natural de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o resultado dela decorrente – este requisito é exatamente a Teoria da Equivalência dos Antecedentes. Logo, para a teoria da imputação objetiva, a relação de causa e efeito não determina o nexo causal, mas é apenas um dos elementos para a sua caracterização.
(ii) Criação de um risco proibido – para esta corrente, o Direito Penal não tem por função / finalidade punir qualquer risco criado pela ação humana porque o risco está presente em toda a nossa vida, em qualquer ato que pratiquemos. Com efeito, o Direito Penal analisa o risco em risco permitido e risco proibido, sendo apenas este relevante para a caracterização do nexo causal. Assim, não configura criação de um risco proibido convidar alguém por sucessivas vezes para comer peixe esperando que esta pessoa morra engasgada com um espinho, convidar alguém para assistir a uma prova de automobilismo em local da arquibancada que sabe de maior risco, convidar alguém a viajar à Amazônia em monomotor na esperança de que o avião caia, etc. Nestes exemplos, se sobrevém a morte da pessoa, embora haja nexo causal entre a conduta (convidar) e o resultado (morte), estando presente inclusive o dolo pois a intenção do agente era que a vítima morresse, para a Teoria da Imputação Objetiva não haverá nexo causal, pois a conduta do agente é lícita, isto é, o risco criado é permitido (não é ilícito convidar alguém para comer peixe, assistir a uma prova de automobilismo, andar de avião, etc.). Logo, por risco permitido deve-se entender todos os perigos criados por condutas decorrentes do desempenho normal do papel social de cada um.
(iii) Resultado dentro do âmbito de risco provocado pela conduta – se o agente, mesmo gerando uma situação de risco proibido, não puder ser considerado, juridicamente, o causador do resultado, não haverá nexo causal. Assim, por exemplo, se alguém atira em outrem no pé e esta pessoa vem a falecer em virtude de complicações imputáveis ao hospital, não se configura o nexo causal pois o resultado morte está fora do âmbito de risco de um tiro no pé.

Naturalmente, tendo em vista seus requisitos, a Teoria da Imputação Objetiva nasceu limitada aos crimes materiais, pois depende da apreciação do resultado. É uma teoria em discussão no Brasil e nos concursos prevalece a Teoria da Equivalência dos Antecedentes, que foi a adotada pelo CP.


TIPICIDADE

CONCEITO – é a correspondência integral entre a conduta e o fato típico.
OBS: 1) Tipicidade x adequação típica – a diferença entre ambas é uma sutileza terminológica. Enquanto a tipicidade é a correspondência integral entre a conduta e o fato típico, a adequação típica é a operação de enquadramento da conduta no tipo penal (subsunção). Logo, a tipicidade é a conseqüência da adequação típica.
2) Adequação típica direta ou imediata – ocorre quando há uma correspondência integral, direta e perfeita entre a conduta e o tipo legal.
3) Adequação típica de indireta ou mediata – ocorre quando, cotejados tipo e conduta, não se verifica entre eles perfeita correspondência, sendo necessário o recurso a uma outra norma que promova a extensão do tipo até alcançar a conduta. Não há correspondência entre o fato humano doloso ou culposo e qualquer descrição contida em tipo incriminador. Exemplo clássico é a tentativa, em que a adequação da conduta ao tipo jamais será imediata, pois sem a consumação não haverá realização integral da figura típica.

TIPO – é o modelo descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função de garantia do direito de liberdade.
(i) Elementos (ou elementares):
a. Núcleo – designado por um verbo (ex.: matar, ofender, constranger, subtrair, expor, iludir, etc.).
b. Referências a certas qualidades exigidas, em alguns casos, para o sujeito ativo (ex.: funcionário público, mãe, etc.).
c. Referências ao sujeito passivo (ex.: alguém, recém-nascido, mulher honesta, etc.).
d. Objeto material (ex.: coisa alheia móvel, documento, etc. – em alguns casos pode confundir-se com o próprio sujeito passivo, como no homicídio, em que o elemento “alguém” é objeto material e sujeito passivo do crime).
e. Referências ao lugar, tempo, ocasião, modo de execução, meios empregados e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo agente.
(ii) Espécies de tipo:
a. Permisivos ou justificadores x Incriminadores:
i. Permissivos ou justificadores – são os tipos penais que não descrevem fatos criminosos, mas hipóteses em que estes podem ser praticados. Por esta razão denominam-se permissivos. São tipos que permitem a prática de condutas descritas como criminosas. São os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude, também conhecidas como causas de justificação, a exemplo da legítima defesa.
ii. Incriminadores – são os tipos que descrevem as condutas proibidas. Todo fato enquadrável em tipo incriminador, em princípio, será ilícito, salvo se também se enquadrar em algum tipo permissivo (causas de exclusão de ilicitude).
b. Fundamental ou básico x Derivado:
i. Fundamental ou básico – é o que nos oferece a imagem mais simples de uma espécie de delito. É o tipo que se localiza no “caput” de um artigo e contém os componentes essenciais do crime, sem os quais este desaparece (atipicidade absoluta) ou se transforma em outro (atipicidade relativa).
ii. Derivado – é o que se forma a partir do tipo fundamental, mediante o destaque de circunstâncias que o atenuam ou o agravam. Se a agravação consistir em um dos novos limites abstratos de pena tem-se o tipo qualificado (ex.: art. 121, §2º); se consistir em aumento em determinado percentual, como 1/2, 1/3 ou 2/3, ocorre a chamada causa de aumento (ex.: art. 155, §1º); no caso de atenuação, surge o tipo privilegiado (ex.: art. 121, §1º). Nesses tipos encontram-se os componentes secundários do tipo, que não constituem a sua essência. Localizam-se nos parágrafos dos tipos incriminadores.
c. Normal x Anormal:
i. Normal – só contém elementos objetivos (descritivos). É chamada de tipicidade normal porque quando um tipo só tem elementos objetivos, a segurança na sua aplicação é máxima, já que há menos margem para interpretação e, portanto, para divergências acerca de seu alcance e conteúdo.
ii. Anormal – além dos objetivos, contém elementos subjetivos e normativos.
(iii) Elementos (elementares) x Circunstâncias:
a. Elementos (elementares) – elementar vem de elemento, ou seja, componente básico, essencial, fundamental. Logo, elementar é todo o componente essencial da figura típica, sem o qual ela desaparece ou se transforma em outra (exemplos de elementares: o núcleo do tipo (verbo), “alguém” no homicídio, “coisa alheia móvel” no furto, “funcionário público” em alguns crimes, etc.). As elementares estão sempre no “caput”, por isso ele recebe o nome de tipo fundamental ou básico. Exceção: haverá elementares fora do “caput” quando houver figuras equiparadas em parágrafos (na verdade estas figuras deveriam estar no “caput”, mas por uma questão de técnica legislativa – para o texto do “caput” não ficar muito longo – foram deslocadas para parágrafos).
b. Circunstâncias – vem do latim “circum stare”, significando estar ao redor. É aquilo que não integra a essência, que orbita o tipo penal. São circunstâncias do crime determinados dados que, agregados à figura típica, têm função de aumentar ou diminuir suas conseqüências jurídicas, em especial a pena (ex.: praticar o crime contra ascendente). Inexistente a circunstância, o crime permanece, desaparecendo apenas a agravação ou atenuação da pena. Logo, se eu tirar uma elementar, o crime desaparece, mas se eu tirar uma circunstância, não. As circunstâncias podem ser: a) objetivas – referem-se a aspectos objetivos do crime, tais como o tempo, o lugar, o modo de execução, os meios empregados, as qualidades do objeto, da vítima, etc. Dizem, então, respeito ao fato e não ao agente; b) subjetivas – referem-se ao agente e não ao fato, como os motivos do crime, a reincidência, a conduta social, a personalidade, a menoridade relativa e a maioridade senil.
OBS: Circunstâncias elementares – são os dados híbridos situados entre as elementares e as circunstâncias comuns. Não são essenciais para a existência do crime, mas alteram os limites da pena, ficando o mínimo e o máximo. Trata-se das qualificadoras.
(iv) Elementos do tipo:
a. Objetivos – referem-se ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (verbo), etc.
b. Normativos – seu significado não se extrai da mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro campo do conhecimento humano. Classificam-se em jurídicos quando exigem juízo de valoração jurídico, e em extrajurídicos ou morais, quando pressupõem um exame social, cultural, histórico, religioso, político, etc. Aparecem sob a forma de expressões como “sem justa causa”, “indevidamente”, “documento”, “funcionário público”, “mulher honesta”, “dignidade”, “decoro”, “fraudulentamente”, etc. Por exemplo, a expressão “mulher honesta” tem um determinado significado em uma grande metrópole e outro em um vilarejo fincado no sertão, sendo necessária uma avaliação sociológica do lugar em que ocorreu o crime para saber se a vítima pode ser considerada honesta ou não. Por esta razão, os tipos que possuem elementos normativos são considerados anormais: alargam muito o campo de discricionariedade do julgador, perdendo um pouco de sua característica básica de delimitação.
c. Subjetivos – são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação do autor. Encontram-se, antes de tudo, nos denominados “delitos de intenção”, em que uma representação especial do resultado ou do fim deve ser acrescentada à ação típica executiva como tendência interna transcendente; assim, por exemplo, a intenção de se apropriar do assaltante, a intenção de enriquecimento do estelionatário, etc. No elemento subjetivo do tipo, o legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal. Essa parte é a finalidade especial, a qual pode ou não estar presente na intenção do autor. Quando o tipo incriminador contiver elemento subjetivo, será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo), tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no modelo legal. Embora o dolo seja elemento da conduta e não do tipo, o legislador pode destacar uma parte do dolo e inseri-la expressamente no tipo, fazendo com que uma conduta só seja típica se aquela estiver presente. Essa parte do dolo é a finalidade especial do agente, o seu fim específico.
OBS: 1) Coexistência dos elementos – nada impede a coexistência de elementos normativos, subjetivos e objetivos no mesmo tipo penal. Ex.: art. 219 – raptar (objetivo), mediante violência, grave ameaça ou fraude (normativo), mulher honesta (normativo), para fim libidinoso (subjetivo).
2) Tipicidade conglobante – inclui tipicidade e ilicitude na mesma fase, como elementos fundidos. Com efeito, o fato para ser típico também deve ser ilícito, ou seja, a ilicitude integra o tipo penal como um de seus elementos. Se o fato corresponder ao que está descrito no tipo (tipicidade legal), mas não for ilícito, não existirá juízo de tipicidade (a chamada tipicidade penal), pois o tipo não pode proibir o que o direito ordena nem o que ele fomenta. Isso significa que o fato típico exige a antijuridicidade com seu requisito. Surge assim o conceito de tipicidade legal (que é apenas o fato que corresponde a uma descrição típica) e a tipicidade penal (tipicidade legal + ilicitude da conduta). Um fato somente será típico se presente a tipicidade penal. Crítica – CAPEZ – Entendemos mais correta a visão indiciária da ilicitude, pois o fato típico e o fato ilícito não se confundem, sendo fases distintas do raciocínio do intérprete: primeiro verifica-se a tipicidade e, em caso afirmativo, em um momento posterior afere-se a ilicitude. Do contrário, teríamos que aceitar que matar alguém em legítima defesa seria tão atípico quanto matar um inseto. Este é o entendimento que prevalece, no sentido de que tipo e ilicitude são fenômenos distintos, que não devem ser confundidos.



TIPOS DOLOSOS

CONCEITO DE DOLO – é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo penal. Mais amplamente, é a vontade livre e consciente manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.

ELEMENTOS DO DOLO –
(i) Consciência – conhecimento do fato que constitui a ação típica. Abrangência: a consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal.
(ii) Vontade – elemento volitivo de realizar este fato. Abrangência: a vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la.
OBS: 1) Abrangência do dolo – o dolo abrange também os meios empregados e as conseqüências secundárias de sua atuação.
2) Consciência da ilicitude – alguns autores inserem dentre os componentes do conceito de dolo a consciência da ilicitude do comportamento do agente. Contudo, para os adeptos da corrente Finalista, a qual o CP adota, o dolo pertence à ação final típica, constituindo seu aspecto subjetivo, ao passo que a consciência da ilicitude pertence à estrutura da culpabilidade, como um dos elementos necessários à formulação do juízo de reprovação. Portanto, o dolo e a potencial consciência da ilicitude são elementos que não se fundem em um só, pois cada qual pertence a estruturas diversas.

FASES NA CONDUTA –
(i) Fase interna – opera-se no pensamento do autor (ex.: escolha da vítima, escolha dos meios que serão empregados, etc.). Caso não passe disso, é penalmente indiferente.
(ii) Fase externa – consiste em exteriorizar a conduta, numa atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a normal e usual capacidade humana de previsão. Caso o sujeito pratique a conduta nessas condições, age com dolo, e a ele se podem atribuir o fato e suas conseqüências diretas.

TEORIAS DO DOLO –
(i) Da Vontade – dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.
(ii) Da Representação ou Previsão – dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. Em outras palavras, para esta corrente dolo é a mera previsão do resultado. Denomina-se teoria da representação porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do resultado para a conduta ser qualificada como dolosa. É considerada bastante rigorosa esta corrente pois equipara a culpa consciente ao dolo.
(iii) Do Assentimento ou Consentimento – dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo. Não basta, portanto, representar; é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado (dolo eventual).
OBS: Teorias adotadas pelo CP – da análise do disposto no art. 18, I, CP, conclui-se que foram adotadas as teorias da vontade e do assentimento. Segundo o texto de lei, dolo é a vontade de realizar o resultado ou a aceitação dos riscos de produzi-lo (dolo eventual). A teoria da representação, que confunde culpa consciente com dolo, não foi adotada.

ESPÉCIES DE DOLO –
(i) Dolo normativo e dolo natural:
a. Dolo normativo – é o dolo da teoria clássica, ou seja, da teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito de culpabilidade e possui três elementos: consciência, vontade e consciência da ilicitude. Por essa razão, para que haja dolo, não basta que o agente queira realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que ela é ilícita, injusta, errada. Como se nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende de um juízo de valor, ou seja, a consciência da ilicitude. Só há dolo quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha a consciência de que está cometendo algo censurável. O dolo normativo, portanto, não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um elemento puramente psicológico (um simples querer) para ser um fenômeno normativo, que exige um juízo de valoração (um querer algo errado).
b. Dolo natural – é o dolo concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se apenas de consciência e da vontade, sem a necessidade de que haja também a consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado. Foi concebido pela doutrina finalista, integra a conduta e, portanto, o fato típico. É o dolo adotado pelo CP (art. 18, I).
(ii) Dolo direto ou determinado e dolo indireto ou indeterminado:
a. Dolo direto ou determinado – é aquele em que o sujeito quer o resultado diretamente. Assim, diz-se direto o dolo quando resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado.
b. Dolo indireto ou indeterminado – o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo - o sujeito não quer o resultado, ele quer um resultado). OBS: Dolo eventual – observe-se que age também com dolo eventual o agente que, na dúvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se em concretizá-lo. Entretanto, há certos tipos penais que não admitem o dolo eventual, pois a descrição na conduta impõe um conhecimento especial da circunstância, por exemplo, ser a coisa produto de crime, no delito de receptação (art. 180 CP).
(iii) Dolo genérico e dolo específico:
a. Dolo genérico – é a vontade de realizar a conduta sem um fim especial, ou seja, a mera vontade de praticar o núcleo da ação típica (verbo do tipo) sem qualquer finalidade específica. Nos tipos que não têm elemento subjetivo, isto é, nos quais não consta nenhuma exigência de finalidade especial (os que não têm expressões como “com o fim de”, “para”, etc.), é suficiente o dolo genérico.
b. Dolo específico – é a vontade de realizar a conduta visando a um fim especial previsto no tipo. Nos tipos anormais, que são aqueles que contêm elementos subjetivos (finalidade especial do agente), o dolo, ou seja, a consciência e a vontade a respeito dos elementos objetivos, não basta, pois o tipo exige, além da vontade de praticar a conduta, uma finalidade especial do agente. Desse modo, nos tipos anormais, esses elementos subjetivos no autor são necessários para que haja correspondência entre a conduta e o tipo penal (congruência). Exemplo: crime de rapto – não basta a simples vontade do agente de raptar a vítima, sendo necessária também a sua finalidade especial de querer manter práticas libidinosas, porque esse fim específico é exigido pelo tipo do art. 219 CP, de maneira que, ausente, não se torna possível proceder à adequação típica.
OBS: Classificação ultrapassada – embora de utilidade didática, a classificação do dolo em genérico e específico é considerada ultrapassada pela doutrina.
(iv) Dolo de dano e dolo de perigo:
a. Dolo de dano – é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico (ex.: art. 121 CP, art. 155 CP, etc.).
b. Dolo de perigo – é a vontade de expor o bem jurídico a um perigo de lesão (ex.: art. 132 CP, art. 133 CP, etc.).
(v) Dolo de 1º grau e dolo de 2º grau:
a. Dolo de 1º grau – é a vontade de produzir as conseqüências primárias (diretas, imediatas) do delito, ou seja, o resultado típico inicialmente visado.
b. Dolo de 2º grau – abrange os efeitos colaterais da prática delituosa, ou seja, as suas conseqüências secundárias, que não são desejadas originalmente, mas acabam sendo provocadas porque indestacáveis do primeiro evento. No dolo de 2º grau, portanto, o autor não pretende produzir o resultado, mas se dá conta de que não pode chegar à meta traçada sem causar tais efeitos acessórios (ex.: querendo obter fraudulentamente prêmio do seguro (dolo de 1º grau), o sujeito dinamita um barco em alto-mar, entretanto acaba por tirar a vida de todos os seus tripulantes, resultado pretendido apenas porque inevitável para o desiderato criminoso (dolo de 2º grau)). Em regra, esta modalidade consistirá dolo eventual, (não quer, mas também não se importa se vai ou não ocorrer). Responde por ambos os delitos, em concurso, a título de dolo.
(vi) Dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae – ocorre quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação (ex.: agente esfaqueia a vítima e, pensando ter atingido o resultado pretendido e supondo estar com um cadáver em mãos, atira-o ao mar, vindo a causar, sem saber, a morte por afogamento. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensou ter matado a vítima a facadas, mas na verdade matou-a afogada). Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente quis praticar o crime e, de um modo ou de outro, acabou fazendo-o. O dolo é geral e abrange toda a situação, desde as facadas até o resultado morte, devendo o sujeito ser responsabilizado pela prática dolosa do crime, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal. OBS: Reconhecimento de qualificadora – leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente e não o acidentalmente empregado. No exemplo dado, não é possível a aplicação da qualificadora de asfixia (asfixia por afogamento).
OBS: Dolo e dosagem da pena – a quantidade da pena abstratamente cominada no tipo não varia de acordo com a espécie de dolo. Contudo, o juiz deverá levá-la em consideração no momento da dosimetria penal, pois, quando o art. 59, caput, do CP manda dosar a pena de acordo com o grau de culpabilidade, está se referindo à intensidade do dolo e ao grau de culpa, circunstâncias judiciais a serem levadas em conta na primeira fase da fixação da pena. Não se deve confundir culpabilidade, que é o juízo de reprovação do autor na conduta, com grau de culpabilidade, circunstância a ser aferida no momento da dosagem da pena e dentro da qual se encontram a espécie de dolo e o grau de culpa.

DOLO NOS CRIMES COMISSIVOS POR OMISSÃO – não há crime comissivo por omissão sem que exista o especial dever jurídico de impedir o dano ou o perigo ao bem jurídico tutelado. Nos delitos comissivos por omissão dolosa é também indispensável haja a vontade de omitir a ação devida, ou, em outras palavras, os pressupostos de fato que configuram a situação de garante do agente devem ser abrangidos pelo dolo, e o sujeito ativo precisa ter a consciência de que está naquela posição.


TIPOS CULPOSOS

INTRODUÇÃO –
(i) Conceito – de acordo com a teoria finalista, a culpa, assim como o dolo, é elemento do tipo. É o elemento normativo do tipo, ou seja, a sua verificação se dá a partir das peculiaridades ou circunstâncias de cada caso concreto. Sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente. A culpa, enquanto elemento normativo do tipo, está diretamente associada à natureza aberta dos tipos penais culposos.
(ii) Tipo penal aberto – diz-se que o crime culposo é um crime de tipo penal aberto porque tem um conteúdo indefinido, ou seja, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. O seu conteúdo é definido / obtido a partir das peculiaridades de cada caso concreto, a partir de um juízo de comparação entre a conduta de uma pessoa dotada de discernimento e prudência e a conduta do agente no caso concreto. A culpa, portanto, não está descrita nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo. Isso se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o legislador antever todas as formas de realização culposa, pois seria mesmo impossível, por exemplo, tentar enumerar todas as maneiras de se matar alguém culposamente. Por essa razão, sabedor dessa impossibilidade, o legislador limita-se a prever genericamente a ocorrência da culpa, sem defini-la. Com isso, para a adequação típica será necessário mais do que simples correspondência entre a conduta e a descrição típica. Torna-se imprescindível que se proceda a um juízo de valor do agente no caso concreto, comparando-a com a que um homem de prudência média teria na mesma situação, decorrendo desta comparação o reconhecimento ou não da culpa. OBS: Exceção – art. 180, §3º - crime de receptação culposa, em que as condutas culposas são descritas pelo legislador.
(iii) Excepcionalidade do tipo penal culposo – uma conduta só é punível a título de culpa se houver expressa previsão legal (art. 18, § único, CP).

ELEMENTOS DA CULPA –
(i) Conduta humana voluntária, seja ela comissiva ou omissiva – trata-se de uma vontade direcionada a descumprir o dever objetivo de cuidado, ao passo que no dolo a vontade é dirigida ao fato criminoso.
(ii) Resultado involuntário – o resultado advindo da culpa é necessariamente involuntário, não querido pelo agente. OBS: Crimes materiais – não existe crime culposo de mera conduta. Todos os crimes culposos são necessariamente materiais, sendo imprescindível a produção do resultado naturalístico involuntário para seu aperfeiçoamento típico.
(iii) Inobservância do dever objetivo de cuidado – o dever objetivo de cuidado é o dever normal de cuidado, inerente às pessoas de razoável diligência. A sua inobservância se dá por meio da negligência, imprudência ou imperícia. OBS: Padrão de normalidade – a primeira fonte de padrão de normalidade são as leis escritas e a segunda são as condutas socialmente aceitas (praxe).
(iv) Previsibilidade objetiva – é a possibilidade do resultado ser previsto, tomando por parâmetro uma pessoa dotada de discernimento e prudência. Em outras palavras, é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. A rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem (inclusive, por exemplo, o de uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa previsibilidade em abstrato que se fala. Se não se interpreta o critério de previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado lesivo sempre seria atribuído ao causador. Não se pode confundir o dever de prever, fundado na diligência ordinária de um homem qualquer, com o poder de previsão. Diz-se, então, que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente. Assim, só é típica a conduta culposa quando se puder estabelecer que o fato era possível de ser previsto pela perspicácia comum, normal dos homens. Ausente a previsibilidade objetiva, o fato será atípico. OBS: Previsibilidade subjetiva – é a possibilidade do resultado ser previsto a partir de aptidões pessoais, condições peculiares do agente. Na análise da previsibilidade subjetiva, não importa se uma pessoa de diligência normal poderia ter previsto o resultado, importando apenas se o agente em si considerado poderia tê-lo feito ou não. A ausência de previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, uma vez que não é seu elemento. A conseqüência será a exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que equivale dizer, da conduta e do fato típico). Dessa forma, o fato será típico porque houve conduta culposa, mas o agente não será punido pelo crime ante a ausência de culpabilidade.
(v) Ausência de previsão ou confiança do agente na não realização do resultado ou na produção de qualquer risco – OBS: Culpa consciente – este elemento não se aplica à culpa consciente, pois nesta o agente confia na não realização do resultado ou na não produção de uma situação de risco.
(vi) Nexo causal – é o nexo de causalidade entre a inobservância do dever objetivo de cuidado e o resultado involuntário.
(vii) Tipicidade – necessidade de expressa previsão legal da modalidade culposa.
OBS: 1) Previsibilidade objetiva x Princípio do Risco Tolerado – há comportamentos sabidamente perigosos mas que são imprescindíveis, que não podem ser evitados e não podem ser considerados ilícitos, ante seu caráter emergencial. Mesmo arriscada, a ação deve ser praticada e aceitos eventuais erros, dado que não há outra solução (ex.: médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias, podendo vir a causar a morte do paciente).
2) Previsibilidade objetiva x Princípio da Confiança – a previsibilidade também está sujeita a este princípio, segundo o qual as pessoas agem de acordo com a expectativa de que as outras atuarão dentro do que lhes é normalmente esperado. Ao se aferir a previsibilidade de um evento, não se pode exigir que todos ajam desconfiando do comportamento dos seus semelhantes (ex.: motorista que vem de uma via preferencial passa por um cruzamento na confiança de que aquele que vem da via secundária irá aguardar a sua passagem; o motorista conduz seu veículo na confiança de que o pedestre não atravessará a rua em local ou momento inadequado, etc.).
3) Culpa nos delitos omissivos impróprios – é possível a ocorrência de crimes omissivos impróprios culposos. É o caso da babá que, por negligência, descumpre o dever contratual de cuidado e vigilância do bebê e não impede que este morra afogado na piscina da casa. Responderá por homicídio culposo por omissão.

MODALIDADES DE CULPA – são as formas de se deixar de observar o dever objetivo de cuidado.
(i) Imprudência – é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como a ação descuidada, implicando sempre um comportamento positivo (a imprudência tem forma ativa). É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, seja por não atentar para a lição dos fatos ordinários, seja por não perseverar no que a razão indica. Uma característica fundamental da imprudência é que nela a culpa se desenvolve paralelamente à ação. Desse modo, enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência (ex.: ultrapassagem proibida, excesso de velocidade, trafegar na contramão, manejar arma carregada, etc.). Em todos esses casos, a culpa ocorre no mesmo instante em que se desenvolve a ação.
(ii) Negligência – é a culpa na sua forma omissiva. Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. No sentido do Código, ela é a inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso (ex.: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de crianças, etc.).
(iii) Imperícia – é a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister (ex.: médico vai curar uma ferida e amputa a perna, atirador de elite que mata a vítima em vez de acertar o criminoso, etc.). Se a imperícia advier de pessoa que não exerce arte, ofício ou profissão, haverá imprudência, pois para o reconhecimento da imperícia se presume que o sujeito tenha conhecimento técnico mínimo. Assim, por exemplo, um curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual ao invés de chamar um médico dando causa à morte do paciente incorre em imprudência e não em imperícia. Se, além da demonstração da falta de habilidade, for ignorada pelo agente regra técnica específica de sua profissão, haverá aumento de pena, sendo essa modalidade de imperícia ainda mais grave. OBS: Imperícia x erro profissional (erro escusável) – na imperícia, o conhecimento é mal empregado, mal utilizado (barbeiragem, falta grosseira). No erro profissional, o procedimento regular é devidamente observado, atuando o agente numa área de risco autorizada (ex.: médico que emprega os conhecimentos normais da medicina e chega a uma conclusão errada quanto ao diagnóstico, intervenção cirúrgica, etc.). No erro profissional (erro escusável), o fato não é típico, pois caso contrário isto poderia provocar uma paralisação da ciência, impedindo os pesquisadores de tentarem novos métodos de cura, de edificações, etc.
OBS: Concurso de diferentes modalidades de culpa – poderá ocorrer das diferentes modalidades de culpa coexistirem num mesmo fato. Poderá haver, por exemplo, imprudência e negligência (ex.: pneus gastos e excesso de velocidade), negligência e imperícia (ex.: profissional incompetente que age sem tomar providências específicas necessárias no caso concreto), etc. Nestas hipóteses, o concurso interessará apenas como circunstância judicial para fixação da pena (grau de culpabilidade – art. 59 CP).

ESPÉCIES DE CULPA –
(i) Culpa inconsciente e culpa consciente ou com previsão:
a. Culpa inconsciente – ocorre quando o agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio. É a culpa comum.
b. Culpa consciente ou com previsão – é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto.
OBS: 1) Culpa inconsciente e consciente no CP – de acordo com a lei penal, não existe diferença de tratamento penal entre a culpa com previsão e a inconsciente, pois segundo a Exposição de Motivos, tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá. Além disso, não há diferença quanto à cominação da pena abstratamente no tipo. Entretanto, há posicionamentos no sentido de que no momento da dosagem da pena, no que tange ao grau de culpabilidade (circunstância judicial prevista no art. 59 CP), deva o juiz na primeira fase da dosimetria elevar um pouco mais a sanção de quem age com culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse comportamento.
2) Culpa consciente x dolo eventual – a culpa consciente difere do dolo eventual porque neste o agente prevê o resultado mas não se importa que ele ocorra, ao passo que na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade. Logo, o traço distintivo entre ambos é que no dolo eventual o agente diz: “não importa; dane-se”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível mas não vai acontecer de forma alguma”.
(ii) Culpa própria e culpa imprópria ou por extensão, equiparação ou assimilação:
a. Culpa própria – é aquela em que o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo.
b. Culpa imprópria ou por extensão, equiparação ou assimilação – deriva do erro de tipo inescusável, do erro inescusável nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas justificativas (ver erro de tipo). Nessas hipóteses, o sujeito quer o resultado, mas sua vontade está viciada por um erro que poderia, com o cuidado necessário, ter evitado. Diz-se que a denominação é incorreta uma vez que na chamada culpa imprópria se tem, na verdade, um crime doloso que o legislador aplica a pena do crime culposo. O tratamento do fato como crime culposo justifica-se porque o agente deu causa ao resultado por não atender ao cuidado objetivo que dele se exigia na prática do ato. Como o erro poderia ter sido evitado pelo emprego de diligência mediana, subsiste o comportamento culposo. Há, sempre, um pouco de dolo e um pouco de culpa na atuação. Daí o nome “culpa imprópria” (não é uma culpa propriamente dita), “culpa por extensão, assimilação ou equiparação” (só mesmo mediante uma extensão, assimilação ou equiparação ao conceito de culpa é que podemos classificá-la como tal).
(iii) Culpa presumida – diz-se que a culpa é presumida quando, não se indagando se no caso concreto estão presentes os elementos da conduta culposa, o agente é punido por determinação legal, que presume a ocorrência dela. Sendo uma forma de responsabilidade objetiva, não é mais prevista na atual legislação penal, ao contrário do que ocorria na legislação anterior ao Código de 1940, em que havia punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar (ex.: dirigir sem habilitação), ainda que não houvesse imprudência, negligência ou imperícia. No entanto, na atual legislação, a culpa deve ficar provada, não se aceitando presunções ou deduções que não se alicercem em prova concreta e induvidosa.
(iv) Culpa mediata ou indireta – é aquela em que o agente indiretamente produz um resultado mediante culpa (imprudência, negligência ou imperícia). É o que ocorre, por exemplo, no caso do motorista de ônibus que provoca uma colisão contra um poste, cujos fios encostam em passageiro que desce do veículo e terminam por eletrocutá-lo, ou ainda, no caso do assaltante que, depois de assustar a vítima, faz com que ela fuja e acabe sendo atropelada. A culpa indireta pressupõe nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e nexo normativo (que tenha contribuído culposamente para ele). Em outras palavras e analisando-se estes pressupostos separadamente, é indispensável:
a. Nexo causal – é necessário que o segundo resultado constitua um desdobramento normal e previsível da conduta do agente, que atua como sua causa dependente. Se o segundo evento derivar de fato totalmente imprevisível, desvinculado da conduta anterior, e que, por isso, atuou como se por si só tivesse produzido o resultado, não será possível falar em responsabilização do agente, ante a exclusão da relação de causalidade (art. 13, §1º, CP – causa superveniente relativamente independente).
b. Nexo normativo – além do nexo causal, é preciso que o agente tenha culpa com relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso fortuito, nem de força maior.

GRAUS DE CULPA – é uma distinção oriunda do Direito Romano, de acordo com a maior ou menor possibilidade de previsão do resultado e mesmo dos cuidados objetivos tomados ou não pelo sujeito. Inexiste diferença para efeito de cominação abstrata da pena, mas o juiz deve levar em conta a natureza da culpa no momento de dosar a pena, já que lhe cabe, nos termos do art. 59 CP, fixar a pena de acordo com o grau de culpabilidade do agente. Assim a culpa pode ser:
(i) Grave
(ii) Leve
(iii) Levíssima
OBS: Culpa levíssima – tem-se entendido que está isento de responsabilidade o agente que dá causa ao resultado com culpa levíssima. Tal distinção é fundada na afirmação de que o evento, na hipótese de culpa levíssima, só poderia ser evitado se seu causador atuasse com atenção extraordinária, o que equivaleria praticamente ao caso fortuito. Em sentido contrário, porém, manifestam-se alguns doutrinadores diante do silêncio da lei penal a respeito do assunto. A distinção perde seu interesse já que estará excluída a responsabilidade penal quando o agente atuou com as cautelas a que estava obrigado em decorrência de suas condições pessoais.

COMPENSAÇÃO DE CULPAS – ao contrário do que ocorre no Direito Civil, as culpas não se compensam na área penal. Havendo culpa do agente e da vítima, aquele não se escusa da responsabilidade pelo resultado lesivo causado a esta. Em matéria penal, a culpa recíproca apenas produz efeitos quanto a fixação da pena (o art. 59 alude ao “comportamento da vítima” como uma das circunstâncias a serem consideradas), ficando neutralizada a culpa do agente apenas quando demonstrado inequivocamente a culpa exclusiva da vítima, isto é, que o atuar da vítima tenha sido a causa exclusiva do evento. Sendo o evento decorrente de culpa exclusiva da vítima, evidentemente não há ilícito culposo a ser considerado.

CONCORRÊNCIA DE CULPAS – ocorre quando dois ou mais agentes, em atuação independente uma da outra, causam resultado lesivo por imprudência, negligência ou imperícia. Todos respondem pelos eventos lesivos.

CO-AUTORIA E PARTICIPAÇÃO NO CRIME CULPOSO – há três posições na doutrina:
(i) 1ª Posição – Teoria do Domínio do Fato – não há como sustentar o concurso de agentes no crime culposo, pois neste o agente não quer o resultado e, portanto, não há como sustentar que ele detenha o controle final sobre algo que não deseja, sendo inviável a participação e a co-autoria no crime culposo. Assim, cada um dos agentes é autor de um delito culposo autônomo e independente.
(ii) 2ª Posição – Teoria Restritiva da Autoria – é possível autoria e participação no crime culposo, sendo suficiente detectar o verbo do tipo (a ação nuclear) e considerar co-autores aqueles o realizaram e partícipes aqueles que concorreram de qualquer modo para a produção do resultado, sem cometer o núcleo verbal da ação (é a teoria adotada pelo Prof. Capez).
(iii) 3ª Posição – Intermediária – aceita a co-autoria mas não a participação nos delitos culposos, sustentando que é impossível o reconhecimento da condição de partícipe porque esta é uma conduta acessória. Ora, se o tipo culposo é aberto, não sei qual é a conduta, e se não sei qual a conduta, não tenho como determinar qual é principal e qual é acessória para fins de reconhecimento da participação. Logo, reconhece-se apenas a co-autoria para todos aqueles que concorrerem para o resultado.


TIPOS PRETERDOLOSOS

CONCEITO – crime preterdoloso é uma das quatro espécies de crime qualificado pelo resultado, em que a conduta é dolosa mas o resultado agravador é culposo (preterdolo = além do dolo, da intenção do agente). Há, portanto, dolo no antecedente e culpa no conseqüente.
OBS: 1) Crime preterdoloso e reincidência em crime doloso – se o agente é condenado por crime preterdoloso e, posteriormente, comete um crime doloso, entende-se que há reincidência em crime doloso, pois o crime preterdoloso nada mais é do que um crime doloso qualificado pelo resultado.
2) Lesões corporais de natureza grave ou gravíssima – trata-se de crime qualificado pelo resultado, mas não necessariamente preterdoloso. Assim, tanto o resultado agravador pode ser pretendido pelo agente (ex.: sujeito atira ácido nos olhos da vítima para cegá-la – dolo na lesão corporal e no resultado agravador “perda definitiva de órgão, sentido ou função”), quanto pode derivar de culpa (ex.: marido que surra mulher sem saber que ela está grávida e provoca o abortamento – dolo na lesão corporal e culpa no abortamento), configurando apenas esta última hipótese o preterdolo.
3) Nexo entre conduta e resultado agravador – não basta a existência de nexo causal entre a conduta e o resultado, pois, sem o nexo normativo, o agente não responde pelo excesso não querido. Vale dizer, se o excesso não puder ser atribuído ao agente, ao menos culposamente, não lhe será imputado.

CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO – é aquele em que o legislador, após descrever um crime com todos os seus elementos (descrição completa de um crime), acrescenta-lhe um resultado, cuja ocorrência acarreta um agravamento da sanção penal. O crime qualificado pelo resultado possui dois momentos ou etapas:
(i) Fato antecedente – prática de um crime completo, com todos os seus elementos. Nesta primeira parte, há um crime perfeito e acabado, praticado a título de dolo ou culpa.
(ii) Fato conseqüente – produção de um resultado agravador, além daquele que seria necessário para a consumação. Nesta segunda fase, há um resultado agravador produzido dolosa ou culposamente que acaba por tipificar um delito mais grave.
OBS: 1) Um só crime – o crime qualificado pelo resultado é um único delito, que resulta da fusão de duas ou mais infrações autônomas. Trata-se de crime complexo, portanto.
2) Crime qualificado pelo resultado x crime preterdoloso – o primeiro é gênero, do qual o preterdoloso é apenas uma de suas espécies.

ESPÉCIES DE CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO – são quatro:
(i) Dolo no antecedente e dolo no conseqüente – nesse caso, temos uma conduta dolosa e um resultado agravador também doloso. O agente quer produzir tanto a conduta como o resultado agravador (ex.: marido espanca a mulher até atingir seu intento, provocando-lhe deformidade permanente).
(ii) Culpa no antecedente e culpa no conseqüente – o agente pratica uma conduta culposamente e, além desse resultado culposo, acaba produzindo outros, também a título de culpa (ex.: crime de incêndio culposo qualificado pela morte – art. 258 “in fine” CP – incêndio (fato antecedente) e morte (fato conseqüente) culposos).
(iii) Culpa no antecedente e dolo no conseqüente – o agente, após produzir um resultado culposo, realiza uma conduta dolosa agravadora (ex.: art. 303, par. único, CTB – motorista que, após atropelar um pedestre, ferindo-o, foge, omitindo-lhe o socorro – atropelamento (fato antecedente) culposo e omissão de socorro (fato conseqüente) doloso).
(iv) Dolo no antecedente e culpa no conseqüente (crime preterdoloso ou preterintencional) – o agente quer praticar um crime mas acaba excedendo-se e produzindo culposamente um resultado mais gravoso do que o desejado (ex.: lesão corporal seguida de morte – lesão corporal (fato antecedente) dolosa e morte (fato conseqüente) culposa).

TENTATIVA NO CRIME PRETERDOLOSO – é impossível, já que o resultado agravador não era desejado, e não se pode tentar produzir um evento que não era querido.
OBS: Tentativa no crime qualificado pelo resultado (dolo no antecedente e no conseqüente) - entretanto, no crime qualificado pelo resultado em que houver dolo no antecedente e dolo no conseqüente, será possível a tentativa, pois o resultado agravador também era visado.


ERRO DE TIPO

CONCEITO – é um erro que incide sobre um dado da realidade, da vida real, concreta. Assim, para que um erro incidente sobre um dado da realidade seja considerado erro de tipo, é preciso que a situação sobre a qual incidir o erro esteja descrita num tipo penal como elementar ou circunstância. A denominação “erro de tipo” deve-se ao fato de que o equívoco do agente incide sobre um dado da realidade que se encontra descrito em um tipo penal. Assim, estamos diante de um erro de tipo quando o agente erra, por desconhecimento ou falso conhecimento, sobre os elementos objetivos do tipo, sejam eles descritivos ou normativos; ou seja, o agente não conhece todos os elementos a que, de acordo com o respectivo tipo legal de crime, se deveria estender o dolo.
OBS: 1) Erro de tipo x erro de direito – embora o tipo esteja previsto em lei, o erro de tipo não é um erro de direito. Ao contrário, ele incide sobre a realidade, ou seja, sobre situações do mundo concreto. As pessoas, ao agirem, não cometem enganos sobre tipos, como se os estivessem lendo antes de praticar os mais comezinhos atos. Os equívocos incidem sobre a realidade vivida e sentida no dia-a-dia. Quando essa realidade, seja situação fática, seja jurídica, estiver descrita no tipo, haverá o chamado erro de tipo. Assim, este incide sobre situação de fato ou jurídica, e não sobre o texto legal (até porque não se escusa o desconhecimento ou mal conhecimento da lei). Exemplo: o agente vai caçar em área permitida, olha para uma pessoa pensando ser um animal bravio, atira e mata. O erro não foi “de direito”, mas sobre a situação fática (confundiu uma pessoa com um animal). O fato, porém, sobre o qual incidiu o equívoco está descrito como elementar no tipo de homicídio (matar alguém – pessoa humana). Assim, em razão de erro de fato, o sujeito pensou que estava cometendo um irrelevante penal (caçar em área permitida) quando, na verdade, praticava um homicídio.
2) Erro de tipo x erro de fato – o erro de tipo também não se confunde com erro de fato. Erro de fato é o erro do agente que recai puramente sobre situação fática; já o erro de tipo recai não só sobre os requisitos ou elementos fático-descritivos do tipo (que para serem reconhecidos não precisam de nenhum juízo de valor – ex.: filho, gestante, mulher, etc.), como também sobre requisitos jurídico-normativos do tipo (que para serem conhecidos necessitam de juízo de valor – ex.: coisa alheia, documento público, mulher honesta, etc.). Assim, o erro de tipo pode recair sobre situação jurídica, o que o torna inconfundível e muito mais amplo que o erro de fato.

ESPÉCIES –
(i) Erro de tipo essencial – é o que incide sobre elementares e circunstâncias do tipo penal. Com o advento da teoria finalista da ação e a comprovação de que o dolo integra a conduta, chegou-se à conclusão de que a vontade do agente deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo. Desejar, portanto, a prática de um crime nada mais é do que ter a consciência e a vontade de realizar todos os elementos que compõem o tipo legal. Nessa linha, o erro de tipo essencial ou impede o agente de saber que está praticando o crime, quando o equívoco incide sobre elementar, ou de perceber a existência de uma circunstância. Daí o nome erro essencial: incide sobre situação de tal importância para o tipo que, se o erro não existisse, o agente não teria cometido o crime, ou pelo menos não naquelas circunstâncias. Assim, a característica do erro de tipo essencial é que ele impede o agente de compreender o caráter criminoso do fato ou de conhecer a circunstância. O erro de tipo essencial comporta três sub-espécies:
a. Erro incidente sobre elementar de tipo incriminador – o equívoco incide sobre uma realidade que está descrita como elementar de um tipo incriminador (ex.: caçador atira em bailarino supondo ser uma gazela, pessoa pega caneta de outrem pensando ser sua, etc.). A conseqüência deste erro de tipo é que ele sempre exclui o dolo, porque o sujeito na verdade nunca sabe que está cometendo um crime. Quando o tipo admitir a modalidade culposa, há que se indagar se o erro era evitável ou inevitável. Se o erro for inevitável, diz-se que é escusável, e portanto exclui a culpa. Por outro lado, se o erro for evitável, e desta forma inescusável, o agente será responsabilizado pela modalidade culposa.
b. Erro incidente sobre circunstância – nesta hipótese, o erro incide sobre uma situação não tão importante, porquanto descrita pela lei como circunstância de um tipo penal, sendo portanto acessória e tendo por objetivo apenas influir na pena. Se o erro incidir sobre circunstância, ele não exclui o dolo, pois de qualquer forma o resultado era querido pelo agente, ele só não sabia da existência da circunstância agravante ou atenuante. Assim, ignora-se apenas a circunstância, que não será reconhecida, mesmo que seja uma circunstância atenuante do delito.
OBS: Idade da vítima nos crimes contra os costumes praticados com violência ou grave ameaça – o fato da vítima contar com menos de 14 anos, para fins de reconhecimento de violência presumida nos crimes contra os costumes, não é circunstância mas sim elementar, pois guarda relação com a violência, que é elementar dos crimes contra os costumes praticados com violência ou grave ameaça (ex.: estupro, atentado violento ao pudor, etc.). Assim, eventual erro quanto à idade da vítima será erro incidente sobre elementar do tipo incriminador, e não erro incidente sobre circunstância
c. Erro incidente sobre elementar de tipo permissivo ou DESCRIMINANTE PUTATIVA POR ERRO DE TIPO – tipo permissivo é aquele que permite a realização de um fato típico, sem configurar infração penal (trata-se das causas de exclusão da ilicitude). Putativo é aquilo que não existe na realidade, mas apenas na imaginação do agente (putativo = imaginário). Assim, a descriminante putativa compreende: a) a legítima defesa putativa; b) o estado de necessidade putativo; c) o exercício regular de direito putativo. Há duas espécies de descriminante putativa:
i. Descriminante putativa por erro de proibição – o agente tem perfeita noção de tudo o que está ocorrendo. Não há qualquer engano acerca da realidade. Não há erro sobre a situação de fato. Ele supõe que está diante da causa que exclui o crime porque avalia equivocadamente a norma: pensa que esta permite, quando na verdade ela proíbe; imagina que age certo, quando na verdade está errado; supõe que o injusto é justo. Conseqüências – encontram-se no art. 21 CP e são as mesmas do erro de proibição direto ou propriamente dito. O dolo não pode ser excluído porque o engano incide sobre a culpabilidade e não sobre a conduta. Se o erro for inevitável, o agente terá cometido crime doloso mas não responderá por ele; se evitável, responderá pelo crime doloso com pena diminuída de 1/6 a 1/3.
ii. Descriminante putativa por erro de tipo - na descriminante putativa por erro de tipo o agente se equivoca sobre uma situação de fato, imaginando a ocorrência de uma causa de exclusão da ilicitude (ex.: estado de necessidade, legítima defesa, etc.) (ex.: pessoa após naufrágio pensa que está em alto mar e, para salvar-se, retira a bóia de outro náufrago que acaba morrendo, verificando-se depois que tudo se passou no raso, não havendo estado de necessidade que justificasse a atitude; tripulante de helicóptero em pane atira o companheiro do aparelho pensando que só há um pára-quedas, quando na verdade há dois, não existindo o estado de necessidade apto a justificar a conduta; pessoa assiste filme de terror e um parente seu aproxima-se vestido de monstro para assustá-la e é morto pelo expectador do filme de terror, que pensava tratar-se de um ataque contra a sua pessoa, o que revela erro quanto a excludente de legítima defesa; etc.). Conseqüências – 1ª Posição – a conseqüência este erro de tipo é a mesma do erro incidente sobre elementar de tipo incriminador, ou seja, exclui o dolo, mas caso haja previsão da modalidade culposa, excluirá a culpa apenas se a conduta tiver sido inevitável (erro escusável); se a conduta for evitável (erro inescusável), responderá o agente pela modalidade culposa. A culpa nesta hipótese é a denominada culpa imprópria ou por extensão ou assimilação, que é reconhecida apenas em razão de uma extensão do conceito, pois apesar do agente agir na maioria das vezes com imprudência na avaliação incorreta da realidade, o fato é que ela mais se parece com o dolo, uma vez que estava presente a intenção de praticar o verbo, de atingir o resultado (matar, nos exemplos dados). OBS: Vítima sobrevive na hipótese de descriminante putativa por erro de tipo – nos exemplos dados, se a vítima sobrevive, reconhece-se a tentativa de crime culposo (nos exemplos dados, tentativa de homicídio culposo), que é a única hipótese aceita pela doutrina de crime culposo tentado. 2ª Posição – a descriminante putativa por erro de tipo não é erro de tipo, por isso a sua denominação correta deve ser apenas “descriminante putativa”. Na verdade, trata-se de um erro “sui generis” e não um erro de tipo. Este erro não exclui o dolo ou a culpa, tampouco o fato típico. A conseqüência deste erro é que, quando inevitável, exclui a culpabilidade; se evitável, não exclui nada e o agente responde por crime doloso tentado ou consumado. Neste último caso, por questões de política criminal, apesar de ser condenado por crime doloso, aplica-se a pena do crime culposo (tentado ou não).
Formas - o erro de tipo essencial pode ser escusável ou inescusável, com diferentes efeitos jurídicos:
a. Erro essencial escusável – é aquele desculpável, inevitável, invencível, que não poderia ter sido evitado nem mesmo com o emprego de uma diligência mediana.
b. Erro essencial inescusável – é aquele indesculpável, evitável, vencível, que poderia ter sido evitado se o agente empregasse mediana prudência.
Conseqüências – do fato do erro essencial ser escusável ou inescusável, bem como do fato de recair sobre elementar e circunstância, decorrem diferentes efeitos jurídicos, a saber:
a. Erro essencial que recai sobre elementar – sempre exclui o dolo, seja o erro evitável, seja inevitável. Se o agente não sabia que estava cometendo o crime, por desconhecer a existência de elementar, jamais poderia querer praticá-lo.
b. Erro essencial escusável que recai sobre elementar – sempre exclui o dolo e a culpa. Se o erro não podia ser vencido, nem mesmo com emprego de cautela, não se pode dizer que o agente procedeu de forma culposa.
c. Erro essencial inescusável que recai sobre elementar – sempre exclui o dolo, pois todo erro essencial o exclui, mas não a culpa. Se o erro poderia ter sido evitado com um mínimo de cuidado, não se pode dizer que o agente não se houve com um mínimo de culpa. Assim, se o fato for punido sob a forma culposa, o agente responderá por crime culposo. Quando o tipo não admitir a culpa, é irrelevante indagar sobre a evitabilidade do erro, pois todo erro de tipo essencial exclui o dolo, e, não havendo forma culposa no tipo, a conseqüência será inexoravelmente a exclusão do crime.
d. Erro essencial que recai sobre circunstância – quando o erro incidir sobre a circunstância, ele sempre a excluirá, deixando de se reconhecer a atenuante, agravante ou qualificadora.
(ii) Erro de tipo acidental – é um erro que incide sobre um dado irrelevante da figura típica, portanto é um erro que não traz qualquer conseqüência para o direito penal. Como este erro não impede a apreciação do caráter criminoso do fato, isto é, como o agente sabe perfeitamente que está cometendo um crime, o agente por ele responde como se não houvesse o erro. Há cinco sub-espécies de erro de tipo acidental:
a. Erro sobre o objeto – o erro sobre o objeto é o erro sobre a coisa. Tal erro é absolutamente irrelevante, na medida em que não traz qualquer conseqüência jurídica. Conseqüência – o agente responde pelo crime de qualquer jeito pois seu erro não o impediu de saber que cometia um ilícito (ex.: quer furtar saco de arroz mas furta saco de cebola – responde pelo furto de qualquer jeito, etc.).
b. Erro sobre a pessoa – é o erro na representação mental do agente, que olha um desconhecido e o confunde com a pessoa que quer atingir. Em outras palavras, nessa espécie de erro acidental, o sujeito pensa que “A” é “B” (ex.: quer matar enteado mas acaba matando por engano seu colega de escola, etc.). Conseqüência – levam-se em consideração as características da pessoa que o agente queria atingir na tipificação do crime e aplicação da pena.
c. Erro na execução ou ABERRATIO ICTUS – “aberratio” significa erro, desvio; “ictus” significa execução, golpe. O agente não se confunde quanto à pessoa que pretende atingir, mas realiza o crime de forma desastrada, errando o alvo e atingindo vítima diversa (ex.: erro de pontaria, desvio da trajetória de projétil, etc.). Pode ser:
i. Com resultado único ou unidade simples – ocorre quando o agente, pretendendo atingir determinada pessoa, acaba atingindo outra por erro na execução do crime. Conseqüência – a conseqüência jurídica é a mesma do erro sobre a pessoa, ou seja, levam-se em consideração as características da pessoa que o agente queria atingir na tipificação do crime e aplicação da pena.
ii. Com resultado duplo ou unidade complexa – nesta hipótese, o agente atinge quem ele queria, mas, por erro na execução, acaba atingindo também um terceiro inocente. Conseqüência – neste caso, o agente responde por crime doloso com relação ao primeiro resultado e crime culposo no que toca ao segundo resultado (aplica-se a regra do concurso formal, impondo-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até a metade – o aumento varia de acordo com o número de vítimas atingidas por erro).
OBS: 1) Legítima defesa – se o agente estava em legítima defesa, esta excludente de antijuridicidade também é reconhecida em face dos terceiros atingidos, de sorte que o agente não responderá por crime algum, a menos que haja excesso culposo na legítima defesa. 2) Dolo eventual quanto aos terceiros inocentes – se o agente agir com dolo eventual quanto aos terceiros inocentes, responderá pelo crime doloso em concurso formal imperfeito, pois os resultados diversos derivam de desígnios autônomos, somando-se as penas. Vale frisar que quando houver dolo eventual com relação a terceiros, não se poderá falar em aberratio ictus. Como se pode afirmar ter havido “erro na execução” quando o agente quis atingir todas as vítimas? Assim, somente se cogita do aberratio ictus com unidade complexa quando os terceiros forem atingidos por culpa, isto é, por erro.
d. Resultado diverso do pretendido ou ABERRATIO CRIMINIS ou ABERRATIO DELICTI – o agente quer atingir um bem jurídico mas, por erro na execução, atinge bem jurídico diverso. Aqui, não se trata de atingir uma pessoa em vez de outra, mas de cometer um crime no lugar de outro. Pode ser:
i. Com resultado único ou unidade simples – nesta hipótese, o agente quer praticar um crime mas acaba praticando outro (resultado diverso do pretendido). Conseqüência – o agente neste caso só responderá pelo resultado produzido, na forma culposa. OBS: Ausência de previsão da modalidade culposa – se o tipo não tiver previsão de punição da modalidade culposa, o fato será atípico. Assim, por exemplo, se o agente atira na vítima e não a acerta (tentativa branca), vindo, por erro, a atingir uma vidraça; aplicada a regra, a tentativa branca de homicídio ficaria absorvida pelo dano culposo, e, como este não é previsto no CP, a conduta é considerada atípica.
ii. Com resultado duplo ou unidade complexa – aqui, o agente pratica o crime inicialmente desejado e, acidentalmente, pratica outro não querido. Em outras palavras, são atingidos tanto o bem visando quanto um diverso. Conseqüências – nesta hipótese, responde por crime doloso quanto ao primeiro resultado, e por crime culposo quanto ao segundo (aplica-se a regra do concurso formal, impondo-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até a metade – o aumento varia de acordo com o número de vítimas atingidas por erro). OBS: Duplicidade de resultado e dolo eventual – no caso de duplicidade de resultado, pode o sujeito ter agido com dolo direto em relação a um e com dolo eventual em relação a outro. Responderá por concurso formal imperfeito (art. 70, “caput”, 2ª parte, CP), somando-se as penas.
e. Erro sucessivo, erro sobre o nexo causal, dolo geral ou ABERRATIO CAUSAE – ocorre quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação (ex.: agente esfaqueia a vítima e pensa que a matou. Imaginando já ter atingido o resultado pretendido e supondo estar com um cadáver em mãos, atira-o ao mar, vindo a causar, sem saber, a morte por afogamento. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensou ter matado a vítima a facadas, mas na verdade matou-a afogada). Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente quis praticar o crime e, de um modo ou de outro, acabou fazendo-o. O dolo é geral e abrange toda a situação, desde as facadas até o resultado morte, devendo o sujeito ser responsabilizado pela prática dolosa do crime, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal. OBS: Reconhecimento de qualificadora – leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente e não o acidentalmente empregado. No exemplo dado, não é possível a aplicação da qualificadora de asfixia (asfixia por afogamento).
OBS: Erro de tipo x delito putativo por erro de tipo – no erro de tipo, o agente não sabe que está cometendo um crime, mas acaba por praticá-lo. Já no delito putativo por erro de tipo, o sujeito quer praticar um crime, mas, em face do erro, desconhece que está cometendo um irrelevante penal. Assim, delito putativo é o delito erroneamente suposto, imaginário, que só existe na mente do agente. Assim, o sujeito que quer praticar tráfico ilícito de entorpecentes, mas por engano acaba vendendo talco em vez de cocaína, pratica um delito putativo por erro de tipo. Note bem que ele quer vender a droga, mas não sabe que está alienando substância sem qualquer princípio ativo, cuja venda constitui irrelevante penal em face do art. 12 da Lei de Tóxicos. Trata-se de criminoso incompetente que não consegue sequer praticar o crime. Já na hipótese do erro de tipo, o agente não tem a menor intenção de cometer qualquer ilícito penal. Assim, é o caso do sujeito que vai a uma farmácia comprar talco, mas o balconista, por engano, entrega-lhe um pacote de cocaína. Ele não quer cometer nenhum delito, ao contrário do primeiro caso, e, sendo tal erro essencial, a exclusão do dolo opera a atipicidade do fato (já que não existe a forma culposa no art. 12 da Lei de Tóxicos).


ITER CRIMINIS

CONCEITO – é o caminho do crime.

ETAPAS – são quatro as etapas do “iter criminis”:
(i) Cogitação – o agente apenas mentaliza, idealiza, prevê, antevê, planeja, deseja, representa mentalmente a prática do crime. Nessa fase o crime é impunível, pois cada um pode pensar o que bem quiser. Enquanto encarcerada nas profundezas da mente humana, a conduta é um nada, totalmente irrelevante para o Direito Penal. Somente quando se rompe o claustro psíquico que a aprisiona e materializa-se concretamente a ação é que se pode falar em fato típico.
(ii) Preparação – é a prática dos atos imprescindíveis à execução do crime. Nessa fase ainda não se iniciou a agressão ao bem jurídico. O agente não começou a realizar o verbo constante da definição legal (o núcleo do tipo), logo, o crime ainda não pode ser punido. Assim, o ato preparatório é aquela forma de atuar que cria as condições prévias adequadas para a realização de um delito planejado. Por um lado, deve ir mais além do simples projeto interno sem que deva, por outro, iniciar a imediata realização tipicamente relevante da vontade delitiva. OBS: 1) Ato preparatório que pode tipificar crime autônomo – vale ressaltar que o legislador, por vezes, transforma atos preparatórios de determinados crimes em outros crimes autônomos, quebrando a regra geral (ex.: petrechos para falsificação de moeda (art. 291 CP) que seria apenas ato preparatório do crime de moeda falsa (art. 289 CP); portar arma de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal portar arma (art. 10 da Lei 9437/97), com o objetivo de praticar homicídio (art. 121 CP); etc.). 2) Crimes de quadrilha e associação criminosa para o tráfico – nestes casos, não há punição de ato preparatório, mas a execução destes próprios crimes. Esses delitos são atos preparatórios do crime de tráfico de drogas ou de outros crimes, mas não atos preparatórios em si mesmos.
(iii) Execução – o bem jurídico começa a ser atacado. Nessa fase, o agente inicia a realização do núcleo do tipo e o crime já se torna punível.
(iv) Consumação – todos os elementos que se encontram descritos no tipo penal foram realizados.


CRIME CONSUMADO

CONCEITO – é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal.

A CONSUMAÇÃO NAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CRIMES –
(i) Materiais – com a produção do resultado naturalístico.
(ii) De Mera Conduta – com a ação ou omissão delituosa.
(iii) Formais – com a simples atividade, independentemente do resultado.
(iv) Permanentes – o momento consumativo se protrai no tempo.
(v) Omissivos Próprios – com a abstenção do comportamento devido.
(vi) Omissivos Impróprios – com a produção do resultado naturalístico.
(vii) Qualificados pelo Resultado – com a produção do resultado agravador.
(viii) Complexos – quando os crimes componentes estiverem integralmente realizados.
(ix) Habituais – com a reiteração de atos, pois cada um deles, isoladamente, é indiferente à lei penal. O momento consumativo é incerto, pois não se sabe quando a conduta se tornou um hábito, por essa razão, não cabe prisão em flagrante nesses crimes.

CRIME CONSUMADO X CRIME EXAURIDO – enquanto crime consumado é aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal, crime exaurido é aquele no qual o agente, após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico, procura dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo proveito, fazendo com que sua conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto, mesmo após a realização integral do tipo (ex.: funcionário público que, depois de solicitar a vantagem indevida, vem efetivamente a recebê-la – art. 317 CP). Quando não previsto como causa específica de aumento, o exaurimento funcionará como circunstância judicial na primeira fase da aplicação da pena (art. 59 CP – conseqüências do crime). Tal função é subsidiária porque, em alguns casos, como por exemplo no da corrupção passiva, há previsão expressa no tipo incriminador de causa de aumento de pena (art. 317, §1º, CP), de forma que nestes casos, o exaurimento não poderá funcionar também como circunstância judicial, evitando-se a dupla apenação.


TENTATIVA OU CONATUS

CONCEITO – é a não consumação de um crime, cuja execução foi iniciada, por circunstâncias alheias à vontade do agente. Na tentativa, “eu quero, mas não posso”.

NATUREZA JURÍDICA – é norma de extensão temporal da figura típica, que traz como resultado a adequação típica mediata ou indireta.

ELEMENTOS –
(i) Início da execução
(ii) Não-consumação
(iii) Interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente

FRONTEIRA ENTRE ATO PREPARATÓRIO E INÍCIO DE EXECUÇÃO - é muito tênue a linha divisória entre o término da preparação e a realização do primeiro ato executório. Torna-se, assim, bastante difícil saber quando o agente ainda está preparando ou já está executando um crime. O legislador, no art. 14, II, CP, estabelece essa divisão ao fazer referência ao início da execução. Não obstante isso, a dúvida persiste, uma vez que o conteúdo de significado da mencionada expressão gera sérias divergências ao ser aplicado concretamente. Há três critérios para a fixação do início da execução:
(i) Critério Objetivo – a execução só começa, objetivamente, quando o fato típico começa a ser realizado. Por este critério, a execução se inicia com a prática do primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do delito. Enquanto os atos realizados não forem aptos à consumação ou quando ainda não estiverem inequivocamente vinculados a ela, o crime permanece em sua fase de preparação. Assim, só há execução quando praticado o primeiro ato capaz de levar ao resultado consumativo e não houver nenhuma dúvida de que tal ato destina-se à consumação. É a teoria adotada pelo CP. Crítica: critica-se a adoção de tal critério, pois estreitaria sobremaneira a esfera de incidência da tentativa, deixando esta de abarcar diversos atos reprováveis e passíveis de sancionamento, os quais constituiriam meros atos preparatórios impuníveis.
(ii) Critério Subjetivo – seu enfoque não é a descrição da conduta típica, mas o momento interno do autor, uma vez que não importa mais verificar se os atos executados pelo agente correspondem a uma realização parcial do tipo, mas sim examiná-los em função do ponto de vista subjetivo do respectivo autor. Assim, para os defensores desta teoria, começa a execução quando o agente revela a sua intenção de produzir o resultado, ou seja, a execução começa quando fica clara a intenção de produzir o resultado consumativo. Crítica: esta teoria é bastante criticada pela doutrina, pois o agente é apontado cedo demais como delinqüente, correndo-se o risco de dilatar ao infinito o esquema de incriminação, de forma que ponha em perigo o próprio Princípio da Legalidade. Além disso, torna possível incriminar o sujeito até mesmo em sua fase de cogitação.
(iii) Critério Compositivo ou Misto – sustenta que o início da execução se dá com a prática de atos anteriores ao verbo do tipo, mas diretamente vinculados a ele.

ESPÉCIES –
(i) Perfeita, acabada ou CRIME FALHO x Imperfeita:
a. Perfeita, acabada ou CRIME FALHO – o agente pratica todos os atos de execução do crime, mas não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade.
b. Imperfeita – há interrupção do processo executório; o agente não chega a praticar todos os atos de execução do crime por circunstâncias alheias à sua vontade.
(ii) Branca ou incruenta x Cruenta:
a. Branca ou incruenta – a vítima não é atingida, nem vem a sofrer ferimentos. Importante notar que a tentativa branca pode ser perfeita ou imperfeita. No primeiro caso, o agente realiza a conduta integralmente, sem, contudo, cnoseguir ferir a vítima (ex.: erra todos os tiros); no segundo, a execução é interrompida sem que a vítima seja atingida (ex.: após o primeiro disparo errado, o agente é desarmado).
b. Cruenta – a vítima é atingida, vindo a lesionar-se. Do mesmo modo, pode ocorrer tentativa cruenta na tentativa imperfeita ou perfeita (no primeiro caso, por exemplo, a vítima é ferida, e, logo em seguida, o agente vem a ser desarmado; no segundo, por exemplo, o autor descarrega a arma na vítima, lesionando-a mas não conseguindo matá-la).

INFRAÇÕES PENAIS QUE NÃO ADMITEM TENTATIVA –
(i) Culposas (salvo a culpa imprópria para parte da doutrina);
(ii) Preterdolosas (salvo no aborto seguido de morte em que nasce a criança);
(iii) Contravenções penais (art. 4º da LCP);
(iv) Crimes omissivos próprios (ou se omite, ou não se omite);
(v) Crimes habituais (ou há a habitualidade e o delito se consuma, ou não há e inexiste crime – ex.: vadiagem);
(vi) Delitos de atentado (são os crimes que a lei pune a tentativa como crime consumado – ex.: art. 352 CP).
OBS: 1) Crimes de mera conduta – alguns crimes de mera conduta admitem a tentativa, como a violação de domicílio (o agente pode, sem sucesso, tentar invadir domicílio de outrem).
2) Crimes unissubsistentes – são aqueles que se perfazem com um ato só. A despeito da controvérsia doutrinária, entende-se majoritariamente que comportam tentativa em certos casos, por exemplo, quando o agente efetua um único disparo contra a vítima e erra o alvo. Os que sustentam a inadmissibilidade da tentativa nos crimes unissubsistentes, o fazem calcados no fato de que nestes crimes não há fragmentação da atividade.

PUNIÇÃO DA TENTATIVA – há duas teorias para a punição da tentativa:
(i) Teoria Subjetiva – a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime consumado, pois o que vale é a intenção do agente.
(ii) Teoria Objetiva ou Realística – a tentativa deve ser punida de forma mais branda que o crime consumado, pois objetivamente produziu um mal menor. É a teoria adotada pelo nosso CP.

PENA DA TENTATIVA – a pena do crime tentado será a do crime consumado, diminuída de 1/3 a 2/3. Quanto mais próximo o agente chegar da consumação, menor será a redução, e vice-versa. Assim, na tentativa branca a redução será sempre maior do que naquela em que a vítima sofre ferimentos graves. Tal critério é fruto de construção jurisprudencial.
OBS: Tentativa e concurso de agentes – o critério para a redução da pena pela tentativa há de ser o mesmo para todos os participantes nos delitos praticados em concurso de agentes. Portanto, o percentual redutor é incindível e deverá beneficiar de forma uniforme todos os participantes, pouco importando que contra alguns existam agravantes e em prol de outros atenuantes, até porque tais circunstâncias não são levadas em consideração no momento da fixação do percentual redutor, mas tão-somente o iter criminis percorrido. Assim, por exemplo, se um dos agentes foi preso ao final da prática de roubo, e o outro logrou fugir com parte da res furtiva, isso não dá azo a que o crime seja cindido e, ao mesmo tempo, considerado consumado para o co-autor e tentado para o seu partícipe.

TENTATIVA ABANDONADA OU QUALIFICADA – é a não consumação de um crime cuja execução foi iniciada, por interferência da vontade do próprio agente. Como o próprio nome diz, havia uma tentativa, que foi abandonada. Em outras palavras, o agente pretendia produzir o resultado consumativo, mas acabou por mudar de idéia, vindo a impedi-lo por sua própria vontade. Desse modo, o resultado não se produz por força da vontade do agente, ao contrário da tentativa, na qual atuam circunstâncias alheias a essa vontade. Na tentativa abandonada ou qualificada, “eu posso, mas não quero”.
(i) Natureza jurídica – há duas posições: 1ª Posição – trata-se de causa geradora de atipicidade (relativa ou absoluta). Provoca a exclusão da adequação típica indireta, fazendo com que o autor não responda pela tentativa, mas pelos atos até então praticados, salvo quando não configurarem fato típico. 2ª Posição – trata-se de causa de extinção da punibilidade, ou seja, circunstâncias que, sobrevindo à tentativa de um crime, anulam a punibilidade do fato a esse título. Há uma renúncia do Estado ao jus puniendi relativamente ao delito tentado. A lei, por considerações de política criminal, pode construir uma “ponte de ouro” para a retirada do agente que se tornara passível de pena. Observe-se, entretanto, que o fato não deixa de ser um crime tentado: somente desaparece a possibilidade de aplicação da pena, a título de conatus.
(ii) Elementos –
a. Início de execução
b. Não-consumação
c. Interferência da vontade do próprio agente
(iii) Espécies –
a. Desistência voluntária – é a interrupção voluntária da execução do crime pelo agente, que impede, desse modo, a sua consumação. Nela dá-se o início da execução, porém o agente muda de idéia e, por sua própria vontade, interrompe a seqüência de atos executórios, fazendo com que o resultado não aconteça (ex.: agente quer matar a vítima, efetua dois disparos contra ela e acerta-lhe a perna; podendo prosseguir atirando e consumar o crime, desiste por vontade própria e vai embora). Corresponde à tentativa imperfeita, mas aqui a tentativa é interrompida pela vontade do agente, que muda de idéia. A mudança de atitude por parte do agente não precisa ser espontânea, basta que seja voluntária, ou seja, não é necessário que ele tenha a iniciativa (ex.: pode deixar de prosseguir na tentativa por conselho de terceiros), mas a decisão de não prosseguir na execução deve decorrer da vontade do agente (e não, por exemplo, em razão da aproximação da polícia), que no caso concreto poderia, se quisesse, continuar na execução do delito. OBS: Crimes unissubsistentes – não admitem desistência voluntária, uma vez que, praticado o primeiro ato, já se encerra a execução, tornando impossível a sua cisão.
b. Arrependimento eficaz – o agente, após encerrar a execução do crime, impede a produção do resultado. Nesse caso, a execução vai até o final, não sendo interrompida pelo autor. No entanto, este, após esgotar a atividade executória, arrepende-se e impede o resultado (ex: o agente descarrega a sua arma de fogo na vítima, ferindo-a gravemente, mas, arrependendo-se do desejo de matá-la, presta-lhe imediato e exitoso socorro, impedindo o evento letal). O arrependimento não precisa ser espontâneo, basta que seja voluntário. OBS: Arrependimento ineficaz – é irrelevante penalmente, não traz qualquer conseqüência jurídica, respondendo o agente pelo delito consumado. 2) Crimes de mera conduta e crimes formais – não comportam arrependimento eficaz, uma vez que encerrada a execução, o crime já está consumado, não havendo resultado naturalístico a ser evitado. Só é possível, portanto, nos crimes materiais, nos quais o resultado naturalístico é imprescindível para a consumação.
OBS: Desistência voluntária x arrependimento eficaz – na desistência voluntária, o agente interrompe a execução; no arrependimento eficaz, ela é realizada inteiramente, e, posteriormente, o resultado é impedido. A desistência voluntária equivale à tentativa imperfeita, pois a execução não chega ao final, ao passo que o arrependimento eficaz é o sucedâneo da tentativa perfeita ou crime falho, pois encerra-se a atividade executória. Em ambos os casos, a semelhança é a de que o resultado não se produz em razão da vontade do próprio agente.
(iv) Conseqüência – em nenhuma das formas de tentativa abandonada atuam circunstâncias alheias à vontade do agente, ao contrário, é a sua própria vontade que evita a consumação. Assim, afasta-se a tentativa e o agente só responde pelos atos até então praticados.
OBS: 1) Tentativa abandonada x crimes culposos – a tentativa abandonada é incompatível com os crimes culposos, pois, como se trata de uma tentativa que foi abandonada, pressupõe um resultado que o agente pretendia produzir (dolo), mas, posteriormente, desistiu ou se arrependeu, evitando-o.
2) Ponte de ouro – a tentativa abandonada é assim chamada porque provoca uma readequação típica mais benéfica para o autor. Para outra corrente, essa expressão foi atribuída não em face da atipicidade da conduta, mas devido à exclusão da punibilidade ditada por motivos de política criminal.
3) Desnecessidade de espontaneidade e necessidade de voluntariedade – a desistência e o arrependimento não precisam ser espontâneos, bastando que sejam voluntários. Por conseguinte, se o agente desiste ou se arrepende pr sugestão ou conselho de terceiro, subsistem a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Do mesmo modo, não se faz necessário que o agente proceda por motivos nobres ou de índole ética, ou por motivos subalternos, egoísticos; é suficiente que não tenha sido obstado por causas exteriores, independentes da sua vontade. É indiferente a razão interna do arrependimento ou da mudança de propósito.
4) Ato voluntário x ato involuntário – voluntário é tudo aquilo que fazemos por nossa vontade, sem que ninguém nos obrigue. Se, por exemplo, o sujeito, mesmo tendo todas as condições de consumar o crime, fica com medo de, futuramente, ser descoberto e preso, desistindo de prosseguir na execução, estará caracterizada a desistência voluntária, já que, sendo livre para decidir, optou pela interrupção do crime. Em contrapartida, se durante a prática delituosa o ladrão ouve o rumor de uma porta que se abre e põe-se em retirada, temendo alguém que se aproxime e venha a surpreendê-lo, não há desistência voluntária. Neste último caso, o larápio gostaria de ter prosseguido, mas teve medo de ser preso e fugiu, interrompendo a execução por circunstâncias alheias à sua vontade. Na primeira hipótese, ao contrário, não havia qualquer perigo para que o crime fosse levado até as suas últimas conseqüências, mas ele, voluntariamente, sopesando os prós e contras, decidiu parar, evitando problemas futuros. Assim, a desistência é voluntária quando o agente pode dizer: ”não quero prosseguir, embora pudesse faze-lo”, e é involuntária quando tem de dizer: “não posso prosseguir, ainda que o quisesse”.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR – é causa de diminuição de pena que ocorre nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, em que o agente, voluntariamente, repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa.
(i) Objetivo – estimular a reparação do dano nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.
(ii) Natureza jurídica – é causa obrigatória de redução de pena.
(iii) Requisitos –
a. Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa – para a aplicação do benefício, é necessário que o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. OBS: 1) Crimes culposos – a lei só se refere à violência dolosa, podendo a diminuição ser aplicada aos crimes culposos em que há violência, tais como homicídio e lesão corporal culposos. 2) Violência contra coisa – se a violência é empregada contra coisa e não contra pessoa, como, por exemplo, no crime de dano, é possível a aplicação do benefício.
b. Reparação do dano ou restituição da coisa – a reparação do dano ou restituição da coisa deve ser sempre integral, a menos que a vítima ou seus herdeiros aceitem parte, renunciando ao restante.
c. Voluntariedade do agente – a reparação do dano ou restituição da coisa deve decorrer de ato voluntário do agente. É necessário voluntariedade, mas não espontaneidade, pois a reparação do dano ou restituição da coisa pode decorrer, por exemplo, até mesmo de recomendação do advogado do sujeito ativo do delito. OBS: Reparação do dano ou restituição da coisa por terceiros – é admissível o benefício no caso de ressarcimento feito por parente ou terceiro, desde que autorizado pelo agente, por tratar-se de causa objetiva de redução obrigatória da pena, a qual não exige que o ato indenizatório seja pessoalmente realizado pelo sujeito (STJ).
d. Até o recebimento da denúncia ou queixa – a reparação do dano ou restituição da coisa deve ser feita até o recebimento da denúncia ou queixa. Se posterior, é circunstância atenuante genérica (art. 65, III, b, CP).
(iv) Aplicação – a norma do arrependimento posterior aplica-se aos crimes dolosos e culposos, tentados e consumados, simples, privilegiados ou qualificados.
(v) Conseqüência – o juiz deve reduzir a pena de 1/3 a 2/3. Como a reparação do dano ou a restituição da coisa devem ser sempre integrais, o fator que orienta a maior ou menor redução da pena é a maior ou menor sinceridade ou espontaneidade, e o da maior presteza e celeridade. Quanto mais espontânea e rápida a reparação, maior será a redução da pena.
(vi) Exceções –
a. Crime de Peculato – art. 312 CP – se o peculato é culposo, a reparação do dano antes da sentença transitada em julgado extingue a punibilidade; se a reparação for posterior, reduz a pena pela metade; se doloso, a reparação antes do recebimento da denúncia ou queixa diminui a pena de 1/3 a 2/3 e, se posterior, é causa atenuante genérica. Trata-se de questão capciosa, pois ao examinarmos o art. 312 e observarmos seu §3º, poderemos concluir, equivocadamente, que a reparação do dano só traz conseqüências no peculato culposo, o que não é verdade.
b. Emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos – no caso da emissão de cheque sem fundos, a reparação do dano até o recebimento da denúncia ou queixa extingue a punibilidade do agente, nos termos da Súmula 554 STF, porque o delito de estelionato exige como pressuposto necessário à sua consumação o efetivo prejuízo da vítima. Desaparecendo este, não se tipifica o delito do art. 171, §2º, VI, CP, inexistindo assim justa causa para propositura de ação penal e instauração de inquérito policial, sob pena de configurar-se constrangimento ilegal. Difere, portanto, do arrependimento posterior, pois este instituto exige, para ser aplicado, que o fato praticado tenha enquadramento típico, sendo certo que a maior ou menor presteza do agente em ressarcir o dano ou em restituir a coisa deve refletir-se na aplicação de uma pena reduzida. Se o cheque, entretanto, foi preenchido fraudulentamente, o crime será o de estelionato, e a reparação do dano só trará as conseqüências do art. 16 desde que preenchidos todos os seus requisitos.
c. Crime contra a ordem tributária – o pagamento ou parcelamento (este último conforme STJ) do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, até o recebimento da denúncia também extingue a punibilidade (art. 34 da Lei 9249/95), não havendo que se falar em arrependimento posterior.
d. Crimes de menor potencial ofensivo (Lei 9099/95) sujeitos a ação penal privada ou pública condicionada à representação – nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação do ofendido de competência dos Juizados Especiais Criminais, a reparação do dano na audiência preliminar acarreta extinção da punibilidade, por meio da renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, § único, Lei 9099/95).
OBS: 1) Arrependimento posterior x arrependimento eficaz – são três as principais diferenças: a) o arrependimento eficaz aplica-se também aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça (ex.: agente descarrega a arma na vítima e depois a socorre evitando a sua morte); o arrependimento posterior só incide sobre crimes cometidos sem violência ou grave ameaça; b) o arrependimento eficaz faz com que o agente não responda pelo resultado visado, mas somente pelos atos até então praticados; o arrependimento posterior é uma simples causa de diminuição de pena, prevista na Parte Geral do CP, que permite a redução da pena de 1/3 a 2/3; c) o arrependimento eficaz é anterior à consumação, enquanto o posterior, o nome já diz, pressupõe a produção do resultado.
2) Arrependimento posterior x delação eficaz ou premiada – a delação eficaz é instituto distinto do arrependimento posterior, no qual se estimula a delação feita por um co-autor ou partícipe em relação aos demais, mediante o benefício da redução obrigatória de pena (geralmente de 1/3 a 2/3). Há, em nosso ordenamento, quatro previsões de delação eficaz: a) Lei dos Crimes Hediondos (art. 7º da Lei 8072/90); b) Lei do Crime Organizado (art. 6º da Lei 9034/95); c) Lei de Proteção a Testemunhas (Lei 9807/99); d) Lei Anti-Tóxicos (art. 32, §§ 2º e 3º da Lei 10409/02).

CRIME IMPOSSÍVEL, QUASE-CRIME, TENTATIVA INIDÔNEA OU TENTATIVA INADEQUADA – é aquele que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material, é impossível de se consumar. Logo, o crime será impossível quando a sua consumação, desde o início, for impossível.
(i) Natureza jurídica – é uma causa de exclusão da tipicidade. Não se trata de causa de isenção de pena, como parece sugerir a redação do art. 17 CP, mas de causa geradora de atipicidade, pois não se concebe queira o tipo incriminador descrever como crime uma ação impossível de se realizar. Enquanto no crime tentado a consumação deixa de ocorrer pela interferência de causa alheia à vontade do agente, no crime impossível a consumação jamais ocorrerá, e, assim sendo, a ação não se configura como tentativa de crime, que se pretendia cometer, por ausência de tipicidade. Dessa forma, equivoca-se o legislador ao editar: “não é punível a tentativa” como se tratasse de causa de impunidade de um crime tentado configurado.
(ii) Hipóteses de crime impossível –
a. Ineficácia absoluta do meio – o meio empregado ou o instrumento utilizado para a execução do crime jamais o levarão à consumação (ex.: um palito de dente para matar um adulto; uma arma de fogo inapta a efetuar disparos; uma falsificação grosseira facilmente perceptível, inapta a enganar qualquer pessoa; etc.). OBS: Ineficácia relativa – a ineficácia do meio, quando relativa, leva à tentativa e não ao crime impossível (ex.: um palito de dente é meio relativamente eficaz para matar um recém-nascido, perfurando-lhe a moleira).
b. Impropriedade absoluta do objeto material (é a hipótese do DELITO PUTATIVO POR ERRO DE TIPO) – a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta é absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo (ex.: matar um cadáver, ingerir substância abortiva imaginando-se grávida, furtar alguém que não tem um único centavo no bolso, etc.). Neste caso, o sujeito acha que está praticando um crime, mas na verdade realiza um irrelevante penal (delito putativo por erro de tipo) OBS: 1) Impropriedade relativa – a impropriedade não pode ser relativa, pois nesse caso haverá tentativa (ex.: punguista enfia a mão no bolso errado – houve circunstância meramente acidental que não torna impossível o crime, respondendo o agente por tentativa. Por outro lado, se a vítima não tivesse nada em nenhum de seus bolsos, a impropriedade seria absoluta, inviabilizando totalmente a consumação do delito e tornado-o impossível). 2) Delito putativo por erro de tipo x erro de tipo – no erro de tipo, o agente não sabe que está cometendo um crime, mas acaba por praticá-lo. Já no delito putativo por erro de tipo, o sujeito quer praticar um crime, mas, em face do erro, desconhece que está cometendo um irrelevante penal. Assim, delito putativo é o delito erroneamente suposto, imaginário, que só existe na mente do agente. Assim, o sujeito que quer praticar tráfico ilícito de entorpecentes, mas por engano acaba vendendo talco em vez de cocaína, pratica um delito putativo por erro de tipo. Note bem que ele quer vender a droga, mas não sabe que está alienando substância sem qualquer princípio ativo, cuja venda constitui irrelevante pena em face do art. 12 da Lei de Tóxicos. Trata-se de criminoso incompetente que não consegue sequer praticar o crime. Já na hipótese do erro de tipo, o agente não tem a menor intenção de cometer qualquer ilícito penal. Assim, é o caso do sujeito que vai a uma farmácia comprar talco, mas o balconista, por engano, entrega-lhe um pacote de cocaína. Ele não quer cometer nenhum delito, ao contrário do primeiro caso, e, sendo tal erro essencial, a exclusão do dolo opera a atipicidade do fato (já que não existe a forma culposa no art. 12 da Lei de Tóxicos). 3) Crime de roubo – no delito de roubo, caso o bem não tenha valor econômico ou a vítima não esteja trazendo consigo qualquer quantia, haverá crime impossível ante a impropriedade absoluta do objeto material. No entanto, subsidiariamente, o agente responderá pelo delito de constrangimento ilegal, funcionando o tipo do art. 146 CP como soldado de reserva.
(iii) Critério para aferição da idoneidade – a aferição de idoneidade deve ser feita no momento em que se realiza a ação ou omissão delituosa:
a. Se concretamente os meios ou o objeto eram inidôneos para a consecução do resultado antes de se iniciar a ação executória, o crime é impossível.
b. Se os meios ou o objeto tornam-se inidôneos concomitantemente ou após o início da execução, tipifica-se uma tentativa do crime que se pretendia cometer, porque, no momento em que o agente praticou o crime, este tinha a possibilidade de consumar-se (ex.: Caio envenena a vítima, que já tinha sido envenenada antes por outra pessoa. Vindo ela, posteriormente, a falecer em decorrência do veneno anterior, não se poderá falar em crime impossível no tocante a Caio, que, assim, responderá por tentativa, porque a vítima ainda estava viva quando ele a envenenou, sendo esse objeto material idôneo para sofrer a agressão homicida. O resultado só não ocorreu em decorrência de conduta anterior, que produziu sozinha o evento morte).
(iv) Teorias relativas à punibilidade ou não do crime impossível –
a. Teoria Sintomática – se o agente demonstrou periculosidade, deve ser punido.
b. Teoria Subjetiva – o agente deve ser punido porque revelou vontade de delinqüir.
c. Teoria Objetiva – o agente não é punido porque objetivamente não houve perigo para a coletividade. Esta teoria subdivide-se em:
i. Teoria Objetiva Pura – é sempre crime impossível, sejam a ineficácia e a impropriedade absolutas ou relativas.
ii. Teoria Objetiva Temperada – só é crime impossível se a ineficácia e a impropriedade forem absolutas; se forem relativas, há tentativa.
Teoria adotada pelo nosso CP – Teoria Objetiva Temperada. Na sistemática atual do CP, o que importa é a conduta, objetivamente, não ter representado nenhum risco à coletividade, pouco importando a postura subjetiva do agente. Um sujeito que, fazendo uso de uma arma absolutamente inapta a efetuar disparos, a emprega com finalidade homicida, teve uma postura psicológica censurável (teoria subjetiva) e revelou ser perigoso para o convívio social (teoria sintomática), mas, como o fato não representou nenhum risco objetivo de lesão à coletividade, ante a impossibilidade “ab initio” de se consumar (é impossível matar alguém com uma arma que não atira), a lei considera-o atípico. O que importa, portanto, é o risco objetivo de lesão ínsito na conduta, e não a intenção que tinha o agente, ou o perigo que ficou evidenciado em seu comportamento. Por outro lado, somente a ineficácia e a impropriedade absolutas levam à atipicidade. Assim, se um ladrão enfia a mão no bolso de alguém que não tem absolutamente nada consigo, o furto não se consumará, pois desde o início era totalmente impossível atingir o resultado pretendido. No entanto, se a vítima estava com o dinheiro no bolso da frente, surge uma impossibilidade meramente ocasional, relativa, devendo o autor responder por tentativa. Daí por que foi adotada a teoria objetiva temperada.
(v) Questões processuais –
a. Sentença absolutória – o reconhecimento do crime impossível equivale a admitir que o fato não constitui crime algum, portanto, deverá a sentença absolutória fundar-se no art. 386, III, CPP (“não constituir o fato infração penal”), adequando-se melhor a esse dispositivo do que ao disposto no inciso VI daquele artigo (“não existir prova suficiente para a condenação”).
b. Habeas corpus – não é o meio idôneo para objetivar-se o trancamento da ação penal que tenha por objeto a prática de crime impossível, pois este implica a análise de matéria fática que refoge ao âmbito do habeas corpus (ressalvadas, no entanto, as hipóteses absurdas, como a de alguém ser denunciado por homicídio, em razão de ter atirado em um esqueleto, caso em que será possível o trancamento da ação pelo remédio constitucional mencionado).
OBS: Delito putativo por obra do agente provocador (também chamado de crime de flagrante preparado, delito de ensaio ou de experiência) – a polícia ou o terceiro (agente provocador) prepara uma situação, na qual induz o agente a cometer o delito (ex.: investigadora grávida pede para médico fazer o aborto ilegal e depois o prende em flagrante). Nessa situação, o agente é protagonista de uma farsa que, desde o início, não tem a menor chance de dar certo. Por essa razão, a jurisprudência considera a encenação do flagrante preparado uma terceira espécie de crime impossível, entendendo não haver delito ante a atipicidade do fato (Súmula 145 STF). O crime é impossível pela ineficácia absoluta do meio empregado, provocada pelo conjunto das circunstâncias exteriores adrede preparadas, que tornam totalmente impossível ao sujeito atingir o momento consumativo. O elemento subjetivo do crime existe, mas, sob o aspecto objetivo, não há, em momento algum, qualquer risco de violação do bem jurídico. O desprevenido sujeito opera dentro de uma pura ilusão, pois, desde o início, a vigilância dos agentes policiais torna impraticável a real consumação do crime. Há, entretanto, algumas hipóteses específicas que merecem ser analisadas: A) CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES – algumas ações previstas no art. 12 da Lei Antitóxicos (Lei 6368/76) constituem infrações permanentes, em que o atuar delituoso se protrai no tempo (ex.: ter em depósito, trazer consigo, exposição à venda, etc.). Estes atos, por si sós, já realizariam o tipo, independentemente da posterior venda. Logo, o flagrante preparado com o objetivo de prender o traficante por ocasião da venda da droga não configura crime impossível, pois neste caso o criminoso é detido não pela venda (que de fato foi provocada e configura crime impossível), mas pelas outras condutas do art. 12 da Lei 6368/76, que já estavam sendo praticadas pelo agente antes da interferência da polícia na simulação da compra (ex.: o agente tinha a mercadoria em depósito, ou trazia consigo, etc.). B) CRIME DE CONCUSSÃO – no tocante ao delito de concussão, não se configura o flagrante preparado quando o crime já se consumara anteriormente pela mera exigência da vantagem indevida. É que estamos diante de um crime formal, cuja consumação se opera pela simples exigência da vantagem indevida pelo funcionário público, e a efetiva prestação daquela pela vítima configura mero exaurimento. Desse modo, o flagrante do pagamento (momento em que o crime se exaure) realizado pelos policiais, cuja intervenção se deu por aviso da vítima, não induz à aplicação da Súmula 145 STF, visto que o crime já se consumara com a mera exigência da vantagem (neste caso, trata-se de flagrante esperado, não de flagrante preparado – vide comentários abaixo).
2) Flagrante preparado x flagrante esperado – no flagrante preparado, a polícia ou o terceiro (agente provocador) prepara uma situação, na qual induz o agente a cometer o delito (ex.: investigadora grávida pede para médico fazer o aborto ilegal e depois o prende em flagrante). Nessa situação, o agente é protagonista de uma farsa que, desde o início, não tem a menor chance de dar certo, razão pela qual configura crime impossível. No flagrante esperado, a posição da polícia limita-se à mera expectativa, mas a prisão deve ser efetuada no primeiro momento, sem possibilidade de retardamento. Nessa modalidade de flagrante, não há interferência na vontade do autor, por essa razão não existe a figura do agente provocador, sendo o fato típico e ilícito e a prisão perfeitamente válido.


ILICITUDE OU ANTIJURIDICIDADE

CONCEITO – é a contrariedade da conduta ao ordenamento jurídico, ou seja, é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. Em primeiro lugar, o intérprete verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se desde logo qualquer indagação, pois pouco importa saber se é ilícito ou não, pois pelo princípio da reserva legal, não estando descrito em lei como crime, cuida-se de irrelevante penal. Entretanto, se nessa etapa inicial constata-se o enquadramento típico, aí sim passa-se à segunda fase de apreciação, perscrutando-se acerca da ilicitude. Se, além de típico, for ilícito, haverá crime.
OBS: Antijuridicidade x ilicitude – a doutrina costuma se utilizar do termo antijuridicidade como sinônimo de ilicitude. Entretanto, segundo o Prof. Capez, seu emprego é impróprio, pois não traduz com precisão o vocábulo alemão “rechtwidrigkeit” (contrariedade ao direito). Além disso, a Parte Geral do CP adotou o termo “ilicitude” (ex.: arts. 21 e 23 CP).

O CARÁTER INDICIÁRIO DA ILICITUDE – o fato típico sempre contém um indício de ilicitude, pois a princípio tudo leva a crer que ele seja ilícito, dado a reprovabilidade da conduta. Isto significa que a tipicidade é um indício da ilicitude, ou seja, constatada a tipicidade de uma conduta, passa a incidir sobre ela uma presunção de que seja ilícita, afinal de contas no tipo penal somente estão descritas condutas indesejáveis. Logo, todo o fato típico, em regra, também é antijurídico, salvo se excepcionalmente estiver presente uma causa de exclusão da ilicitude.
OBS: Análise por exclusão – partindo do pressuposto de que todo fato típico, em princípio, também é ilícito, a ilicitude passará a ser analisada a contrariu sensu, ou seja, se não estiver presente nenhuma causa de exclusão da ilicitude, o fato será considerado ilícito, passando a constituir crime. Por essa razão, a ilicitude de um fato típico é constatada pela mera confirmação de um prognóstico decorrente da tipicidade, o qual somente é quebrado pela verificação da existência de excludentes da ilicitude. Não é preciso, por conseguinte, demonstrar que um fato típico é também ilícito. Essa será uma decorrência natural da tipicidade. À vista do exposto, o exame de ilicitude nada mais é do que o estudo das suas causas de exclusão, pois, se estas não estiverem presentes, presumir-se-á a ilicitude.

ESPÉCIES –
(i) Ilicitude formal e material:
a. Ilicitude formal (ilícito) – é a contrariedade do fato ao ordenamento legal, sem qualquer preocupação quanto a efetiva perniciosidade social da conduta. O fato é considerado ilícito porque não estão presentes as causas de justificação, pouco importando se a coletividade reputa-o reprovável.
b. Ilicitude material (injusto) – é a contrariedade do fato em relação ao sentimento comum de justiça. É o comportamento que afronta o que o homem médio tem por justo, correto. Há uma lesividade social ínsita na conduta, a qual não se limita a afrontar o texto legal, provocando um efetivo dano à coletividade
OBS: Ilícito x injusto – o ilícito, correspondente à ilicitude formal, consiste na contrariedade entre o fato e a lei. A ilicitude não comporta escalonamentos, de modo que a lesão corporal culposa é tão ilícita quanto o latrocínio, pois ambas as infrações confrontam-se com a norma jurídica. O ilícito, portanto, não tem grau: ou contraria a lei ou não a contraria. Já o injusto, que equivale à ilicitude material, é a contrariedade do fato em relação ao sentimento social de justiça, ou seja, aquilo que o homem médio tem por certo, justo. Um fato pode ser ilícito, na medida em que se contrapõe ao ordenamento legal, mas considerado justo por grande parte das pessoas (ex.: sedução, pequenos apostadores do jogo do bicho, etc.). O injusto, ao contrário do ilícito, tem diferentes graus, dependendo da intensidade da repulsa provocada pela conduta (ex.: o estupro, embora tão ilegal quanto o porte de arma, agride muito mais o sentimento de justiça da coletividade).
(ii) Ilicitude subjetiva e objetiva:
a. Ilicitude subjetiva – o fato só é ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter criminoso, não bastando que objetivamente a conduta esteja descoberta por causa de justificação. Para essa teoria, o inimputável não comete fato ilícito.
b. Ilicitude objetiva – independe da capacidade de avaliação do agente. Basta que, no plano concreto, o fato típico não esteja amparado por causa de exclusão.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE – como já se viu, todo fato típico, em princípio, é ilícito, a não ser que ocorra alguma causa que lhe retire a ilicitude. As causas que excluem a tipicidade podem ser legais, quando previstas em lei, ou supralegais, quando aplicadas analogicamente, ante a falta de previsão legal.
(i) Causas legais – são quatro:
a. Estado de necessidade
b. Legítima defesa
c. Estrito cumprimento do dever legal
d. Exercício regular de direito
(ii) Causas supralegais – a relação das causas excludentes da ilicitude não constitui rol taxativo. Esse rol, na realidade, é meramente exemplificativo, pois as fontes justificadoras podem ter sua origem em qualquer outro ramo do ordenamento jurídico ou até mesmo no costume. A lei apenas apresenta alguns casos-padrão em que a conduta é permitida, mas, em momento algum, pretende limitar o infinito universo de situações de tolerância ao fato típico. Observe-se que não há colisão com o Princípio da Reserva Legal, uma vez que aqui se cuida de norma não incriminadora, isto é, de redução do poder punitivo estatal, constituindo garantia ao direito de liberdade do cidadão.
OBS: Questão processual – constatando-se a presença de alguma das causas de exclusão da ilicitude, faltará uma condição da ação penal, pois, se o fato, que deve ser narrado com todas as suas circunstâncias (art. 41 CPP), não constitui crime, autorizados estarão o MP a pedir o arquivamento ou o juiz a rejeitar a denúncia ou queixa (art. 43, I, CPP). Contudo, essa hipótese somente ocorrerá se a existência da causa justificadora for inquestionável, ou seja, estiver cabalmente demonstrada, já que na fase do oferecimento da denúncia vigora o princípio in dubio pro societate.

ESTADO DE NECESSIDADE – é causa de exclusão da ilicitude consubstanciada na conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de necessidade, existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de perigo, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo sendo comum, qual deve ser salvo (ex.: motorista que, para preservar a vida humana, desvia de pedestre e colide com outro veículo estacionado – entre sacrificar uma vida e um bem material, o agente fez a opção claramente mais razoável, não praticando crime de dano, pois o fato, apesar de típico, não é ilícito). Assim, o estado de necessidade estriba-se em dois pilares: perigo e conduta lesiva.
(i) Teorias –
a. Unitária – o estado de necessidade é sempre causa de exclusão da ilicitude. Dessa forma, ou a situação reveste-se de razoabilidade, ou não há estado de necessidade. Não existe comparação de valores, pois ninguém é obrigado a ficar calculando o valor de cada interesse em conflito, bastando que atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável. Assim, ou o sacrifício é aceitável e o estado de necessidade atua como causa justificadora, ou não é razoável e o fato passa a ser ilícito. É a teoria adotada pelo nosso CP. Anote-se que o estado de necessidade jamais atuará como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Tal interpretação aflora do texto legal, pois o art. 24, §2º, CP dispõe que, quando o sacrifício não for razoável, o agente deverá responder pelo crime, tendo apenas o direito a uma redução de pena de 1/3 a 2/3. Ora, se a falta de razoabilidade leva tão-somente à diminuição da pena, isso significa que ficou caracterizado o fato típico e ilícito, e além disso, o agente foi considerado responsável por ele (somente se aplica a pena, diminuída ou não, a quem foi condenado pela prática de infração penal).
b. Diferenciadora – de acordo com essa teoria, deve ser feita uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em conflito, de maneira que o estado de necessidade será considerado causa de exclusão da ilicitude somente quando o bem sacrificado for de menor valor. Funda-se, portanto, em um critério objetivo: a diferença de valor entre os interesses em conflito. Quando o bem destruído for de valor igual ou maior que o preservado, o estado de necessidade continuará existindo, mas como circunstância de exclusão da culpabilidade, como modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa (é o que a teoria chama de estado de necessidade exculpante). Somente será causa de exclusão da ilicitude, portanto, quando o bem salvo for de maior valor. A Teoria Diferenciadora foi adotada pelo Código Penal Militar (arts. 39 e 43), mas desprezada pelo nosso CP.
(ii) Natureza jurídica – é sempre causa de exclusão da ilicitude, pois o nosso CP adotou a Teoria Unitária.
(iii) Requisitos –
a. Quanto ao perigo:
i. Atual – o perigo deve ser atual. Atual é a ameaça que se está verificando no exato momento em que o agente sacrifica o bem jurídico. Interessante notar que a lei não fala em situação de perigo iminente, ou seja, aquela que está prestes a se apresentar. Tal omissão deve-se ao fato de a situação de perigo já configurar, em si mesma, uma iminência – a iminência de dano. O perigo atual é, por assim dizer, um dano iminente. Por essa razão, falar em perigo iminente equivaleria a invocar algo ainda muito distante e improvável, assim como a iminência de um dano que está por vir. Nessa hipótese, a lei autorizaria o agente a destruir um bem jurídico apenas porque há uma ameaça de perigo, ou melhor, uma ameaça de ameaça. Em razão disso, entende-se que somente a situação de perigo atual autoriza o sacrifício do interesse em conflito.
ii. Ameaçar direito próprio ou alheio – o perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio. Direito, aqui, é empregado no sentido de qualquer bem tutelado pelo ordenamento legal (ex.: vida, liberdade, patrimônio, etc.). É imprescindível que o bem a ser salvo esteja sob a tutela do ordenamento jurídico, do contrário não haverá “direito” a ser protegido (ex.: condenado à morte não pode alegar estado de necessidade contra o carrasco, no momento da execução). Importante frisar, ainda, que para defender direito de terceiro, o agente não precisa solicitar sua prévia autorização, agindo, portanto, como um gestor de negócios.
iii. Não causado voluntariamente pelo agente – entende-se que para a configuração do estado de necessidade, o perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente. Quanto ao significado da expressão “perigo causado pelo agente”, há divergência da doutrina: 1ª Posição – Damásio – entende que somente o perigo causado dolosamente impede que seu autor alegue o estado de necessidade. Entende que o legislador, quis referir-se apenas ao agente que cria dolosamente a situação de perigo, excluindo, portanto, o perigo culposo. Com efeito, quando a lei emprega a expressão “perigo atual que não provocou por sua vontade”, está nitidamente querendo aludir à vontade de produzir o perigo, que nada mais é do que dolo. 2ª Posição – José Frederico Marques e Nélson Hungria – entendem que tanto o perigo doloso como o culposo obstam a alegação de estado de necessidade, uma vez que a conduta culposa também é voluntária na sua origem (ex.: motorista que conduz seu veículo em velocidade excessiva não pode alegar estado de necessidade ao desviá-lo para evitar acidente, causando um dano a outrem).
iv. Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo – sempre que a lei impuser ao agente o dever de enfrentar o perigo, deve ele tentar salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que para isso tenha que correr riscos inerentes à sua função. Poderá, no entanto, recusar-se a uma situação perigosa quando impossível o salvamento ou o risco for inútil. OBS: Dever de garantidor e dever por ingerência da norma – o CP, em seu art. 24, §1º, limitou-se a falar em dever legal, que ocorre quando houver determinação específica prevista em lei e que é apenas uma das espécies de dever jurídico. Assim, não está obrigado a enfrentar o perigo aquele que tem o dever de garantidor (ex.: tem o dever por força de contrato) ou quem tem o dever por ingerência da norma (quando o agente, com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado).
b. Quanto a conduta lesiva:
i. Inevitabilidade do comportamento – somente se admite o sacrifício do bem quando não existir qualquer outro meio de se efetuar o salvamento. O chamado commodus discessus, que é a saída mais cômoda, no caso, a destruição, deve ser evitado sempre que possível salvar o bem de outra forma. Assim, antes da destruição, é preciso verificar se o perigo pode ser afastado por qualquer outro meio menos lesivo (ex.: o homicídio não é amparado pelo estado de necessidade quando possível a lesão corporal. Configura-se, nesse caso, o excesso doloso, culposo, ou escusável, dependendo das circunstâncias). OBS: A inevitabilidade e o dever legal – para aqueles a quem se impõe o dever legal de enfrentar o perigo, a inevitabilidade tem um significado mais abrangente, isto é, para ele, a inevitabilidade é mais rigorosa, pois têm o dever de enfrentar o perigo. O sacrifício somente será inevitável quando, mesmo correndo risco pessoal, for impossível a preservação do bem. Em contrapartida, para quem não tem a obrigação de se arriscar, inevitabilidade significa que, se houver algum perigo para o agente, poderá sacrificar o bem alegando estado de necessidade.
ii. Razoabilidade do sacrifício – tendo em vista a adoção da Teoria Unitária pelo CP, a lei não falou, em momento algum, em bem de valor maior, igual ou menor, mas apenas em razoabilidade do sacrifício. Ninguém é obrigado a andar com uma tabela de valores no bolso, bastando que aja de acordo com o senso comum daquilo que é certo, correto, razoável (ex.: para uma pessoa de mediano senso, a vida vale mais do que qualquer bem material). OBS: Falta de razoabilidade - causa de diminuição de pena – art. 24, §2º, CP – se a destruição do bem jurídico não era razoável, falta um dos requisitos do estado de necessidade, razão pela qual a ilicitude não é excluída. Embora afastada a excludente, em face da desproporção entre o que foi salvo e o que foi sacrificado, a lei, contudo, permite que a pena seja diminuída de 1/3 a 2/3. Assim, ante a falta de razoabilidade, não se excluem a ilicitude e muito menos a culpabilidade. O agente responde pelo crime, com pena diminuída. Cabe ao juiz aferir se é caso ou não de redução, não podendo, contudo, contrariar o senso comum.
iii. Conhecimento da situação justificante – se o agente afasta um bem jurídico de uma situação de perigo atual que não criou por sua vontade, destruindo outro bem, cujo sacrifício era razoável dentro das circunstâncias, em princípio atuou sob o manto protetor do estado de necessidade. No entanto, o fato será considerado ilícito se desconhecidos os pressupostos daquela excludente. Pouco adianta estarem presentes todos os requisitos do estado de necessidade se o agente não conhecia a sua existência. Se na sua mente ele cometia um crime, ou seja, se a sua vontade não era salvar alguém, mas provocar um mal, inexiste estado de necessidade, mesmo que, por uma incrível coincidência, a ação danosa acabe por salvar algum bem jurídico (ex.: sujeito mata cachorro do vizinho por ter latido a noite inteira e impedido seu sono. Por coincidência, na hora em que o agente matou o animal este estava prestes a morder o filho do vizinho (perigo atual). Como o agente quis produzir um dano e não proteger a criança, pouco importam os pressupostos fáticos da causa justificadora: o fato será ilícito e haverá crime de dano).
(iv) Formas de estado de necessidade –
a. Quanto à titularidade do interesse protegido:
i. Próprio – quando o agente defende direito próprio.
ii. De Terceiro – quando o agente defende direito de terceiro.
b. Quanto ao aspecto subjetivo do agente:
i. Real – a situação de perigo é real
ii. Putativo – o agente imagina situação de perigo que não existe.
c. Quanto ao terceiro que sofre a ofensa:
i. Defensivo – a agressão dirige-se contra o provocador dos fatos.
ii. Agressivo – o agente destrói bem de terceiro inocente.
OBS: 1) Excesso – é a desnecessária intensificação de uma conduta inicialmente justificada. Pode ser doloso ou consciente, quando o agente atua com dolo em relação ao excesso, ou culposo ou inconsciente, quando o excesso deriva de equivocada apreciação da situação de fato, motivada por erro evitável. No excesso doloso, o agente responderá dolosamente pelo resultado produzido, ao passo que no excesso culposo, o agente responderá pelo resultado a título de culpa.
2) Estado de necessidade x crimes habituais, permanentes e reiteração criminosa – não se admite o estado de necessidade nesses delitos, ante a falta de atualidade na situação de perigo, salvo em casos extremos, como o de um particular que exerce ilegalmente a medicina em uma ilha onde não há profissional habilitado, tampouco qualquer ligação com o mundo exterior.
3) Estado de necessidade x dificuldades econômicas – a maioria da jurisprudência inadmite a mera alegação de miserabilidade do agente como causa excludente da criminalidade. Assim, dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria, por si sós, não caracterizam essa descriminante. Do contrário, estariam legalizadas todas as condutas dos marginais ou mesmo de grande parte da população desempregada que, por não exercer qualquer atividade laborativa, apoderam-se do patrimônio alheio para sua subsistência. Assim, para que se reconheça o estado de necessidade, por exemplo, nos casos de furto famélico, exige-se prova convincente dos requisitos do art. 24 CP (atualidade do perigo, involuntariedade, inevitabilidade por outro modo e inexigibilidade de sacrifício do direito ameaçado). Desse modo, a prática do ato ilícito deve ser um recurso inevitável, uma ação in extremis. Se o agente tinha plenas condições de exercer trabalho honesto, não opera a excludente. Também poderá desfigurar a excludente o emprego da quantia obtida ilicitamente em supérfluos.
4) Estado de necessidade x porte de arma – da mesma forma, não pode o agente portar arma de fogo ilegalmente alegando que transita por locais perigosos, pois basta a ele justificar sua necessidade e solicitar autorização à autoridade competente.

LEGÍTIMA DEFESA – é causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa.
(i) Fundamento – o Estado não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio.
(ii) Natureza jurídica – é causa de exclusão da ilicitude.
(iii) Requisitos – são vários:
a. Agressão injusta – agressão é toda a conduta humana que ataca um bem jurídico. Só as pessoas humanas, portanto, praticam agressões (ex.: ataque de animal – no caso, se a pessoa se defende do animal, está em estado de necessidade. Entretanto, se uma pessoa atiça um animal para que ele avance contra outra, há agressão autorizadora da legítima defesa, pois o irracional está sendo utilizado como instrumento do crime). Agressão injusta é a contrária ao ordenamento jurídico. Trata-se, portanto, de agressão ilícita. Não se exige que a agressão injusta seja necessariamente um crime (ex.: a legítima defesa pode ser exercida para a proteção da posse, ou contra o furto de uso, o dano culposo, etc.). OBS: 1) Agressão de inimputáveis – a injustiça da agressão deve ser aferida de forma objetiva, independentemente da capacidade do agente. Assim, inimputável pode sofrer repulsa acobertada pela legítima defesa. 2) Provocação do agente – a provocação, segundo a sua intensidade e conforme as circunstâncias, pode ou não ser uma agressão. Assim, se consistir em injúria de certa gravidade, poderá ser considerada uma injusta agressão autorizadora de atos de legítima defesa. Se, contudo, a provocação constituir uma mera brincadeira de mau gosto, não passar de um desafio, geralmente tolerado no meio social, não se autorizará a legítima defesa. Deve-se, no entanto, estar atento para o requisito da moderação, pois não pode invocar legítima defesa aquele que mata ou agride fisicamente quem apenas lhe provocou com palavras. Quanto ao provocador, em regra, também não pode invocar legítima defesa, já que esta não ampara nem protege quem dá causa aos acontecimentos. Admitir-se-á, no entanto, a excludente contra o excesso por parte daquele que foi provocado. 3) Desafio, duelo ou convite para briga – não age em legítima defesa aquele que aceita o desafio para luta, respondendo os contendores pelos ilícitos praticados. 4) Commodus discessus – na legítima defesa, o commodus discessus opera de forma diversa do estado de necessidade, no qual, como vimos, não é admitido (o sacrifício do bem, embora seja a saída mais cômoda para o agente, deve ser realizado somente quando inevitável). No caso da legítima defesa, contudo, em que o agente sofre ou presencia uma agressão humana injustificável, a solução é diversa. Como se trata de repulsa a agressão, não deve sofrer os mesmos limites. A lei não obriga ninguém a ser covarde, de modo que o sujeito pode optar entre o comodismo da fuga ou permanecer e defender-se em consonância com os limites impostos pela lei. Em outras palavras, a lei brasileira não exige a obrigatoriedade de se evitar a agressão (commodus discessus), pois, ao contrário do estado de necessidade, cujo dispositivo legal obriga à evitabilidade da lesão ao dispor “nem podia de outro modo evitar”, a legítima defesa não traz tal requisito em seu dispositivo, de modo que o agente poderá sempre exercitar o direito de defesa quando agredido.
b. Atual ou iminente – atual é a que está ocorrendo, ou seja, o efetivo ataque já em curso no momento da reação defensiva. Iminente é o que está prestes a ocorrer. Nesse caso, a lesão ainda não começou a ser produzida, mas deve iniciar a qualquer momento. Admite-se a repulsa desde logo, pois ninguém está obrigado a esperar que seja atingido por um golpe. OBS: 1) Crime permanente – no crime permanente, a defesa é possível a qualquer momento, uma vez que a conduta se protrai no tempo, renovando-se a todo instante a sua atualidade (ex.: defende-se legitimamente a vítima de seqüestro, embora já esteja privada da liberdade há algum tempo, pois existe agressão enquanto durar esta situação. Para ser admitida, a repulsa tem que ser imediata, isto é, logo após ou durante a agressão atual. 2) Agressão futura – se a agressão é futura, inexiste legítima defesa. Não pode, portanto, argüir a excludente aquele que mata a vítima porque esta ameaçou-lhe de morte (mal futuro). 3) Agressão passada – também não há legítima defesa neste caso, mas verdadeira vingança.
c. Direito próprio ou de terceiro – a legítima defesa pode ocorrer na defesa de direito próprio (legítima defesa própria) ou na defesa de direito alheio (legítima defesa de terceiro). Assim, qualquer direito, isto é, qualquer bem próprio ou de terceiro tutelado pelo ordenamento jurídico admite legítima defesa, desde que, é claro, haja proporcionalidade entre a lesão e a repulsa. OBS: Legítima defesa de terceiro e conduta dirigida contra o próprio terceiro – na legítima defesa de terceiro, a conduta pode dirigir-se contra o próprio terceiro defendido. Nesse caso, o agredido é, ao mesmo tempo, o defendido (ex.: alguém bate no suicida para impedir que ponha fim à própria vida).
d. Repulsa com os meios necessários – meios necessários são os menos lesivos, menos vulnerantes, colocados à disposição do agente no momento em que sofre a agressão (ex. sujeito tem um pedaço de pau ao seu alcance e com ele pode tranqüilamente conter a agressão – o emprego de arma de fogo revela-se desnecessário). OBS: Meio necessário e proporcionalidade entre repulsa e agressão – há duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema: 1ª Posição – sustenta que a proporcionalidade entre repulsa e agressão é imprescindível para a existência do meio necessário. Assim, são necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Quando a diferença de porte dos contendores revelar que a força física do agredido era ineficaz para afastar a ameaça do espancamento, o emprego da arma poderá ser um meio necessário, se de outro recurso menos lesivo e também eficaz não dispuser o agredido. O STF já decidiu que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame. Assim, o emprego de arma de fogo, não para matar, mas para ferir ou amedrontar, pode ser considerado meio menos lesivo e, portanto, necessário. Considere-se o exemplo do paralítico, preso a uma cadeira de rodas, que, não dispondo de qualquer outro recurso para defender-se, fere a tiros quem lhe tenta furtar umas frutas. Pode ter usado dos meios, para ele, necessários mas não exerceu uma defesa realmente necessária, diante da enorme desproporção existente entre a ação agressiva e a reação defensiva. 2ª Posição – a necessidade do meio não guarda relação com a forma com que é empregado. Interessa apenas saber se o instrumento era o menos lesivo colocado à disposição do agente no momento da agressão. No exemplo do paralítico, entende esta corrente que a arma era o único meio possível para conter o furto, diante da impossibilidade de locomoção do granjeiro, devendo, portanto, ser considerada meio necessário. A maneira com que foi utilizada essa arma (para matar, ferir ou assustar) diz respeito à moderação e não à necessidade do meio. Assim, se a arma foi empregada para matar o ladrão, a legítima defesa estará descaracterizada, não porque o meio foi desnecessário, mas porque a conduta foi imoderada, caracterizando o excesso. 2) Desnecessidade do meio – caracteriza o excesso doloso, culposo ou exculpante (sem dolo ou culpa).
e. Uso moderado dos meios – a moderação é o emprego dos meios necessários dentro do limite razoável para conter a agressão. A jurisprudência tem entendido que a moderação não deve ser medida milimetricamente, mas analisadas as circunstâncias de cada caso (ex.: vítima com mais balas no corpo do que cabem no tambor do revolver, revela que o autor dos disparos recarregou a arma e, portanto, não há que se falar em moderação no uso do meio). OBS: Uso imoderado do meio – afastada a moderação, deve-se indagar se houve excesso e qual a natureza do excesso (doloso, culposo ou exculpante).
f. Conhecimento da situação justificante – mesmo que haja agressão injusta, atual ou iminente, a legítima defesa estará completamente descartada se o agente desconhecia essa situação. Se, na sua mente, ele queria cometer um crime e não se defender, ainda que, por coincidência, o seu ataque acabe sendo uma defesa, o fato será ilícito.
OBS: Ausência dos requisitos implica ausência da legítima defesa, exceto hipótese de desnecessidade do meio ou uso imoderado do meio, que caracterizam excesso – se ausentes, na hipótese, qualquer dos requisitos estudados da legítima defesa, não estará caracterizada a excludente de ilicitude. Entretanto, na hipótese de desnecessidade do meio ou uso imoderado do meio, o agente responderá pelo excesso culposo, doloso ou exculpante, conforme o caso.
(iv) Excesso – é a intensificação desnecessária de uma ação inicialmente justificada. Presente o excesso, os requisitos das descriminantes deixam de existir, devendo o agente responder pelas desnecessárias lesões causadas ao bem jurídico ofendido. Assim, o excesso pode ser:
a. Excesso doloso ou consciente – ocorre quando o agente, ao se defender de uma injusta agressão, emprega meio que sabe ser desnecessário ou, mesmo tendo conhecimento de sua desproporcionalidade, atua com imoderação (ex.: para defender-se de um tapa, sujeito mata a tiros o agressor; sujeito que apesar de imobilizar o agressor com um tiro, prossegue atirando até a sua morte; etc.). Em tais hipóteses, caracteriza-se o excesso doloso em virtude de o agente consciente e deliberadamente valer-se da situação vantajosa de defesa em que se encontrava para, desnecessariamente, infligir ao agressor uma lesão mais grave do que a exigida e possível, impelido por motivos alheios à legítima defesa (ódio, vingança, perversidade, etc.). Conseqüência – constatado o excesso doloso, o agente responde pelo resultado causado dolosamente (ex.: aquele que mata quando bastava tão-somente a lesão responde por homicídio doloso).
b. Excesso culposo ou inconsciente – ocorre quando o agente, diante do temor, aturdimento ou emoção provocada pela agressão injusta, acaba por deixar a posição de defesa e partir para um verdadeiro ataque, após ter dominado o seu agressor. Não houve intensificação intencional, pois o sujeito imaginava-se ainda sofrendo o ataque, tendo seu excesso decorrido de uma equivocada apreciação da realidade. Requisitos – a) o agente estar, inicialmente, em uma situação de reconhecida legítima defesa; b) dela se desviar, em momento posterior, seja na escolha dos meios de reação, seja no modo imoderado de utilizá-los por culpa estrito senso; c) estar o resultado lesivo previsto em lei (tipificado) como crime culposo. Conseqüência – o agente responderá pelo resultado produzido a título culposo.
c. Excesso exculpante – não deriva nem de dolo, nem de culpa, mas de um erro plenamente justificado pelas circunstâncias (legítima defesa subjetiva). Apesar de consagrada pela doutrina, tal expressão não é adequada, uma vez que não se trata de exclusão da culpabilidade, mas de fato típico, devido à eliminação do dolo e da culpa. O excesso na reação defensiva decorre de uma atitude emocional do agredido, cujo estado interfere na sua reação defensiva, impedindo que tenha condições de balancear adequadamente a repulsa em função do ataque, não se podendo exigir que o seu comportamento seja conforme à norma.
(v) Hipóteses especiais de cabimento da legítima defesa –
a. Legítima defesa x agressão acobertada por qualquer outra causa de exclusão da culpabilidade – não importa se o agressor não está em condições de conhecer o caráter criminoso do fato praticado, pois, com ou sem esse conhecimento, a pessoa está suportando um ataque injustificável e tem o direito de se defender.
b. Legítima defesa real x legítima defesa putativa – na legítima defesa putativa o agente pensa que está se defendendo, mas, na verdade, acaba praticando um ataque injusto. Se é certo que ele não sabe estar cometendo uma agressão injusta contra um inocente, é mais certo ainda que este não tem nada a ver com isso, podendo repelir o ataque objetivamente injustificável (ex.: alguém vê o outro enfiar a mão no bolso e pensa que ele vai sacar uma arma. Pensando que vai ser atacado, atira em legítima defesa imaginária. Quem recebe a agressão gratuita pode revidar em legítima defesa real. A legítima defesa putativa é imaginária, só existe na cabeça do agente, logo, objetivamente configura um ataque como outro qualquer).
c. Legítima defesa putativa x legítima defesa putativa – é o que ocorre quando dois neuróticos inimigos se encontram, um pensando que o outro vai matá-lo. Ambos acabam partindo para o ataque, supondo-o como justa defesa. Objetivamente, os dois fatos são ilícitos, pois não há legítima defesa real, mas a existência ou não de crime dependerá das circunstâncias concretas, uma vez que a legítima defesa putativa, quando derivada de erro de tipo, exclui o dolo e, às vezes, também a culpa, conforme já estudado.
d. Legítima defesa real x legítima defesa subjetiva – a legítima defesa subjetiva é o excesso por erro de tipo escusável. Após se defender de uma agressão inicial, o agente começa a se exceder, pensando ainda estar sob o influxo do ataque. Na sua mente, ele ainda está defendendo-se, porque a agressão ainda não cessou, mas, objetivamente, já deixou a posição de defesa e passou ao ataque, legitimando daí a repulsa por parte de seu agressor (ex.: A sofre ataque de B e começa a se defender. Após dominar completamente seu agressor, pensa que ainda há perigo e prossegue, desnecessariamente, passando à condição de ofensor. Nesse instante, começa o excesso e termina a situação de defesa, que agora só existe na imaginação de A). Evidente que é uma situação puramente teórica. Na prática, aquele que deu causa aos acontecimentos jamais poderá invocar legítima defesa, mesmo contra o excesso, cabendo-lhe dominar a outra parte, sem provocar-lhe qualquer outro dano. No caso, ou desarma a vítima sem infligir-lhe qualquer novo mal, ou responde pelo que vier a acontecer à ofendida.
e. Legítima defesa putativa x legítima defesa real – como se trata de causa putativa, nada impede tal situação. O fato será ilícito, pois objetivamente injusto, mas, dependendo do erro que levou à equivocada suposição, poderá haver exclusão de dolo e culpa (quando houver erro de tipo escusável). Essa hipótese somente é possível na legítima defesa putativa (ex.: indivíduo presencia seu amigo brigando e, para defendê-lo, agride seu oponente. Ledo engano: o amigo era o agressor, e o terceiro agredido apenas se defendia).
f. Legítima defesa real x legítima defesa culposa – não importa a postura subjetiva do agente em relação ao fato, mas tão-somente a injustiça objetiva da agressão. É o caso, por exemplo, da legítima defesa putativa por erro evitável (ex.: “A”, confundindo “B” com um desafeto seu e sem qualquer cuidado em certificar-se disso, efetua diversos disparos em sua direção. Há uma agressão injusta decorrente de culpa na apreciação da situação de fato. Contra esse ataque culposo cabe legítima defesa real).
(vi) Hipóteses de não-cabimento de legítima defesa – nos casos abaixo, não cabe legítima defesa porque a agressão não é injusta:
a. Legítima defesa real x legítima defesa real – o agressor não pode invocar legítima defesa, mesmo contra o excesso, cabendo-lhe dominar a outra parte, sem provocar-lhe qualquer outro dano.
b. Legítima defesa real x estado de necessidade real
c. Legítima defesa real x exercício regular de direito
d. Legítima defesa real x estrito cumprimento do dever legal
OBS: 1) Legítima defesa da honra – em princípio, todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra, etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.
2) Legítima defesa sucessiva – é a repulsa contra o excesso. Como já se disse, quem dá causa aos acontecimentos não pode argüir legítima defesa em seu favor, razão pela qual deve dominar quem se excede sem feri-lo.
3) Legítima defesa putativa – é a errônea suposição da existência da legítima defesa, por erro de tipo ou de proibição. Só existe na imaginação do agente, pois o fato, objetivamente, é lícito.
4) Legítima defesa subjetiva – é o excesso derivado de erro de tipo escusável, que exclui o dolo e a culpa.
5) “Aberratio ictus” na reação defensiva – é a ocorrência de erro na execução dos atos necessários de defesa (ex.: para defender-se de A, B desfere tiros em direção ao seu agressor mas, por erro, atinge C, terceiro inocente. Pode suceder, ainda, que o tiro atinja A e por erro o inocente C). Nestes casos, a legítima defesa não se desnatura, pois, a teor do art. 73 CP, o ofendido responderá pelo fato como se tivesse atingido seu agressor, ou seja, a pessoa visada e não a efetivamente atingida.
6) Legítima defesa e tentativa – é perfeitamente possível, pois, se é cabível com os crimes consumados, incompatibilidade alguma haverá com os tentados.
7) Legítima defesa x estado de necessidade – a) no estado de necessidade há um conflito entre dois bens jurídicos expostos a perigo, na legítima defesa há uma repulsa a ataque; b) no estado de necessidade o bem jurídico é exposto a perigo, na legítima defesa o direito sofre uma agressão atual ou iminente; c) no estado de necessidade o perigo pode ou não advir da conduta humana, na legítima defesa a agressão só pode ser praticada por pessoa humana; d) no estado de necessidade a conduta pode ser dirigida contra terceiro inocente, na legítima defesa somente contra o agressor.
8) Coexistência entre estado de necessidade e legítima defesa – é perfeitamente possível: “A”, para defender-se legitimamente de “B”, quebra um vidro (crime de dano praticado em estado de necessidade) para pegar uma arma e defender-se.

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL – é a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei (ex.: policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em cumprimento de ordem judicial). Assim, não há crime quando o agente pratica o fato no “estrito cumprimento do dever legal” (art. 23, III, 1ª parte, CP). Quem cumpre um dever legal dentro dos limites impostos pela lei obviamente não pode estar praticando ao mesmo tempo um ilícito penal, a não ser que aja fora daqueles limites.
(i) Cumprimento estrito – o cumprimento deve ser estritamente dentro da lei, ou seja, exige-se que o agente se contenha dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece a excludente (ex.: execução de condenado por carrasco, o qual deve abster-se de provocações de última hora ou atos de sadismo ou tortura; prisão legal efetuada por policiais, que deve ser efetuada sem caráter infamante, salvo quando inevitável; etc.). Assim, somente os atos rigorosamente necessários e que decorram de exigência legal amparam-se na causa de justificação em estudo. Os excessos cometidos pelos agentes poderão constituir crime de abuso de autoridade (arts. 3º e 4º da Lei 4898/65) ou delitos previstos no CP.
(ii) Dever legal – compreende toda e qualquer obrigação direta ou indireta derivada de lei. Pode, portanto, constar de decreto, regulamento ou qualquer ato administrativo infralegal, desde que originários de lei. O mesmo se diga em relação a decisões judiciais, que nada mais são do que determinações emanadas do Poder Judiciário em cumprimento da ordem legal. OBS: Dever legal x obediência hierárquica – no caso, porém, de resolução administrativa de caráter específico dirigida ao agente sem o conteúdo genérico que caracteriza os atos normativos, não há que se falar em estrito cumprimento do dever legal, mas em obediência hierárquica, que é objeto de estudo da culpabilidade (ex.: ordens de serviço endereçadas a subordinado).
OBS: 1) Alcance da excludente – dirige-se aos funcionários ou agentes públicos, que agem por ordem da lei. Não fica excluído, contudo, o particular que exerce função pública (ex.: jurado, perito, mesário da Justiça Eleitoral, etc.).
2) Co-autores e partícipes – reconhecendo-se a excludente em relação a um autor, o co-autor ou o partícipe do fato, em regra, também não podem ser responsabilizados. O fato não pode ser objetivamente lícito para uns e ilícito para outros. Ressalva-se, no entanto, o caso de co-autor ou partícipe que desconhece a situação justificadora, atuando com o propósito de produzir um dano. Ante a falta de conhecimento da situação justificante, responderá isoladamente pelo crime.
3) Conhecimento da situação justificante – essa excludente, como as demais, também exige o elemento subjetivo, ou seja, o sujeito deve ter conhecimento de que está praticando um fato em face de um dever imposto pela lei, do contrário, estaremos diante de um ilícito.
4) Crime culposo – não admite estrito cumprimento do dever legal. A lei não obriga à imprudência, negligência ou imperícia. Entretanto, poder-se-á falar em estado de necessidade em algumas hipóteses (ex.: motorista de ambulância que dirige velozmente e causa lesão a bem jurídico alheio para conduzir paciente em risco de vida ao hospital; bombeiro que ao tentar apagar um incêndio causa dano a bem alheio, etc.).

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – é a causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico. Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade previstos em lei. A CF reza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei (art. 5º, II). Disso resulta que se exclui a ilicitude nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento (ex.: art. 142, I, CP; art. 146, §3º, CP; etc.).
(i) Fundamento – uma ação juridicamente permitida não pode ser, ao mesmo tempo, proibida pelo direito. Ou, em outras palavras, o exercício de um direito nunca é antijurídico.
(ii) Significado da expressão “direito” – é empregada em sentido amplo, abrangendo todas as formas de direito subjetivo, penal ou extrapenal, por exemplo, o jus corrigendi do pai de família que deriva do poder familiar (art. 1634, I, CC). São também fontes de direito subjetivo os regulamentos e as provisões internas de associações autorizadas legalmente a funcionar, cujo exercício regular torna lícito o fato típico (ex.: lesões praticadas em competições esportivas). Cite-se também os castigos infligidos pelo mestre-escola derivados de regulamentos internos de estabelecimentos de ensino, as providências sanitárias de autoridades públicas que derivam do poder de polícia do Estado e que vêm reguladas em portarias, instruções, etc. Há também autores que admitem que o costume legitima certas ações e fatos típicos (ex.: trote em calouro de faculdade).
(iii) Conhecimento da situação justificante – o exercício regular de direito praticado com espírito de mera emulação faz desaparecer a excludente. É necessário o conhecimento de toda a situação fática autorizadora da excludente. É esse elemento subjetivo que diferencia, por exemplo, o ato de correção executado pelo pai das vias de fato, da injúria real ou até de lesões, quando o genitor não pensa em corrigir, mas em ofender ou causar lesão.
(iv) Questões específicas – vejamos algumas questões específicas relacionadas com o exercício regular de direito:
a. Intervenções médicas e cirúrgicas – constituem exercício regular de direito. Contudo, para que exista a mencionada descriminante, é indispensável o consentimento do paciente ou de seu representante legal. Ausente, poderá caracterizar-se o estado de necessidade em favor de terceiro. Ainda que constituam exercício regular de direito, as intervenções médicas e cirúrgicas não excluem o crime quando houver imperícia, negligência ou imprudência do agente, respondendo o agente por delito culposo. Além disso, o ato operatório não pode contrariar a moral e os bons costumes, ainda que o conceito destes seja constantemente mutável no tempo. Finalmente, convém distinguir: se é o particular que, premido pela urgência, realiza a intervenção cirúrgica, o caso é de estado de necessidade. O exercício regular do direito pressupõe sempre profissional habilitado, capaz de desempenhar a atividade a que por lei passou a ter direito.
b. Violência desportiva – caracteriza exercício regular de direito desde que preenchidos os seguintes requisitos (preenchidos esses pressupostos, somente haverá crime quando ocorrer excesso do agente, ou seja, quando intencionalmente desobedecer às regras esportivas, causando resultados lesivos):
i. A agressão se dê dentro dos limites do esporte ou de seus desdobramentos previsíveis.
ii. Haja o consentimento prévio do ofendido, que deve estar ciente dos riscos inerentes ao esporte.
iii. Regulamentação do esporte em lei.
iv. A atividade não deve ser contrária aos bons costumes, embora isso seja um conceito ainda um pouco vago, mas passível de delimitação.
c. Ofendículos – são aparatos facilmente perceptíveis destinados à defesa da propriedade e de qualquer outro bem jurídico (ex.: cacos de vidro no topo dos muros, lanças nos portões, cercas elétricas, cães bravios, etc.). Como se trata de dispositivos que podem ser visualizados sem dificuldade, passam a constituir exercício regular do direito de defesa da propriedade, já que a lei permite até mesmo o desforço físico para a preservação da posse (art. 1210, §1º, CC). Há quem os classifique como legítima defesa preordenada, uma vez que, embora preparados com antecedência, só atuam no momento da agressão. De uma forma ou de outra, em regra, os ofendículos constituem causa de exclusão da ilicitude.
d. Defesa mecânica predisposta – são aparatos ocultos com a mesma finalidade que os ofendículos. Por se tratar de dispositivos não perceptíveis, dificilmente escaparão do excesso, configurando, quase sempre, delitos dolosos ou culposos (ex.: sitiante que instala tela elétrica na piscina, de forma discreta, eletrocutando crianças que a invadem durante a semana; pai que instala dispositivo ligando a maçaneta da porta ao gatilho de uma espingarda, objetivando proteger-se contra ladrões, mas vem a matar a própria filha).
(v) Consentimento do ofendido – pode exercer diferentes funções, de acordo com a natureza do crime e suas elementares. Vejamos:
a. Irrelevante penal – há casos, como no crime de homicídio (art. 121 CP), em que, dada a indisponibilidade do bem jurídico, sua presença ou ausência é totalmente irrelevante para o Direito Penal.
b. Causa de exclusão da tipicidade – quando o consentimento ou o dissentimento forem exigências expressas do tipo para o aperfeiçoamento da infração penal, a sua presença ou falta terá repercussão direta no próprio tipo. Assumirão, nesta hipótese, a função de causa de exclusão da tipicidade (ex.: crime de furto – somente será possível falar em subtração quando a retirada da res furtiva se der contra a vontade do possuidor ou proprietário, pois se eles consentirem que a coisa seja levada pelo autor, o fato deixará de ser típico, atuando o consentimento como causa geradora de atipicidade. É também o caso do crime de rapto, o qual exige que a ação seja executada contra a vontade da mulher, de forma que, se falta esse elemento e ela consente, ainda que seja honesta, desaparece a tipicidade por absoluta impossibilidade de adequação da conduta à figura mencionada. Também são exemplos o delito de invasão de domicílio quando o titular do bem jurídico consente no ingresso ou na permanência do agente em sua casa ou em dependência desta; ou ainda, o consentimento do titular na violação de correspondência e na inviolabilidade dos segredos. Nos crimes de rapto consensual e sedução, ocorre exatamente o contrário, pois é a aquiescência da vítima, e não sua discordância, que configura elementar do tipo. Se a vítima resistir à ação, desaparecerá o delito, configurando-se outro de maior gravidade. Opera-se, assim, uma atipicidade relativa, deslocando-se a ação para um outro tipo incriminador, qual seja estupro ou atentado violento ao pudor).
c. Causa de exclusão da ilicitude – quando o consentimento ou o dissenso não forem definidos como exigência expressa do tipo, ou seja, elementar, funcionarão como verdadeira causa de justificação (ex.: crime de dano, crime de cárcere privado), desde que preenchidos alguns requisitos legais:
i. O bem jurídico seja disponível.
ii. O consenciente tenha capacidade jurídica e mental para dele dispor, estando, no momento da aquiescência, em condições de compreender o significado e as conseqüências de sua decisão.
iii. O bem jurídico lesado ou exposto a perigo de lesão situe-se na esfera de disponibilidade do aquiescente.
iv. O ofendido tenha manifestado sua aquiescência livremente, sem coação, fraude ou outro vício de vontade.
v. O fato típico penal realizado identifique-se com o que foi previsto e constitua objeto de consentimento pelo ofendido.
d. Causa de diminuição de pena – o consentimento pode ainda funcionar como causa de diminuição de pena (ex.: art. 220 CP – rapto consensual – o consentimento atua como causa especial de redução de pena, pois a anuência da menor entre 14 e 18 anos faz com que, em lugar da pena de reclusão, o raptor sofra pena principal menos rigorosa, qual seja a de detenção.
e. Causa de extinção da punibilidade – o consentimento, nos crimes de ação penal exclusivamente privada e pública condicionada à representação, acarreta a extinção da punibilidade do agente, em razão da decadência, renúncia, perdão do ofendido, perempção, etc. Nesse caso, é irrelevante o fato de o bem jurídico ser ou não disponível, pois o ofendido tem a faculdade de autorizar ou dar início à persecutio criminis.
OBS: 1) Consentimento da vítima nos delitos culposos – pode ser considerado eficaz, desde que a vítima seja cientificada da exata dimensão do perigo a que se expõe e, livremente, resolva assumi-lo (ex.: se alguém aceita convite para perigosa escalada, sabedor dos riscos de uma provável avalanche e mesmo assim se dispõe a juntar-se a um grupo de alpinistas, não poderá depois reclamar da imprudência destes em tê-lo chamado para tal ousada aventura). É imprescindível que da conduta não resulte perigo a terceiros inocentes, caso em que a aquiescência será ineficaz.
2) Ordem pública e bons costumes – o consentimento do ofendido contrário à ordem pública e aos bons costumes é ineficaz, ainda que se trate de bens disponíveis. Dessa forma, lesões sádicas durante um ato sexual configuram crime, pouco importando o consentimento e a capacidade para consentir da vítima. Convém, no entanto, realçar que o conceito de bons costumes é bastante variável, de acordo com o momento histórico, as tradições e a cultura de uma coletividade.
3) Consentimento em sentido estrito x acordo – parte da doutrina costuma diferenciar consentimento (em sentido estrito) e acordo. Para essa corrente, acordo é a manifestação de vontade geradora de atipicidade, ao passo que consentimento strictu sensu é a manifestação de vontade que atua com a função de exclusão da ilicitude.


CULPABILIDADE

CONCEITO – é o juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Em outras palavras, é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Não se trata de elemento do crime, mas de pressuposto para imposição de pena, porque sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. Ora, para censurar quem cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele. Há, portanto, etapas sucessivas de raciocínio, de maneira que, ao se chegar à culpabilidade, já se constatou ter ocorrido um crime. Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não; em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um crime (fato típico e ilícito) é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do autor. Na culpabilidade, afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido. Em hipótese alguma será possível a exclusão do dolo e da culpa ou da ilicitude nessa fase, uma vez que tais elementos já foram analisados nas etapas precedentes. Por essa razão, culpabilidade nada tem a ver com o crime, não podendo ser qualificada como seu elemento.

A CULPABILIDADE COMO JUÍZO DE REPROVAÇÃO – quando se fala, por exemplo, que “Fulano foi culpado pelo fracasso da empresa”, está associando-se à expressão “culpado” uma idéia de reprovação, de desagrado, de censura. Referido termo não combina com a idéia de sucesso (“Fulano foi culpado pelo sucesso da empresa”). Assim, culpa, em seu sentido mais amplo, e reprovação caminham lado a lado, de modo que a culpabilidade é a culpa (lato sensu) em seu estado potencial (cuidado: culpa em sentido amplo é a culpa que empregamos em sentido leigo, significando culpar, responsabilizar, censurar alguém, não devendo ser confundida com a culpa em sentido estrito e técnico, que é elemento do fato típico, e se apresenta sob as modalidades de imprudência, imperícia e negligência). Toda vez que se comete um fato típico e ilícito, o sujeito fica passível de ser submetido a uma censura por parte do poder punitivo estatal, como se este lhe dissesse: “você errou e, por essa razão, poderá ser punido”. Nesse desvalor do autor e de sua conduta é que consiste a culpabilidade.

CULPABILIDADE DO AUTOR X CULPABILIDADE DO FATO – há duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais na análise da culpabilidade:
(i) Culpabilidade do autor – Minoritária – trata-se de uma corrente doutrinária que sustenta ser relevante aferir a culpabilidade do autor, e não do fato. A reprovação não se estabelece em função da gravidade do crime praticado, mas do caráter do agente, seu estilo de vida, personalidade, antecedentes, conduta social e dos motivos que o levaram à infração penal. Há assim, dentro dessa concepção, uma “culpabilidade do caráter”, “culpabilidade pela conduta de vida” ou “culpabilidade pela decisão de vida”.
(ii) Culpabilidade do fato – Majoritária – aqui, a censura deve recair sobre o fato praticado pelo agente, isto é, sobre o comportamento humano. A reprovação se estabelece em função da gravidade do crime praticado, de acordo com a exteriorização da vontade humana, por meio de uma ação ou omissão. Compreende a gravidade da ação, sua maior ou menor lesividade social, as circunstâncias objetivas que o cercaram, tais como os meios empregados e o modo de execução, se o fato foi tentado ou consumado, quais foram as suas conseqüências para a vítima e prejudicados, etc. Sustenta-se que o direito penal moderno é, basicamente, um direito penal do fato, o que realça a importância deste enfoque.

GRAU DE CULPABILIDADE – integra a fase posterior, relativa à dosagem da pena. Uma vez constatada a reprovabilidade da conduta, o passo seguinte será a verificação da intensidade da resposta penal. Quanto mais censurável o fato e piores os indicativos subjetivos do autor, maior será a pena. Para tanto, será imprescindível uma análise do grau da culpabilidade com duplo enfoque: autor e fato. Assim é que, por exemplo, o art. 59 CP determina que, na dosagem da pena, sejam levados em conta o grau de culpa, a intensidade do dolo, a personalidade, a conduta social, os antecedentes e os motivos do crime, todos aspectos subjetivos relacionados ao autor, assim como as conseqüências do crime e o comportamento da vítima afetos à parte objetiva, isto é, à ação.

TEORIAS – superado o período de responsabilidade objetiva, em que bastava o nexo causal entre conduta e resultado, surgiram teorias a respeito dos requisitos para responsabilização do agente
(i) Teoria Psicológica da Culpabilidade – a culpabilidade é um liame psicológico que se estabelece entre a conduta e o resultado, por meio do dolo ou da culpa. O nexo psíquico entre conduta e resultado esgota-se no dolo e na culpa, que passam a constituir as duas únicas espécies de culpabilidade. A conduta é vista num plano puramente naturalístico, desprovida de qualquer valor, como simples causação do resultado. A ação é considerada o componente objetivo do crime, enquanto a culpabilidade passa a ser o elemento subjetivo, apresentando-se ora como dolo, ora como culpa. Pode-se, assim, dizer que para essa teoria o único pressuposto exigido para a responsabilização do agente é a imputabilidade aliada ao dolo ou à culpa. Crítica – as principais críticas que tal orientação sofreu foram as seguintes: a) nela não se encontra explicação razoável para a isenção de pena nos casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal em que o agente é imputável e agiu com dolo (como excluir-lhe, então, a culpabilidade?); b) a culpa não pode integrar a culpabilidade psicológica porque é normativa e não psíquica; c) o dolo não pertence à culpabilidade, mas à conduta, pois sua exclusão leva à atipicidade do fato.
(ii) Teoria Piscológico-normativa ou Normativa da Culpabilidade – essa teoria exige, como requisitos para a culpabilidade, alfo mais do que “dolo ou culpa e imputabilidade”. Buscava-se uma explicação lógica para situações como a coação moral irresistível, na qual o agente dá causa ao resultado com dolo ou culpa, é imputável, mas não pode ser punido. Alinharam-se, assim, os seguintes elementos para a culpabilidade: a) imputabilidade; b) dolo e culpa; c) exigibilidade de conduta diversa. Assim, para esta corrente, só haverá culpabilidade se o agente for imputável, dele for exigível conduta diversa e houver culpa ou dolo. Crítica – a principal crítica que se faz a essa teoria consiste em ignorar que o dolo e a culpa são elementos da conduta e não da culpabilidade. Na verdade, segundo alguns autores, eles não são elementos ou condições de culpabilidade, mas o objeto sobre o qual ela incide.
(iii) Teoria Normativa Pura da Culpabilidade – sustenta que o dolo e a culpa integram a conduta, logo a culpabilidade passa a ser puramente valorativa ou normativa, isto é, puro juízo de valor, de reprovação, que recai sobre o autor do injusto penal excluída de qualquer dado psicológico. Assim, em vez de imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e dolo ou culpa; a teoria normativa pura exigiu apenas imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa, deslocando o dolo e a culpa para a conduta. O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto (ex.: a culpabilidade não será excluída se o agente, a despeito de não saber que sua conduta era erradam injusta, inadequada, tinha totais condições de sabê-lo). Dessa forma, para a Teoria Normativa Pura, a culpabilidade é composta dos seguintes elementos: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude; c) exigibilidade de conduta diversa.
a. Teoria Estrita ou Extremada da Culpabilidade e Teoria Limitada da Culpabilidade – ambas são derivações da Teoria Normativa Pura da Culpabilidade e divergem apenas quanto ao tratamento das descriminantes putativas
i. Teoria Estrita ou Extremada da Culpabilidade – para esta teoria, toda espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação (erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição. Com isso, evita-se desigualdade no tratamento de situações análogas.
ii. Teoria Limitada da Culpabilidade – para esta teoria, o erro que recai sobre uma situação de fato (descriminante putativa fática) é erro de tipo, enqanto o que incide sobre a existência ou limites de uma causa de justificação é erro de proibição.

TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL – o CP adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade. Assim, as descriminantes putativas fáticas são tratadas como erro de tipo (art. 20, §1º, CP), enquanto as descriminantes putativas por erro de proibição, ou erro de proibição indireto, são consideradas erro de proibição (art. 21 CP).

ELEMENTOS DA CULPABILIDADE – segundo a teoria adotada pelo CP, são três os elementos da culpabilidade (IMPOTEX):
(i) Imputabilidade
(ii) Potencial consciência da ilicitude
(iii) Exigibilidade de conduta diversa
OBS: Causas dirimentes – são aquelas que excluem a culpabilidade, diferentemente das excludentes, que excluem a ilicitude.

IMPUTABILIDADE – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento (ex.: um dependente de drogas tem plena capacidade de entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância entorpecente, razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade).
(i) Elementos – do conceito, extrai-se que a imputabilidade é composta de dois elementos, sem os quais o agente não será considerado responsável pelos seus atos:
a. Intelectivo – capacidade de compreensão, de entender o caráter ilícito do fato.
b. Volitivo – capacidade de comandar e controlar a própria vontade.
(ii) Regra – todo agente é imputável, a não ser que ocorra causa excludente da imputabilidade, chamada de causa dirimente. A capacidade penal é, portanto, obtida por exclusão, ou seja, sempre que não se verificar a existência de alguma causa que a afaste.
(iii) Exceções – Causas dirimentes – são as causas excludentes da imputabilidade. São quatro: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.
a. Critérios para aferição da inimputabilidade –
i. Sistema biológico – a este sistema somente interessa saber se o agente é portador de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso positivo, será considerado inimputável, independentemente de qualquer verificação concreta de essa anomalia ter retirado ou não a capacidade de entendimento e autodeteminação. Há uma presunção legal de que a deficiência ou doença mental impede o sujeito de compreender o crime ou comandar a sua vontade, sendo irrelevante indagar acerca de suas reais e efetivas conseqüências no momento da ação ou omissão. Foi adotado, como exceção, no caso dos menores de 18 anos, nos quais o desenvolvimento incompleto presume a incapacidade de entendimento e vontade (art. 27 CP). Pode ser até que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo ou estupro que pratica, por exemplo, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese.
ii. Sistema psicológico – ao contrário do biológico, este sistema não se preocupa com a existência de perturbação mental no agente, mas apenas se, no momento da ação ou omissão delituosa, ele tinha ou não condições de avaliar o caráter criminoso do fato e de orientar-se de acordo com esse entendimento. Pode-se dizer que, enquanto o sistema biológico só se preocupa com a existência da causa geradora da inimputabilidade, não se importando se ela efetivamente afeta ou não o poder de compreensão do agente, o sistema psicológico volta suas atenções apenas para o momento da prática do crime. Este sistema não foi adotado entre nós. A título de ilustração, se fosse adotado o critério psicológico entre nós, a supressão total dos sentidos pela emoção, que não está prevista em lei como causa dirimente, poderia levar à exclusão da imputabilidade do agente, quando retirasse totalmente a capacidade de entender ou a de querer (ex.: mulher que flagra marido em adultério e, totalmente transtornada, o mata – a emoção não exclui a imputabilidade, jamais, porque não está arrolada entre as causas exculpantes).
iii. Sistema biopsicológico – combina os dois sistemas anteriores, exigindo que a causa geradora esteja prevista em lei e que, além disso, atue efetivamente no momento da ação delituosa, retirando do agente a capacidade de entendimento e vontade. Dessa forma, será inimputável aquele que, em razão de uma causa prevista em lei (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado), atue no momento da prática da infração penal sem a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entedimento. Foi adotado como regra pelo nosso CP, conforme se verifica pela leitura do art. 26, “caput”, CP. São requisitos da inimputabilidade segundo o sistema biopsicológico (somente haverá inimputabilidade se os três requisitos abaixo estiverem presentes, à exceção dos menores de 18 anos, regidos pelo sistema biológico):
1. Causal – existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que são as causas previstas em lei.
2. Cronológico – atuação ao tempo da ação ou omissão delituosa.
3. Conseqüencial – perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer.
OBS: 1) Prova da inimputabilidade – Perícia – a prova da inimputabilidade do acusado é fornecida pelo exame pericial. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do réu, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do MP, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a um exame médico-legal, chamado incidente de sanidade mental, suspendendo-se o processo até o resultado final (art. 149 CPP).
2) Sentença absolutória e medida de segurança – o juiz, na sentença, deve analisar, antes de tudo, se existe prova da autoria e da materialidade do crime. Deve ainda verificar se houve fato típico doloso ou culposo e se estão presentes causas de exclusão da ilicitude. Se não comprovar a autoria, a materialidade, o fato típico ou a ilicitude, a hipótese será de absolvição sem a imposição de qualquer sanção penal (pena ou medida de segurança). É a chamada absolvição própria. Somente se constatar que o réu foi autor de um fato típico e ilícito é que o juiz passará ao exame da culpabilidade. Provada a inimputabilidade por exame de insanidade mental, o agente será absolvido, mas receberá medida de segurança, ao que se denomina absolvição imprópria.
b. Causas dirimentes ou excludentes da imputabilidade –
i. Doença mental – é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais tais como a epilepsia, psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias, psicopatia, etc. OBS: 1) Dependência patológica de substância psicotrópica (inclusive álcool) – a dependência patológica de substância psicotrópica, como o álcool, entorpecentes, estimulantes e alucinógenos, configura doença mental, segundo dispõe a Lei 6368/76, em seu art. 19, sempre que retirar a capacidade de entender ou de querer. 2) Enfermidade de natureza não mental que atinja a capacidade de entender ou querer – a imputabilidade cessa, também, na hipótese de enfermidade de natureza não mental que atinja a capacidade de entender e querer. É o que se verifica nas enfermidades físicas com incidências sobre o psiquismo, tal como ocorre nos delírios febris produzidos pelo tifo, na pneumonia ou em outra doença qualquer que atue sobre a normalidade psíquica.
ii. Desenvolvimento mental incompleto – é o desenvolvimento que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta de convivência com a sociedade, ocasionando imaturidade mental e emocional. No entanto, com a evolução da idade ou o incremento das relações sociais, a tendência é a de ser atingida a plena potencialidade. É o caso dos menores de 18 anos (art. 27 CP) e dos silvícolas inadaptados à sociedade, os quais têm condições de chegar ao pleno desenvolvimento com o acúmulo das experiências hauridas no cotidiano. OBS: 1) Necessidade de laudo pericial no silvícola para comprovar o desenvolvimento mental incompleto – no caso dos silvícolas, o laudo pericial é imprescindível para aferir a imputabilidade. 2) Menores de 18 anos – apesar de não sofrerem sanção penal pela prática de ilícito penal, em razão da ausência de culpabilidade, estão sujeitos ao procedimento e às medidas socioeducativas previstas no ECA, em virtude de a conduta descrita como crime ou contravenção penal ser considerada ato infracional (art. 103 ECA). As medidas a serem aplicadas estão previstas nos arts. 101 e 112 ECA.
iii. Desenvolvimento mental retardado – é o incompatível com o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento normal para aquela idade cronológica. É o caso dos oligofrênicos, que são pessoas de reduzidíssimo coeficiente intelectual. Classificam-se numa escala de inteligência decrescente em débeis mentais, imbecis e idiotas. Dada a sua quase insignificante capacidade mental, ficam impossibilitados de efetuar uma correta avaliação da situação de fato que se lhes apresenta, não tendo, por conseguinte, condições de entender o crime que cometeram. Além dos oligofrênicos, compreendem-se na categoria de desenvolvimento retardado os surdos-mudos que, em conseqüência da anomalia, não têm qualquer capacidade de entendimento e de autodeterminação. Nesse caso, por força do déficit de suas faculdades sensoriais, o seu poder de compreensão também é afetado. OBS: 1) Desenvolvimento mental retardado x desenvolvimento mental incompleto – ao contrário do desenvolvimento incompleto, no qual não há maturidade psíquica em razão da ainda precoce fase da vida do agente ou da falta de conhecimento empírico, no desenvolvimento retardado a capacidade não corresponde às expectativas para aquele momento da vida, o que significa que a plena potencialidade jamais será atingida.
iv. Embriaguez – é causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio, etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (LSD).
1. Fases –
a. Excitação – estado eufórico inicial provocado pela inibição dos mecanismos de autocensura. O agente torna-se inconveniente, perde a acuidade visual e tem seu equilíbrio afetado. Em virtude de sua maior extroversão, esta fase denomina-se “fase do macaco”.
b. Depressão – passada a excitação inicial, estabelece-se a confusão mental e há irritabilidade, que deixam o sujeito mais agressivo. Por isso, denomina-se “fase do leão”.
c. Sono – na sua última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas, o agente fica em um estado de dormência profunda, com perda do controle sobre suas funções fisiológicas. Nesta fase, conhecida como “fase do porco”, evidentemente, o ébrio só pode cometer delitos omissivos.
2. Espécies e conseqüências –
a. Embriaguez não acidental – pode ser:
i. Completa e incompleta –
1. Completa – é aquela que tem como conseqüência a retirada total da capacidade de entendimento e vontade do agente, que perde integralmente a noção sobre o que está acontencendo.
2. Incompleta – ocorre quando a embriaguez retira apenas parcialmente a capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, que ainda consegue manter um resíduo de compreensão e vontade.
ii. Voluntária (dolosa ou intencional) e culposa –
1. Voluntária, dolosa ou intencional – o agente ingere a substância alcoólica ou de efeitos análogos com a intenção de embriagar-se. Há, portanto, um desejo de ingressar em um estado de alteração psíquica, daí falar-se em embriaguez dolosa.
2. Culposa – o agente quer ingerir a substância, mas sem a intenção de embriagar-se. Contudo, isso vem a ocorrer em virtude da imprudência de consumir doses excessivas. A alteração psíquica não decorre de um comportamento doloso, intencional, de quem quer “tomar um porre” ou “fazer uma viagem”, mas de um descuido, de uma conduta culposa, imprudente, excessiva.
iii. Conseqüência – ACTIO LIBERA IN CAUSA – a embriaguez não acidental jamais exclui a imputabilidade do agente, seja voluntária, culposa, completa ou incompleta. Isso porque ele, no momento em que ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não o fazer. A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando tinha possibilidade de não o fazer. A ação foi livre na sua causa, devendo o agente, por esta razão, ser responsabilizado. É a teoria da actio libera in causa (ações livres na causa). Considera-se, portanto, o momento da ingestão da substância e não o da prática delituosa. OBS: Responsabilidade objetiva na embriaguez não acidental – há divergentes posições doutrinárias acerca da questão: 1ª Posição – Capez – a teoria da actio libera in causa configura resquício da responsabilidade objetiva em nosso sistema penal, sendo ainda admitida excepcionalmente quando for de todo necessário para não deixar o bem jurídico sem proteção (ex.: delegado de polícia vai trabalhar completamente embriagado, em razão de antes ter participado de uma festa. Durante o plantão, é bruscamente acordado por um policial militar e, irritado por isso, desfere-lhe um certeiro disparo contra a cabeça, matando-o. No dia seguinte, não se lembra de nada, uma vez que na véspera estava inteiramente bêbado. Pouco importa. Pela teoria da actio libera in causa, responderá por homicídio doloso, presumindo-se, sem admissão de prova em contrário, que estava sóbrio no momento em que praticou a conduta). 2ª Posição – Damásio – afastando completamente a responsabilidade objetiva do sistema penal moderno, Damásio lembra que, no caso da embriaguez completa, o agente não pode ser responsabilizado se não tinha, no momento em que se embriagava, condições de prever o surgimento da situação que o levou à prática do crime. A responsabilidade objetiva não mais se justifica diante do princípio constitucional do estado de inocência. A moderna doutrina penal não aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez completa, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não possui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o sujeito se embriaga, prevendo a possibilidade de praticar o crime e aceitando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se ele se embriaga prevendo a produção do resultado e esperando que não se produza, ou não prevendo, mas devendo prevê-lo, responde pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a teoria da actio libera in causa à embriaguez completa. Diferente é o primeiro caso, em que o sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da ocorrência do resultado. Quando ainda imputável o sujeito, não agiu com dolo ou culpa em relação ao resultado do crime determinado. A embriaguez não pode ser considerada ato de execução de crime que o agente não previu... Para que haja responsabilidade penal no caso da actio libera in causa, é necessário que, no instante da imputabilidade, o sujeito tenha querido o resultado ou assumido o risco de produzi-lo, ou o tenha previsto sem aceitar o risco de causá-lo ou que, no mínimo, tenha sido previsível. Na hipótese de imprevisibilidade, que estaremos cuidando, não há falar em responsabilidade penal ou em aplicação da actio libera in causa. Assim, afirmando que não há exclusão da imputabilidade, o CP admite responsabilidade objetiva. Com o advento da CF 1988, o art. 28, II, CP, na parte em que ainda consagrava a responsabilidade objetiva, uma vez que permitia a condenação por crime doloso ou culposo sem que o ébrio tivesse agido com dolo ou culpa, foi revogado pelo princípio constitucional do estado de inocência (art. 5º, LVII, CF).
b. Embriaguez acidental – decorre de caso fortuito ou força maior, podendo ser completa ou incompleta.
i. Embriaguez fortuita – a embriaguez decorre de fatores imprevistos (ex.: agente que ingere bebida na ignorância de que tem conteúdo alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que provoca; agente que, após tomar antibiótico para tratamento de uma gripe, consome álcool sem saber que isso o fará perder completamente o poder de compreensão). Nessas hipóteses, o sujeito não se embriagou porque quis, nem porque agiu com culpa.
ii. Embriaguez decorrente de força maior – a embriaguez provém de força externa que opera contra a vontade da pessoa, compelindo-a a ingerir a substância psicotrópica (ex.: agente que é forçado a ingerir álcool).
iii. Conseqüência –
1. Embriaguez acidental completa – exclui a imputabilidade, ficando o agente isento de pena. Na hipótese de embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, fica totalmente excluída a imputabilidade, porque o agente perdeu a capacidade de compreensão e vontade, devendo ser absolvido. Entretanto, ao contrário do que ocorre na doença mental e no desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não haverá imposição de medida de segurança: a absolvição será própria, pois não há necessidade de submeter o sujeito a tratamento médico.
2. Embriaguez acidental incompleta – não exclui a imputabilidade, mas permite a diminuição da pena de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação.
OBS: Inaplicabilidade da teoria da actio libera in causa – não há que se falar da actio libera in causa, uma vez que durante a embriaguez o agente não teve livre-arbítrio para decidir se consumia ou não a substância. A ação em sua origem não foi nem voluntária, nem culposa.
c. Embriaguez patológica – é o caso dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez em virtude de uma vontade invencível de continuar a consumir o álcool ou a droga.
i. Conseqüência – trata-se de verdadeira doença mental, recebendo, por conseguinte, o mesmo tratamento desta. OBS: Crítica – alguns doutrinadores não consideram justa esta solução, pois no mecanismo do CP, o indivíduo que cometa um crime por estar completamente embriagado, embora tenha bebido pela primeira vez na vida, será responsabilizado penalmente, desde que a embriaguez não seja fortuita, mas voluntária ou culposa. Esse mesmo indivíduo, porém, vem a delinqüir em conseqüência de perturbações mentais ocasionadas por contínuas libações alcoólicas e será considerado irresponsável.
d. Embriaguez preordenada – o agente embriaga-se já com a finalidade de vir a delinqüir nesse estado. Não se confunde com a embriaguez voluntária, em que o agente quer embriagar-se, mas não tem a intenção de cometer crimes nesse estado. Na preordenada, a conduta de ingerir bebida alcoólica já constitui ato inicial do comportamento típico, já se vislumbrando desenhado o objetivo delituoso que almeja atingir, ou que assume o risco de conseguir (ex.: agente que ingere álcool para liberar instintos baixos e cometer crimes de violência sexual; assaltantes que consomem substâncias estimulantes, como a cocaína, para operações ousadas; etc.).
i. Conseqüência – além de não excluir a imputabilidade, constitui causa agravante genérica (art. 61, II, “L”, CP).
OBS: 1) Emoção e paixão – emoção é o sentimento abrupto, repentino, como o vulcão que, de repente, entra em erupção. Paixão é o sentimento duradouro e profundo, que vai arraigando-se paulatinamente na alma humana. É a emoção em estado crônico. A ira momentânea configura emoção. O ódio recalcado, o ciúme deformado em possessão doentia e a inveja em estado crônico retratam a paixão. Conseqüência – não excluem a imputabilidade.
2) A emoção como circunstância minorante – a emoção pode funcionar como causa específica de diminuição de pena (privilégio) no homicídio doloso e nas lesões corporais dolosas, mas, para isso, exige quatro requisitos: a) deve ser violenta; b) o agente deve estar sob o domínio dessa emoção, e não mera influência; c) a emoção deve ter sido provocada por um ato injusto da vítima; d) a reação do agente deve ser logo em seguida a essa provocação (arts. 121, §1º, e 129, §4º, CP). Nesse caso, a pena será reduzida de 1/6 a 1/3. Se o agente estiver sob mera influência, a emoção atuará apenas como circunstância atenuante genérica, com efeitos bem mais acanhados na redução da pena, já que esta não poderá ser diminuída aquém do mínimo legal (art. 65, III, c, CP). A paixão não funciona sequer como causa de diminuição de pena.
3) A emoção ou paixão equiparadas à doença mental – conforme lembra José Frederico Marques, se a emoção ou a paixão tiverem caráter patológico, a hipótese enquadrar-se-á no art. 26, “caput”, CP (doença mental). Assim, somente a emoção ou paixão que transformem o agente em um doente mental, retirando-lhe a capacidade de compreensão, pode influir na culpabilidade. Mesmo nas hipóteses de ciúme doentio e desespero, se não há doença mental, não se pode criar uma nova causa excludente da imputabilidade.
4) Transtorno mental transitório e estados de inconsciência como causas excludentes de imputabilidade – Nélson Hungria sustenta ser possível equipararem-se à doença mental o delírio febril, o sonambulismo e as perturbações de atividade mental que se ligam a certos estados somáticos ou fisiológicos mórbidos de caráter transitório. A inconsciência ou transtorno transitório, se enquadráveis no art. 26 “caput” do CP, como doença mental, excluem a imputabilidade. Caso contrário, em nada alteram. Se a inconsciência for absoluta, como no sono, por exemplo, inexistirá fato típico porque não houve ação ou conduta tipificável. É de se observar, porém, que se culpa houver ligando o fato praticado em estado de absoluta inconsciência a ato anterior, a aplicação da actio libera in causa torna punível o agente. É o que sucederia com a pessoa que imprudentemente fosse deitar-se ao lado de um recém-nascido, sem cautelar para evitar a ocorrência de algum evento lesivo proveniente da proximidade dos dois corpos e dos movimentos realizados durante o sono. Se viesse a afogá-lo ou feri-lo, seria responsável, a título de culpa, pela imprudência anterior ao sono.
(iv) Semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída – é a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em conseqüência das suas condições pessoais.
a. Requisitos – são os mesmos da inimputabilidade, salvo quanto à intensidade do requisito conseqüencial:
i. Causal – é provocada por perturbação de saúde mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. O art. 26, § único, CP, emprega a expressão “perturbação da saúde mental” no lugar de “doença mental”, o que constitui um minus, significando uma mera turbação na capacidade intelectiva.
ii. Cronológico – deve estar presente ao tempo da ação ou omissão.
iii. Conseqüencial – aqui reside a diferença, já que na semi-imputabilidade há apenas perda de parte da capacidade de entender e querer.
b. Conseqüência – não exclui a imputabilidade, de modo que o agente será condenado pelo fato típico e ilícito que cometeu. Constatada a redução na capacidade de compreensão ou vontade, o juiz deverá: a) reduzir a pena de 1/3 a 2/3; ou b) impor medida de segurança (mesmo aí a sentença continuará sendo condenatória). A escolha por medida de segurança somente poderá ser feita se o laudo de insanidade mental indicá-la como recomendável, não sendo arbitrária essa opção. Se for aplicada pena, o juiz estará obrigado a diminuí-la de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, tratando-se de direito público subjetivo do agente, o qual não pode ser subtraído pelo juiz (há posicionamento doutrinário em sentido contrário, entendendo ser faculdade do juiz a redução da pena). OBS: A questão da dependência de drogas – tratada como espécie de doença mental, a dependência em drogas recebe tratamento jurídico diverso das outras formas de perturbação mental (como a psicose, neurose, epilepsia, etc.). Na hipótese de provocar inimputabilidade, será aplicada medida de segurança, seguindo-se a regra do art. 10 da Lei de Tóxicos (que prevalece sobre a do art. 97 CP), de modo que a internação em casa de custódia e tratamento psiquiátrico somente será imposta quando necessária. No caso da semi-imputabilidade, não será possível, em nenhum caso, o juiz aplicar a medida de segurança, pois o art. 19 da Lei de Tóxicos somente prevê a possibilidade de redução de pena de 1/3 a 2/3. Assim, ao contrário da semi-imputabilidade provocada pelas demais espécies de doença mental, a gerada por dependência só dá ao juiz uma opção: reduzir a pena, não podendo ser imposta medida de segurança.
OBS: 1) Imputabilidade x capacidade – a capacidade é gênero do qual a imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla, que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade (imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem assistência de curador, etc. (capacidade processual). A imputabilidade, portanto, é a capacidade na órbita penal. Adquire-se tanto a capacidade penal como a processual aos 18 anos completos.
2) Imputabilidade x responsabilidade – a imputabilidade não se confunde com a responsabilidade penal, que corresponde às conseqüências jurídicas oriundas da prática de uma infração. Responsabilidade é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ela depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo.

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE – para a culpabilidade do agente, não basta a imputabilidade. É indispensável, para o juízo de reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. É imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há falta ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. Essa condição intelectual é chamada de potencial consciência da ilicitude.
(i) Erro de direito – o desconhecimento da lei é inescusável (art. 21 CP), pois ninguém pode deixar de cumpri-la alegando que não a conhece (art. 3º LICC). À exceção do art. 8º da Lei das Contravenções Penais, que prevê o erro de direito como hipótese de perdão judicial, de nada adiantará o agente alegar que não sabia que determinada conduta era tipificada como infração penal, pois há uma presunção absoluta em sentido contrário. Tal princípio tem seu fundamento em uma exigência de caráter prático. A ordem jurídica não poderia subsistir sem que as leis se tornassem obrigatórias desde a sua publicação. Não seria possível, sem prejuízo do equilíbrio e da segurança que dimanam do direito constituído, que a todo momento houvesse necessidade de indagações a respeito do conhecimento e da exata compreensão por parte dos interessados com relação ao preceito legal aplicável. Afirmar, portanto, não saber que matar, roubar, lesionar, sonegar tributos, etc. é crime não exclui a responsabilidade pelo delito praticado. Conseqüência: o desconhecimento da lei, embora não exclua a culpabilidade, é circunstância atenuante genérica (art. 65, II, CP).
(ii) Erro de proibição – foi visto que, para existir culpabilidade, necessário se torna que haja no sujeito ao menos a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato. Quando o agente não tem ou não lhe é possível esse conhecimento, ocorre o denominado erro de proibição. Há, portanto, erro de proibição quando o autor supõe, por erro, que seu comportamento é lícito. Nessa hipótese, o agente atua voluntariamente e, portanto, dolosamente, porque seu erro não incide sobre elementos do tipo; mas não há culpabilidade, já que pratica o fato por erro quanto à ilicitude de sua conduta. Não é possível censurar-se de culpabilidade o autor de um fato típico penal quando ele próprio, por não ter tido sequer a possibilidade de conhecer o injusto de sua ação, cometeu o fato sem se dar conta de estar infringindo alguma proibição. O agente, no erro de proibição, faz um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade. Evidentemente, não se exige de todas as pessoas que conheçam exatamente todos os dispositivos legais, mas o erro só é justificável quando o sujeito não tem condições de conhecer a ilicitude de seu comportamento. Não se trata, aliás, de um juízo técnico-jurídico, que somente se poderia exigir dos mais renomados juristas, mas de um juízo “leigo”, “profano”, que é emitido de acordo com a opinião dominante no meio social. Se esta consciência não for alcançada, não se poderá punir o agente, porque ausente estará a reprovação pessoal possível, que é a essência da culpabilidade. OBS: Erro de tipo x erro de proibição – no erro de tipo, o agente tem uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo como elementares ou circunstâncias (ex.: sujeito que pensa que a carteira de outrem lhe pertence, ante a semelhança de ambas, desconhecendo estar subtraindo coisa alheia). Neste caso, o equívoco incide sobre a realidade e não sobre a interpretação que o agente fazia da norma, impedido o autor de saber que estava cometendo crime. No erro de proibição, ao contrário, há uma perfeita noção acerca de tudo o que se está passando. O sujeito conhece toda a situação fática, sem que haja distorção da realidade. Ele sabe que a carteira pertence a outrem. O seu equívoco incide sobre o que lhe é permitido fazer diante daquela situação, ou seja, se é lícito retirar a carteira pertencente a outra pessoa. Há, por conseguinte, uma perfeita compreensão da situação de fato e uma errada apreciação sobre a injustiça do que faz.
a. Espécies –
i. Inevitável ou escusável – o agente não tinha como conhecer a ilicitude do fato, em face das circunstâncias do caso concreto. Conseqüência: se não tinha como saber que o fato era ilícito, inexistia a potencial consciência da ilicitude, logo, esse erro exclui a culpabilidade.
ii. Evitável ou inescusável – embora o agente desconhecesse que o fato era ilícito, tinha condições de saber, dentro das circunstâncias, que contrariava o ordenamento jurídico. Conseqüência: o agente não ficará isento de pena, mas, em face da inconsciência atual da ilicitude, terá direito a uma redução de pena de 1/6 a 1/3.
b. Descriminante putativa por erro de proibição ou erro de proibição indireto – é a causa de exclusão da ilicitude imaginada pelo agente, em razão de uma equivocada consideração dos limites autorizadores da justificadora. Não se confunde com a descriminante putativa por erro de tipo, uma vez que nesta há uma equivocada apreciação da realidade. Na descriminante putativa por erro de proibição, há uma perfeita noção da realidade, mas o agente avalia equivocadamente os limites da norma autorizadora. É o caso do homem esbofeteado que se supõe em legítima defesa. Ele sabe que a agressão cessou, que seu agressor já está de costas, indo embora, mas supõe que, por ter sido humilhado, pode atirar por trás, matando o sujeito. Imagina, por erro, a existência de uma causa de exclusão da ilicitude que, na verdade, não se apresenta. Só que não é um erro incidente sobre a situação de fato, mas sobre a apreciação dos limites da norma excludente (até que ponto a norma que prevê a legítima defesa permite ao agente atuar). Conseqüência: é a mesma do erro de proibição. O agente responderá pelo resultado com pena reduzida, se o erro for evitável, ou ficará isento de pena, se inevitável. Não devem ser confundidas as conseqüências do erro de tipo com as do erro de proibição.
OBS: Erro e ignorância da lei – a ignorância é o completo desconhecimento da existência da regra legal, ao passo que a errada compreensão consiste no conhecimento equivocado acerca de tal regra. Na primeira, o agente nem sequer cogita de sua existência; na segunda, possui tal conhecimento, mas interpreta o dispositivo de forma distorcida. O erro é, portanto, o conhecimento parcial, falso, equivocado, enquanto a ignorância, o desconhecimento total. No campo do Direito Penal, contudo, erro e ignorância têm o mesmo significado, apesar de o CP ainda empregar as duas expressões.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA – consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma. Assim, de acordo com a Teoria da Normalidade das Circunstâncias Concomitantes, para que se possa considerar alguém culpado do cometimento de uma infração penal, é necessário que esta tenha sido praticada em condições e circunstâncias normais, pois do contrário não será possível exigir do sujeito conduta diversa da que, efetivamente, acabou praticando.
(i) Natureza jurídica – trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, fundada no princípio de que só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. No caso, a inevitabilidade não tem a força de excluir a vontade, que subsiste como força motora da conduta, mas certamente a vicia, de modo a tornar incabível qualquer censura ao agente.
(ii) Causas que levam à exclusão da exigibilidade de conduta diversa – a lei prevê duas hipóteses, quais sejam a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.
a. Coação moral irresistível –
i. Conceito de coação – é o emprego de força física ou de grave ameaça para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa.
ii. Espécies de coação –
1. Física ou vis absoluta – consiste no emprego de força física. Conseqüência: exclui a conduta, uma vez que elimina totalmente a vontade. O fato passa a ser atípico (ex.: operador de trilhos que, amarrado por assaltantes à cadeira, não tem como fazer a mudança de nível dos trilhos e, assim, não consegue impedir a colisão das locomotivas – não houve qualquer conduta de sua parte, pois a vontade foi totalmente eliminada pelo emprego da força física).
2. Moral ou vis relativa – é o emprego de grave ameaça. Conseqüências:
a. Moral resistível – há crime, pois a vontade restou intangida, e o agente é culpável, uma vez que, sendo resistível a ameaça, era exigível conduta diversa. Entretanto, a coação moral resistível atua como uma circunstância atenuante genérica (art. 65, III, c, 1ª parte, CP).
b. Moral irresistível – há crime, pois, mesmo sendo grave a ameaça, ainda subsiste um resquício de vontade que mantém o fato como típico. No entanto, o agente não será considerado culpado. Assim, na coação moral irresistível, há fato típico e ilícito, mas o agente não é considerado culpado, em face da exclusão da exigibilidade de conduta diversa.
b. Obediência hierárquica – é a obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, tornando viciada a vontade do subordinado e afastando a exigência de conduta diversa.
i. Requisitos – para que configure causa de exclusão da exigibilidade de conduta diversa, são necessários:
1. Um superior
2. Um subordinado
3. Uma relação de direito público entre ambos, já que o poder hierárquico é inerente à Administração Pública, estando excluídas da hipótese de obediência hierárquica as relações de direito privado, tais como as entre patrão e empregado ou qualquer outra relação contratual.
4. Uma ordem do primeiro para o segundo.
5. Ilegalidade da ordem, visto que a ordem legal exclui a ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal.
6. Aparente legalidade da ordem.
ii. Ordem de superior hieráquico – é a manifestação de vontade do titular de uma função pública a um funcionário que lhe é subordinado. Existem casos em que não há vinculação funcional, mas sim subordinação em virtude da situação. É a hipótese do policial militar encarregado de manter a ordem na sala de audiências, devendo seguir as determinações administrativas que o magistrado lhe der, enquanto estiver nessa função. Embora sem vínculo administrativo-funcional, existe subordinação hierárquica para fins penais. Assim, se o juiz mandar o miliciano algemar um advogado que o desacate, o subordinado estará cumprindo uma ordem ilegal, mas, diante de seus parcos conhecimentos jurídicos, aparentemente legal.
iii. Espécies de ordens e suas conseqüências – a ordem pode ser:
1. Legal – se o subordinado cumpre ordem legal, está no estrito cumprimento do dever legal. Não pratica crime, uma vez que está acobertado por causa de exclusão da ilicitude.
2. Ilegal – se a ordem é manifestamente ilegal, o subordinado deve responder pelo crime praticado, pois não tinha como desconhecer a sua ilegalidade. Se aparentemente legal, ele não podia perceber a sua ilegalidade, logo, exclui-se a exigibilidade de conduta diversa e ele fica isento de pena.
OBS: Causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa – são as que, embora não previstas em lei, levam à exclusão da culpabilidade. Há duas posições quanto a sua existência: 1ª Posição – TJSP – inexistem causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa porque: a) é inaplicável a analogia in bonam partem em matéria de dirimentes, já que as causas de exculpação representam, segundo a clara sistemática da lei, preceitos excepcionais insuscetíveis de aplicação extensiva; b) Nelson Hungria lembra que os preceitos sobre causas descriminantes, excludentes ou atenuantes de culpabilidade ou de pena, ou extintivas da punibilidade, constituem jus singulare em relação aos incriminadores ou sancionadores e, assim, não admitem extensão além dos casos taxativamente enumerados; c) no CP de 1969, que acabou não entrando em vigor, havia outra causa de inexigibilidade de conduta diversa, além das duas constantes do texto atual. Tratava-se do estado de necessidade exculpante, filiado à teoria diferenciadora e tido como causa excludente da culpabilidade. A essa orientação filiou-se o CP Militar, que inseriu a dirimente em seu art. 39. Ora, o legislador de 1984, tendo à mão o texto, preferiu não mencionar o estado de necessidade exculpante como inexigibilidade de conduta diversa. Se assim agiu, é porque não tinha nenhuma vontade de que as hipóteses excedessem à coação moral irresistível e à obediência hierárquica; d) inexistem, por conseguinte, quaisquer lacunas que imponham a integração do ordenamento jurídico por meio da analogia. 2ª Posição – STJ – existem outras causas de exclusão da culpabilidade além das expressamente previstas, pelos seguintes fundamentos: a) a exigibilidade de conduta diversa é um verdadeiro princípio geral da culpabilidade. Contraria frontalmente o pensamento finalista punir o inevitável. Só é culpável o agente que se comporta ilicitamente, podendo orientar-se de modo diverso; b) o pressuposto básico do princípio da não-exigibilidade é a motivação normal. O que se quer dizer com isso é que a culpabilidade, para configurar-se, exige uma certa normalidade de circunstâncias. À medida que as circunstâncias se apresentem significativamente anormais, deve-se suspeitar da presença da anormalidade também no ato volitivo; c) não admitir o emprego de causas supralegais de exclusão da ilicitude é violar o princípio da culpabilidade, o nullum crimen sine culpa, adotado pela reforma penal de 1984 (Exposição de Motivos, item 18). CONCLUSÃO: em face do princípio nullum crimen sine culpa, não há como compelir o juiz a condenar em hipóteses nas quais, embora tenha o legislador esquecido de prever, verifica-se claramente a anormalidade de circunstâncias concomitantes, que levaram o agente a agir de forma diversa da que faria em uma situação normal. Assim, qualquer situação que cause anormalidade nas circunstâncias, que justifique a exclusão da culpabilidade, deve ser reconhecida, evitando-se a responsabilidade objetiva. Por essa razão, não devem existir limites legais à adoção das causas dirimentes.


CONCURSO DE PESSOAS

AUTORIA – o conceito de autor tem enfrentado certa polêmica dentro da doutrina, comportando três posições.
(i) Teoria Extensiva – segue o critério material-objetivo. Autor não é apenas aquele que realiza o núcleo do tipo, mas também quem concorre de qualquer modo para o crime, não importando se tal cooperação é decisiva ou insignificante. Basta ao sujeito ter contribuído de alguma forma na produção do resultado para ser considerado autor. Tal entendimento, portanto, não faz nenhuma distinção entre autor e partícipe (são todos co-autores), alargando sobremaneira o conceito de autor e eliminando o de partícipe. Esta teoria não foi adotada entre nós (era adotada antes da reforma de 1984).
(ii) Teoria Restritiva – adota o critério formal-objetivo. Autor é apenas aquele que realiza a conduta principal descrita no tipo, ou seja, somente quem pratica o verbo ou o núcleo constante do tipo legal. É, portanto, o que mata, subtrai, obtém vantagem ilícita, constrange, etc. Esse critério é chamado de formal-objetivo porque se atém à descrição típica para definir a autoria. Desse modo, o mandante de um crime não pode ser considerado seu autor, visto que não lhe competiram os atos de execução do núcleo do tipo (quem manda matar não mata, logo, não realiza o verbo do tipo). Por outro lado, partícipe é aquele que, sem praticar o núcleo do tipo, concorre de qualquer modo para a sua realização, sempre mediante atos distintos da conduta principal descrita no modelo incriminador. É a teoria adotada pelo nosso CP. Crítica: alguns autores criticam essa concepção restritivista, por entendê-la insatisfatória à solução de certos casos concretos. Indagam se seria razoável considerar meros participantes, porque não realizaram nenhuma fração de condutas típicas, o chefe de uma quadrilha de traficantes de tóxicos que tem o comando e o controle de todos os que atuam na operação criminosa, ou o líder de uma organização mafiosa que atribui a seus comandados a tarefa de eliminar o dirigente de uma gangue rival. Indagam, ainda, se seria razoável qualificar como partícipe quem, para a execução material de um fato típico, se serviu de um menor inimputável ou de um doente mental. Para estes doutrinadores, defensores da teoria do domínio do fato, aquelas pessoas são autênticos autores, pelo domínio que exercem sobre o acontecimento típico.
(iii) Teoria do Domínio do Fato – partindo da teoria restritiva, adota um critério objetivo-subjetivo, segundo o qual autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva. Da mesma forma, o “autor intelectual” de um crime é, de fato, considerado seu autor, pois não realiza o verbo do tipo, mas planeja toda a ação delituosa, coordena e dirige a atuação dos demais. É também considerado autor qualquer um que detenha o domínio pleno da ação, mesmo que não a realize materialmente. Há divergência doutrinária acerca da adoção desta teoria pelo CP, sendo certo que, atualmente, a corrente que defende sua adoção entre nós está em crescimento. OBS: Formas de autoria de acordo com a teoria do domínio do fato – existem três formas: a) autoria propriamente dita – é o executor, ou seja, aquele que realiza o núcleo da ação típica (o verbo do tipo); b) autoria intelectual – quem planeja toda a ação delituosa sem, no entanto, realizá-la materialmente (não pratica o verbo do tipo, mas idealiza e planeja a execução, que fica a cargo de outrem). É quem, sem executar diretamente a conduta típica, possui, não obstante, o domínio dela, porque planificou e organizou sua realização, podendo, por conseguinte, decidir sobre sua interrupção; c) autoria mediata – o agente, conhecido como “sujeito de trás”, serve-se de outra pessoa para, em seu lugar, como se fosse um instrumento de sua atuação, executar o verbo do tipo, ou seja, a ação principal. É quem, para executar a conduta típica, se serve como instrumento de um terceiro do qual abusa, a fim de obter que a realize materialmente. É aquele que, de forma consciente e deliberada, faz atuar por ele o outro cuja conduta não reúne todos os requisitos para ser punível.

AUTORIA MEDIATA NO CP (TEORIA RESTRITIVA) – autor mediato é aquele que se serve de pessoa sem condições de discernimento para realizar por ele a conduta típica. Ela é usada como um mero instrumento de atuação, como se fosse uma arma ou um animal irracional. O executor atua sem vontade ou consciência, considerando-se, por essa razão, que a conduta principal foi realizada pelo autor mediato. A autoria mediata distingue-se da intelectual porque nesta o autor intelectual atual como mero partícipe, concorrendo para o crime sem realizar a ação nuclear do tipo. É que o executor (o que recebeu a ordem ou promessa de recompensa) sabe perfeitamente o que está fazendo, não se podendo dizer que foi utilizado como instrumento de atuação. O executor é autor principal, pois realizou o verbo do tipo, enquanto o mandante atua como partícipe, pela instigação, induzimento ou auxílio. Importante frisar que na autoria mediata ocorre adequação típica direta, porque para o ordenamento jurídico foi o próprio autor mediato quem realizou o núcleo da ação típica, ainda que pelas mãos de outra pessoa. A autoria mediata pode resultar de (em todos os casos abaixo não foi a conduta do autor mediato que produziu o resultado, mas a de pessoa por ele usada como mero instrumento de seu ataque):
(i) Ausência de capacidade penal da pessoa da qual o autor mediato se serve (ex.: induzir um inimputável a praticar um crime).
(ii) Coação moral irresistível (o coator é autor mediato dos atos praticados pelo coato). OBS: Coação física – se a coação for física, haverá autoria imediata, pois desaparece a conduta do coato.
(iii) Provocação de erro de tipo escusável (ex.: o autor mediato induz o agente a matar um inocente, fazendo-o crer que estava em legítima defesa).
(iv) Obediência hierárquica (o autor mediato sabe que a ordem é ilegal, mas se aproveita do desconhecimento de seu subordinado).
OBS: 1) Hipóteses em que inexiste autoria mediata – não há autoria media nos crimes de mão própria, nem nos delitos culposos.
2) Inexistência de concurso de agentes entre o autor mediato e o executor usado – não há concurso de agentes entre o autor mediato e o executor usado.

TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS –
(i) Teoria unitária ou monista – todos os que contribuem para a prática do delito cometem o mesmo crime, não havendo distinção quanto ao enquadramento típico entre autor e partícipe. Daí decorre o nome da teoria: todos respondem por um único crime. É a teoria adotada, como regra, pelo CP (art. 29 CP). Assim, todos aqueles que, na qualidade de co-autores ou partícipes, deram a sua contribuição para o resultado típico devem por ele responder, vale dizer, todas as condutas amoldam-se ao mesmo tipo legal.
(ii) Teoria dualista – há dois crimes, quais sejam, um cometido pelos autores e um outro pelo qual respondem os partícipes. Não foi adotada pelo nosso CP.
(iii) Teoria pluralista ou pluralística – cada um dos participantes responde por delito próprios, havendo uma pluralidade de fatos típicos, de modo que cada partícipe será punido por um crime diferente. Foi adotada, em hipóteses excepcionais, pelo nosso CP.
OBS: 1) Desvio subjetivo de conduta – como se disse, a teoria pluralística foi adotada como exceção pelo nosso CP. Neste sentido, dispõe o §2º do art. 29 CP que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste (...)”. Com efeito, embora todos os co-autores e partícipes devam, em regra, responder pelo mesmo crime, excepcionalmente, com o fito de evitar-se a responsabilidade objetiva, o legislador determina a imputação por outra figura típica quando o agente quis participar de infração menos grave (ex.: motorista que conduz três larápios a uma residência para cometimento de um furto. Enquanto aguarda no carro os executores ingressarem no local e efetuarem a subtração sem violência (furto), estes acabam por encontrar uma moradora acordada, que tenta reagir e, por essa razão, é estuprada e morta. O partícipe que imaginava estar ocorrendo apenas um furto responderá somente por este crime, do qual quis tomar parte. O delito principal foi latrocínio e estupro, mas o partícipe só responderá por furto, único fato que passou pela sua mente - se o resultado mais grave for previsível, a pena ainda poderá ser aumentada até a metade, mas o delito continuará sendo o mesmo).
2) Outras exceções pluralísticas à regra unitária adotada pelo CP – há ainda outras exceções pluralísticas em que o partícipe responde como autor de crime autônomo: a) o provocador do aborto responde pela figura do art. 126 CP, ao passo que a gestante que consentiu as manobras abortivas, em vez de ser partícipe, responde por crime autônomo (art. 124 CP); b) na hipótese de casamento entre pessoa já casada e outra solteira, respondem os agentes, respectivamente, pelas figuras tipificadas no art. 235, “caput”, e §1º, CP; c) no crime de corrupção, pelo mesmo fato responderá o funcionário público pelo crime do art. 317 CP (corrupção passiva), enquanto o particular responderá pelo crime do art. 333 CP (corrupção ativa).

FORMAS DE CONCURSO DE PESSOAS –
(i) Co-autoria – todos os agentes, em colaboração recíproca e visando ao mesmo fim, realizam a conduta principal. É o cometimento comunitário de um fato punível mediante uma atuação conjunta consciente e querida. Ocorre a co-autoria, portanto, quando dois ou mais agentes, conjuntamente, realizam o verbo do tipo. A co-autoria é, em última análise, a própria autoria. Funda-se ela sobre o princípio da divisão do trabalho; cada autor colabora com sua parte no fato, a parte dos demais, na totalidade do delito e, por isso, responde pelo todo. A contribuição dos co-autores no fato criminoso não necessita, contudo, ser materialmente a mesma, podendo haver uma divisão dos atos executivos (ex.: no roubo, um exerce violência contra a vítima e outro lhe subtrai os bens; no estupro, um constrange enquanto o outro mantém a conjunção carnal; etc.). OBS: Impossibilidade de co-autoria em crime omissivo próprio – não cabe co-autoria em crime omissivo próprio, de modo que, se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma delas fazê-lo sem risco pessoal, ambas cometerão o crime de omissão de socorro, isoladamente, não se concretizando hipótese de concurso de agentes.
(ii) Participação – partícipe é quem concorre para que o autor ou co-autores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado (ex.: agente que exerce vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é partícipe, pois sem realizar a conduta principal – não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima – colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado). Dois aspectos definem a participação: a) vontade de cooperar com a conduta principal, mesmo que a produção do resultado fique na inteira dependência do autor; b) cooperação efetiva, mediante uma atuação concreta acessória da conduta principal.
a. Natureza jurídica – de acordo com a Teoria da Acessoriedade, a participação é uma conduta acessória à do autor, tida por principal. Considerando que o tipo penal somente contém o núcleo (verbo) e os elementos da conduta principal, os atos do partícipe acabam não encontrando qualquer enquadramento. Não existe descrição típica específica para quem auxilia, instiga ou induz outrem a realizar a conduta principal, mas tão-somente para quem pratica diretamente o próprio verbo do tipo. Desse modo, ao intérprete restaria a dúvida de como proceder à adequação típica nesses casos sem ofensa ao Princípio da Reserva Legal. Tratando-se de comportamento acessório e não havendo correspondência entre a conduta do partícipe e as elementares do tipo, faz-se necessária uma norma de extensão ou ampliação que leve a participação até o tipo incriminador. Essa norma funciona como uma ponte de ligação entre o tipo legal e a conduta do partícipe. Trata-se do art. 29 CP, segundo o qual quem concorrer, de qualquer forma, para um crime por ele responderá. Tal norma faz com que o agente que contribuiu para um resultado sem, no entanto, praticar o verbo possa ser enquadrado no tipo descritivo da conduta principal. Opera-se, assim, uma adequação típica mediata ou indireta. Não existe correspondência direta entre o comportamento e o tipo, uma vez que o partícipe não praticou o verbo do tipo, inexistindo, portanto, enquadramento. No entanto, por força do art. 29 CP, denominado norma de extensão, a figura típica é ampliada e alcança o partícipe. Essa norma é denominada pela doutrina “norma de extensão pessoal e espacial”. Pessoal porque estende o tipo, permitindo que alcance outras pessoas além do autor; espacial porque o tipo é ampliado no espaço, a fim de alcançar condutas acessórias distintas da realização do núcleo da ação típica. Há quatro teorias de acessoriedade:
i. Mínima – basta ao partícipe concorrer para um fato típico, pouco importando que não seja ilícito. Para essa corrente, quem, concorre para a prática de um homicídio acobertado pela legítima defesa responde pelo crime, pois só importa saber se o fato principal é típico. Não foi adotada pelo CP.
ii. Limitada – o partícipe só responde pelo crime se o fato principal é típico e ilícito. É a adotada pelo CP. A participação é uma conduta secundária, devendo o partícipe responder toda vez que o fato principal for típico e ilícito, ou seja, sempre que houver crime, sendo irrelevante se o autor é ou não imputável.
iii. Extremada – o partícipe somente é responsabilizado se o fato principal é típico, ilícito e culpável. Dessa forma, não responderá por crime algum se tiver concorrido para a atuação de um inimputável. Não foi adotada pelo CP.
iv. Hiperacessoriedade – o fato deve ser típico, ilícito e culpável, incidindo ainda sobre o partícipe todas as agravantes e atenuantes de caráter pessoal relativas ao autor principal. Responde por tudo e mais um pouco, portanto. Não foi adotada pelo CP.
b. Formas de participação – a participação pode ser:
i. Moral ou psicológica – é a instigação ou o induzimento. Instigar é reforçar uma idéia já existente. O agente já a tem em mente, sendo apenas reforçada pelo partícipe. Induzir é fazer brotar a idéia na mente do agente. O agente não tinha a idéia de cometer o crime, mas ela é colocada em sua mente pelo partícipe.
ii. Material – é o auxílio. É a forma de participação material que corresponde à antiga cumplicidade. Considera-se, assim, partícipe aquele que presta ajuda efetiva na preparação ou execução do delito. São os auxiliares de preparação do delito, os que proporcionam informações que facilitem a execução, ou os que fornecem armas ou outros objetos úteis ou necessários à realização do projeto criminoso; e da execução, aqueles que, sem realizar os respectivos atos materiais, nela tomam parte pela prestação de qualquer ajuda útil. OBS: Cumplicidade – o CP anterior ao de 1940 classificava os agentes do crime em autores e cúmplices. Ao lado da co-autoria (participação primária), existia a cumplicidade (participação secundária). Nessa sistemática era considerado autor que resolvia e executava o delito. O cúmplice desempenhava um papel subalterno, como, por exemplo, fornecer instrução para a prática do crime ou prestar auxílio à sua execução. O Código também estabelecia um critério classificador das várias formas de participação. No vigente CP, há apenas duas formas de concurso de agentes: co-autoria e participação nas suas diversas modalidades. O auxílio, como forma de participação, nada mais é do que a antiga cumplicidade sem as distinções outrora existentes. Há quem sustente (Mirabete) que cúmplice é aquele que contribui para o crime prestando auxílio ao autor ou partícipe, exteriorizando a conduta por um comportamento ativo (ex.: condução da vítima até o local do crime, revelação de horário de menor vigilância em banco, etc.). Entendemos que “cúmplice” é uma expressão que não se ajusta ao atual sistema da Parte Geral do CP. A legislação anterior não distinguia autor do partícipe, considerando toda e qualquer contribuição para o resultado, por mais ínfima que fosse, como co-autoria (teoria extensiva). Assim, se todas as condutas pertenciam a uma única categoria, no momento de dosar a pena de cada um dos co-autores seria necessário separar aqueles com atuação preponderante dos que apenas contribuíram de modo singelo para a eclosão do evento típico. Estes últimos eram chamados de meros cúmplices, o que significava serem autores de menor relevância, cuja pena deveria ser dosada mais próxima ao piso legal. Atualmente, como existe a distinção entre co-autores e partícipes, e, dentro desta última classificação, a menor participação, a expressão “cumplicidade perdeu todo e qualquer interesse.
c. Participação em crime culposo – há duas posições: 1ª Posição – Minoritária – tratando-se o crime culposo de tipo aberto, em que não existe descrição de conduta principal, dada a generalidade de sua definição, mas tão-somente previsão genérica (“se o crime é culposo...”), não há que se falar em participação, que é acessória. Desse modo, toda concorrência culposa para o resultado constituirá crime autônomo (ex.: motorista imprudente é instigado pelo passageiro a desenvolver velocidade incompatível com o local, vindo a atropelar e matar uma pessoa – ambos serão autores de homicídio culposo, não havendo que se falar em participação, uma vez que, dada a natureza do tipo legal, fica impossível detectar-se qual foi a conduta principal). 2ª Posição – Majoritária – mesmo no tipo culposo, que é aberto, é possível definir qual a conduta principal. No caso do homicídio culposo, por exemplo, a descrição típica é “matar alguém culposamente”; logo, quem matou é o autor e quem o auxiliou, instigou ou induziu à conduta culposa é o partícipe. Na hipótese acima ventilada, quem estava conduzindo o veículo é o principal responsável pela morte, pois foi quem na verdade matou a vítima. O acompanhante não matou ninguém, até porque não estava dirigindo o automóvel. Por essa razão, é possível apontar uma conduta principal (autoria) e outra acessória (participação).
OBS: Autor x partícipe – de acordo com o que dispõe o nosso CP, pode-se dizer que autor é aquele que realiza a ação nuclear do tipo (o verbo), enquanto partícipe é quem, sem realizar o núcleo (verbo) do tipo, concorre de alguma maneira para a produção do resultado ou para a consumação do crime.

REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS –
(i) Pluralidade de condutas – para que haja concurso de agentes, exigem-se, no mínimo, duas condutas, quais sejam, duas principais, realizadas pelos autores (co-autoria), ou uma principal e outra acessória, praticadas, respectivamente, por autor e partícipe. Uma só conduta não caracteriza o concurso de pessoas.
(ii) Relevância causal de todas elas – se a conduta não tem relevância causal, isto é, se não contribuiu em nada para a produção do resultado, não pode ser considerada como integrante do concurso de pessoas. Assim, por exemplo, não se pode falar em concurso quando a outra conduta é praticada após a consumação do delito. Se ela não tem relevância causal, então o agente não concorreu para nada, desaparecendo o concurso. OBS: Participação posterior à consumação – considerando a necessidade de relevância causal da conduta do co-autor ou partícipe, somente poderá ser considerado como tal o agente cuja conduta contribuir para a produção do resultado típico. Desse modo, o fato que constitui a co-autoria ou a participação deve ser realizado antes ou durante o delito, nunca depois da consumação. Se posterior, não será considerado concurso de agentes, mas crime autônomo (ex.: furto de veículo automotor com a finalidade de transporte para outro país – o agente que, sem tomar parte na subtração, recebe o veículo apenas com esse objetivo não será considerado partícipe de furto qualificado, mas autor de receptação, pois sua atuação deu-se após a produção do resultado consumativo).
(iii) Liame subjetivo ou concurso de vontades – é imprescindível a unidade de desígnios, ou seja, a vontade de todos de contribuir para a produção do resultado, sendo o crime produto de uma cooperação desejada e recíproca. Sem que haja um concurso de vontades objetivando um fim comum, desaparecerá o concurso de agentes, surgindo em seu lugar a chamada autoria colateral, com todas as conseqüências que serão adiante estudadas. É necessária a homogeneidade de elemento subjetivo, não se admitindo participação dolosa em crime culposo e vice-versa. Embora imprescindível que as vontade se encontrem para a produção do resultado, não se exige prévio acordo, bastando que uma vontade adira à outra (ex.: empregada que deixa porta da casa aberta em área de intensa criminalidade, objetivando que a casa seja roubada – será partícipe do crime de roubo, sem que os ladrões saibam que foram ajudados). D´outro turno, tendo em vista a necessidade de liame subjetivo, é impossível a participação culposa em crime doloso, da mesma forma como não há participação dolosa em crime culposo.
(iv) Identidade de infração para todos – tendo sido adotada a teoria unitária ou monista, em regra, todos, co-autores e partícipes, devem responde pelo mesmo crime, ressalvadas apenas as exceções pluralísticas.

ESPÉCIES DE CRIMES QUANTO AO CONCURSO DE PESSOAS –
(i) Monossubjetivos ou de concurso eventual – são aqueles que podem ser cometidos por um ou mais agentes. Quando cometidos por duas ou mais pessoas em concurso, haverá co-autoria ou participação, dependendo da forma como os agentes concorrerem para a prática do delito, mas tanto uma como outra podem ou não ocorrer, sendo ambas eventuais. O sujeito pode cometer um homicídio sozinho, em co-autoria com alguém, ou ainda, ser favorecido pela participação de um terceiro que auxilie, instigue ou induza. Os crimes monossubjetivos ou de concurso eventual constituem a maioria dos crimes previstos na legislação penal, tais como o homicídio, furto, etc.
(ii) Plurrissubjetivos ou de concurso necessário – são os que só podem ser praticados por uma pluralidade de agentes em concurso. Aqui, a norma incriminadora, no seu preceito primário, reclama, como conditio sine qua non do tipo, a existência de mais de um autor, de maneira que a conduta não pode ser praticada por uma só pessoa. A co-autoria é obrigatória, podendo haver ou não a participação de terceiros. Assim, tal espécie de concurso de pessoas reclama sempre a co-autoria, mas a participação pode ou não ocorrer, sendo, portanto, eventual. É o caso da quadrilha ou bando, rixa, etc. Os crimes de concurso necessário subdividem-se em:
a. Delitos de condutas paralelas – as condutas auxiliam-se mutuamente, visando à produção de um resultado comum. Todos os agentes unem-se em prol de um objetivo idêntico, no sentido de concentrar esforços para a realização do crime. É o caso da quadrilha ou bando (art. 288 CP), em que todas as condutas voltam-se para a consecução do mesmo fim, no caso, a prática de crimes.
b. Delitos de condutas convergentes – as condutas tendem a encontrar-se, e desse encontro surge o resultado. Não se voltam, portanto, para a frente, para o futuro, na busca de um resultado delituoso, mas, ao contrário, uma se dirige à outra, e desse encontro resulta o delito (ex.: crime de adultério – art. 240 CP).
c. Delitos de condutas contrapostas – as condutas são praticadas umas contra as outras. Os agentes são, ao mesmo tempo, autores e vítimas (ex.: crime de rixa – art. 137 CP).

CONCEITOS FINAIS –
(i) Autoria colateral – mais de um agente realiza a conduta, sem que exista liame subjetivo entre eles (ex.: A e B matam simultaneamente a vítima, sem que um conheça a conduta do outro). Ante a falta de unidade de desígnios, cada um responderá pelo crime que cometeu, ou seja, no exemplo dado, um será autor de homicídio consumado e o outro de homicídio tentado, sendo inaplicável a teoria unitária ou monista.
(ii) Autoria incerta – ocorre quando, na autoria colateral (logo só ocorre neste caso), não se sabe quem foi o causador do resultado. No exemplo acima, surgirá a autoria incerta quando for impossível determinar-se qual dos dois executores efetuou o disparo causador da morte. Sabe-se quem realizou a conduta, mas não quem deu causa ao resultado. Nesse caso, aplicando-se o Princípio do In Dubio Pro Reo, ambos devem responder pelo crime tentado (no exemplo dado, tentativa de homicídio).
(iii) Autoria desconhecida ou ignorada – não se consegue apurar sequer quem foi o realizador da conduta. Difere da autoria incerta porque, enquanto nesta sabe-se quem foram os autores, mas não quem produziu o resultado, na autoria ignorada não se sabe nem quem praticou a conduta. A conseqüência, nesse caso, é o arquivamento do inquérito policial, por ausência de indícios.
(iv) Participação da participação – quando ocorre uma conduta acessória de outra conduta acessória. É o auxílio do auxílio, o induzimento ao instigador, etc.
(v) Participação sucessiva – ocorre quando o mesmo partícipe concorre para a conduta principal de mais de uma forma. Por exemplo, em primeiro lugar auxilia ou induz, em seguida instiga, e assim por diante. Não há auxílio do auxílio, mas uma relação direta entre partícipe e autor, pela qual o primeiro concorre de mais de uma maneira.
(vi) Conivência ou participação negativa (“crimen silenti”) – ocorre quando o sujeito, sem ter o dever jurídico de agir, omite-se durante a execução do crime, quando tinha condições de impedi-lo. A conivência não se insere no nexo causal, como forma de participação, não sendo punida, salvo se constituir delito autônomo. Assim, a tão-só ciência de que outrem está para cometer ou comete um crime, sem a existência do dever jurídico de agir, não configura participação por omissão.
(vii) Participação por omissão – dá-se quando o sujeito, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado (art. 13, §2º, CP), omite-se intencionalmente, desejando que ocorra a consumação. A diferença em relação à conivência é que nesta não há o dever jurídico de agir, afastando-se, destarte, a participação. Já no caso da participação por omissão, como o omitente tinha o dever de evitar o resultado, por este responderá na qualidade de partícipe. Para que se caracterize a participação por omissão é necessário que ocorram os elementos de ser uma conduta inativa voluntária, quando ao agente cabia, na circunstância, o dever jurídico de agir, e ele atua com a vontade consciente de cooperar no fato (ex.: se um empregado que deve fechar a porta de um estabelecimento comercial não o faz para que terceiro possa mais tarde praticar uma subtração, há participação criminosa no furto, em decorrência do não-cumprimento do dever jurídico de impedir o resultado).
(viii) Participação em crime omissivo – não se confunde com a participação por omissão acima estudada. A participação em crime omissivo consiste em uma atitude ativa do agente, que auxilia, induz ou instiga outrem a omitir a conduta devida (ex.: se o agente instiga outrem a não efetuar o pagamento de sua prestação alimentícia, responderá pela participação no crime de abandono material; assim também ocorre quanto à conduta do paciente que convence o médico a não comunicar à autoridade competente a moléstia de que é portador e cuja notificação é compulsória). Pode-se concorrer por omissão em crime comissivo, como se pode concorrer por ação em crime omissivo próprio ou impróprio.
(ix) Co-autoria parcial ou funcional – conceito adotado pela Teoria do Domínio do Fato. Os atos executórios do iter criminis são distribuídos entre os diversos autores, de modo que cada um é responsável por um elo da cadeia causal, desde a execução até o momento consumativo. As colaborações são diferentes, constituindo partes e dados de união da ação coletiva, de forma que a ausência de uma faria frustrar-se o delito.
(x) Multidão delinqüente – é o caso do linchamento ou crimes praticados sob influência de multidão em tumulto. Os agentes responderão pelo crime em concurso, tendo, no entanto, direito à atenuante genérica prevista no art. 65, III, “e”, do CP.
(xi) Participação impunível – ocorre quando o fato principal não chega a ingressar em sua fase executória. Como antes disso o fato não pode ser punido, a participação também restará impune (art. 31 CP).

COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS – pela regra do art. 30 CP, “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Assim, de acordo com essa redação, as circunstâncias pessoais somente se comunicam ao co-autor ou ao partícipe quando não forem circunstâncias, mas elementares. Podemos, então, extrair três regras:
(i) As circunstâncias subjetivas, também chamadas de circunstâncias de caráter pessoal, jamais se comunicam no concurso de agentes.
(ii) As circunstâncias objetivas, de caráter não pessoal, podem comunicar-se, desde que o co-autor ou partícipe delas tenha conhecimento.
(iii) As elementares, pouco importando se subjetivas (de caráter pessoal) ou objetivas (de caráter não pessoal), sempre se comunicam.


SANÇÃO PENAL

ESPÉCIES – a sanção penal comporta duas espécies: a pena e a medida de segurança.

PENA – é sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.
(i) Finalidades – as finalidades da pena são explicadas por três teorias:
a. Teoria absoluta ou da retribuição – a finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico.
b. Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção – a pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime. A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinqüir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinqüem porque têm medo de receber a punição).
c. Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliatória – a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva.
(ii) Características –
a. Legalidade – a pena deve estar prevista em lei vigente, não se admitindo seja cominada em regulamento ou ato normativo infralegal (art. 1º CP e art. 5º, XXXIX, CF).
b. Anterioridade – a lei já deve estar em vigor na época em que for praticada a infração penal (art. 1º CP e art. 5º, XXXIX, CF).
c. Personalidade – a pena não pode passar da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, CF). Assim, a pena de multa, ainda que considerada dívida de valor para fins de cobrança, não pode ser exigida dos herdeiros do falecido.
d. Individualidade – a sua imposição e cumprimento deverão ser individualizados de acordo com a culpabilidade e o mérito do sentenciado (art. 5º, XLVI, CF).
e. Inderrogabilidade – salvo as exceções legais, a pena não pode deixar de ser aplicada sob nenhum fundamento. Assim, por exemplo, o juiz não pode extinguir a pena de multa levando em conta o seu valor irrisório.
f. Proporcionalidade – a pena deve ser proporcional ao crime praticado (art. 5º, XLVI e XLVII, CF).
g. Humanidade – não são admitidas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, perpétuas (art. 75 CP), de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (art. 5º, XLVII, CF).
(iii) Classificação – as penas classificam-se em:
a. Privativas de liberdade
b. Restritivas de direitos
c. Pecuniárias

PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE –
(i) Regimes penitenciários – (VER MUDANÇAS NA LEP – REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO)
a. Fechado – cumpre a pena em estabelecimento penal de segurança máxima ou média.
b. Semi-aberto – cumpre a pena em colônia penal agrícola, industrial ou em estabelecimento similar.
c. Aberto – trabalha ou freqüenta cursos em liberdade, durante o dia, e recolhe-se em Casa do Albergado ou estabelecimento similar à noite e nos dias de folga. No regime aberto, o condenado fica em liberdade desvigiada durante o dia. OBS: Casa do Albergado x Prisão-albergue domiciliar – a Casa do Albergado destina-se ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (art. 93 LEP). Entretanto, a LEP criou uma modalidade de prisão domiciliar, relativa ao cumprimento da pena imposta por decisão transitada em julgado. Com efeito, estabeleceu as hipóteses em que o condenado em regime aberto pode recolher-se em sua própria residência, em vez da Casa do Albergado: a) condenado maior de 70 anos (a idade a que se refere a lei é a do momento da execução); b) condenado acometido de doença grave; c) condenada gestante; d) condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental. No tocante a esta última hipótese, a prisão-albergue domiciliar também poderá ser estendida ao sentenciado do sexo masculino, por aplicação analógica (neste sentido, STJ).
(ii) Regras aplicáveis aos regimes fechado e semi-aberto –
a. Exame criminológico –
i. Regime fechado – no início do cumprimento da pena, o condenado será submetido a exame criminológico de classificação para individualização da execução (art. 34 CP c.c. art. 8º LEP).
ii. Regime semi-aberto – o CP dispõe que é necessária a sua realização antes do ingresso nesse regime (art. 35 CP), mas a LEP prevê que tal exame não será obrigatório, podendo ou não ser realizado (art. 8º, § único). Diante da contradição entre o art. 35 CP e o art. 8º, § único da LEP, deve prevalecer a regra da LEP, que é posterior e especial em relação ao CP.
b. Trabalho interno – o condenado fica sujeito a trabalho interno durante o dia, de acordo com suas aptidões ou ocupações anteriores à pena. O trabalho é um direito social de todos (art. 6º CF), sendo certo que a LEP estabelece as seguintes regras:
i. Finalidade – o trabalho do condenado tem finalidade educativa e produtiva (art. 28 LEP).
ii. Remuneração – o trabalho é remunerado, não podendo tal remuneração ser inferior a 3/4 do salário mínimo (arts. 39 CP e 29 LEP).
iii. Previdência Social – o preso tem direito aos benefícios da Previdência Social (arts. 39 CP e 41, III, LEP).
iv. Inaplicabilidade da CLT – não se sujeita o trabalho do preso ao regime da CLT e à legislação trabalhista, uma vez que não decorre de contrato livremente firmado com o empregador, sujeitando-se o regime de direito público (art. 28, §2º, LEP).
v. Dever / falta grave– o trabalho interno é dever do preso (arts. 31 e 39, V, LEP), sendo certo que a recusa deste ao trabalho constitui falta grave (art. 50, VI, LEP).
vi. Falta grave – conseqüências – aplicada falta grave, o preso perderá direito a todo o tempo remido (art. 127 LEP).
vii. Preso provisório e político estão desobrigados do trabalho – o preso provisório e o preso político não estão obrigados ao trabalho (art. 31, § único, e art. 200 da LEP).
viii. Atribuição de trabalho – na atribuição do trabalho, deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso (art. 32 LEP).
ix. Jornada de trabalho – a jornada normal de trabalho não será inferior a 6, nem superior a 8, com descanso nos domingos e feriados (art. 33 LEP), sendo certo que os serviços de manutenção e conservação do estabelecimento penal pode ter horário especial (art. 33, § único, LEP).
c. Trabalho externo – é admissível o trabalho fora do estabelecimento carcerário, em serviços ou obras públicas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina (arts. 34, §3º, CP e 36 LEP). Relativamente ao trabalho externo, a LEP estabelece as seguintes regras:
i. Limite – o limite máximo de presos corresponderá a 10% do total de empregados da obra (art. 36, §1º, LEP).
ii. Equivalência de direitos com o trabalho interno – o trabalho externo confere os mesmos direitos do trabalho interno.
iii. Requisitos – o trabalho externo exige o preenchimento dos seguintes requisitos:
1. Aptidão
2. Disciplina
3. Responsabilidade
4. Cumprimento de 1/6 da pena.
iv. Indispensabilidade do Exame Criminológico – é indispensável o exame criminológico antes de autorizar o trabalho externo, pois não existe outro meio de avaliar se o condenado preenche os requisitos subjetivos para o benefício.
v. Necessidade de autorização – o trabalho externo depende de autorização administrativa do diretor do estabelecimento.
d. Autorizações de saída – são benefícios aplicáveis aos condenados em regime fechado ou semi-aberto e subdividem-se em permissão de saída e saída temporária.
i. Permissão de saída – os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:
1. Falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão.
2. Necessidade de tratamento médico.
OBS: 1) Competência para concessão de permissão de saída – o § único do art. 120 da LEP confere atribuição para conceder a permissão de saída ao diretor do estabelecimento onde se encontra o preso. Trata-se, portanto, de medida meramente administrativa. Entretanto, nada impede que o juiz da execução, tendo competência administrativa originária para as autorizações de saída (art. 66, VI), possa conceder a permissão, em caso de injusta recusa por parte da autoridade administrativa.
2) Prazo de duração da permissão de saída – de acordo com o disposto no art. 121 LEP, a permanência do preso fora do estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída.
ii. Saída temporária – conforme o art. 122 LEP, os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, isto é, sem escolta. A saída temporária não se aplica ao preso em regime fechado, tendo em vista a natureza mais reclusa dessa forma de cumprimento de pena, incompatível com a liberação sem vigilância, ainda que temporária. Também não deverá ser concedida na hipótese de regime aberto, uma vez que o condenado não precisa sair, pois já está em liberdade durante todo o dia (em sentido contrário, há decisão do STF que entende admissível no caso de regime aberto, pois caso contrário conduziria a uma absurda situação paradoxal, eis que o que cumpre pena em regime mais grave (semi-aberto) teria direito a um benefício legal negado ao que, precisamente por estar em regime aberto, demonstrou possuir condições pessoais maus favoráveis de reintegração à vida comunitária). Finalmente, não se admite saída temporária para preso provisório, pois ele não é “condenado”, nem “cumpre pena em regime semi-aberto”. Sua prisão tem natureza cautelar e a ele não se aplicam direitos e deveres próprios de quem se encontra cumprindo pena
1. Hipóteses – a saída temporária poderá ser deferida nos seguintes casos:
a. Visita à família.
b. Freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do segundo grau ou superior, na comarca do juízo da execução.
c. Participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
2. Requisitos – a autorização será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o MP e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
a. Comportamento adequado.
b. Cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e 1/4, se reincidente. OBS: Súmula 40 STJ – necessário ressaltar que, se o preso veio do regime fechado, onde já cumpriu 1/6 para a progressão, esse período será computado para fins de obtenção de saída temporária, sendo desnecessário cumpri-lo novamente no regime semi-aberto para ter direito à saída temporária. Nesse sentido, a Súmula 40 STJ dispõe: “para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado”.
c. Compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
3. Competência para conceder a saída temporária – a competência para conceder a saída temporária é do juiz da execução, nos termos dos arts. 66, IV, e 123 da LEP, tratando-se, portanto, de ato jurisdicional, que pressupõe motivação da decisão e prévia manifestação do sentenciado e do representante do MP.
4. Prazo de duração da saída temporária – estabelece o art. 124 LEP que a autorização será concedida por prazo não superior a 7 dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano, mas o § único deste artigo ressalta que “quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de segundo grau ou superior, o tempo da saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes”, até porque dificilmente haveria um curso de apenas 7 dias de duração, por quatro vezes ao ano.
5. Revogação e recuperação do benefício – dispõe o art. 125 LEP que o benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso. Sendo automática a revogação, o juízo da execução poderá determiná-la “ex officio”, mesmo sem prévio requerimento do MP. Seu § único assegura que a recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.
e. Remição – é o direito que o condenado em regime fechado ou semi-aberto tem de, a cada 3 dias de trabalho, descontar um dia de pena. Deve-se atentar para o fato de que a lei não fala em “remissão”, pois não quer dar a idéia de perdão ou indulgência ao preso, mas em “remição”, visto que se trata de um verdadeiro pagamento: o condenado está pagando um dia de pena com 3 de trabalho. OBS: 1) Falta de oferecimento de condições de trabalho ao preso – o preso que pretende trabalhar, mas não consegue porque o estabelecimento não lhe oferece condições (como no caso de cadeias superlotadas), não tem direito ao desconto. Para ter acesso ao benefício é imprescindível o efetivo trabalho. A mera vontade de trabalhar não passa de um desejo, uma boa intenção, uma mera expectativa de direito. 2) Acidente do trabalho – se o preso já vinha trabalhando e sofre acidente do trabalho, ficando impossibilitado de prosseguir, continuará o preso a beneficiar-se da remição (art. 126, §2º, LEP). É a única hipótese em que o preso terá direito de remir o tempo de pena sem trabalhar. 3) Competência para o reconhecimento de remição – a remição será declarada pelo juiz da execução, ouvido o MP (art. 126, §3º, LEP). 4) Necessidade de jornada completa de trabalho e desconsideração de horas extras – somente pode ser considerada, para os fins de remição, a jornada completa de trabalho, ou seja, aquele que trabalhar menos de 6 horas em um dia não terá direito ao desconto; por outro lado, não é possível ao condenado aproveitar o que exceder a 8 horas de trabalho em um dia. 4) Falta grave e perda do direito ao tempo remido – o condenado que for punido por falta grave perderá direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar (art. 127 LEP). 5) Remição e livramento condicional – o tempo remido será computado para fins de livramento condicional (art. 128 LEP).
(iii) Espécies de penas privativas de liberdade e regimes penitenciários iniciais –
a. Reclusão –
i. Pena superior a 8 anos – inicia o seu cumprimento em regime fechado.
ii. Pena superior a 4 e não excedente de 8 anos – inicia seu cumprimento em regime semi-aberto.
iii. Pena igual ou inferior a 4 anos – inicia seu cumprimento em regime aberto.
iv. Condenado reincidente – inicia sempre em regime fechado, não importando a quantidade da pena imposta. OBS Possibilidade excepcional de fixação do regime aberto – há uma possibilidade excepcional de o juiz conceder o regime aberto ao sentenciado a reclusão, mesmo que reincidente. O STF permitiu que, embora reincidente, o sentenciado anteriormente condenado a pena de multa pudesse iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, desde que sua pena fosse igual ou inferior a 4 anos, com base no art. 77, §1º, CP, que permite a concessão de sursis ao sentenciado que, embora reincidente, foi condenado anteriormente apenas à pena de multa.
v. Circunstâncias do art. 59 CP desfavoráveis – inicia seu cumprimento em regime fechado. Não se tratando de pena superior a 8 anos, a imposição de regime inicial fechado depende de fundamentação adequada em face do que dispõem as alíneas “b”, “c” e “d” do §2º do art. 33 CP e também o §3º c.c. o art. 59 do mesmo diploma. OBS: Gravidade do delito – por si só não basta para determinar a imposição de regime inicial fechado, sendo imprescindível verificar o conjunto das circunstâncias de natureza objetiva e subjetiva previstas no art. 59 CP, tais como grau de culpabilidade, personalidade, conduta social, antecedentes, etc., salvo se devido a quantidade da pena for obrigatório aquele regime.
b. Detenção –
i. Pena superior a 4 anos – inicia o seu cumprimento em regime semi-aberto.
ii. Pena igual ou inferior a 4 anos – inicia seu cumprimento em regime aberto.
iii. Condenado reincidente – inicia no regime mais gravoso existente, isto é, no regime semi-aberto, não importando a quantidade da pena imposta. OBS Possibilidade excepcional de fixação do regime aberto – há uma possibilidade excepcional de o juiz conceder o regime aberto ao sentenciado a reclusão, mesmo que reincidente. O STF permitiu que, embora reincidente, o sentenciado anteriormente condenado a pena de multa pudesse iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, desde que sua pena fosse igual ou inferior a 4 anos, com base no art. 77, §1º, CP, que permite a concessão de sursis ao sentenciado que, embora reincidente, foi condenado anteriormente apenas à pena de multa.
iv. Circunstâncias do art. 59 CP desfavoráveis – o juiz pode determinar que o cumprimento da pena se inicie no regime semi-aberto, independentemente da quantidade de pena imposta.
OBS: Inexistência de regime inicial fechado na detenção mas possibilidade de sua imposição em virtude de regressão – não existe regime inicial fechado na pena de detenção (art. 33 CP), a qual começa obrigatoriamente em regime semi-aberto ou aberto. O STJ já decidiu que o regime inicial de cumprimento da pena de detenção deve ser o aberto ou semi-aberto, admitindo o regime fechado apenas em caso de regressão (Súmula 269 STJ).
c. Prisão simples – destinada apenas às contravenções penais. Também não existe regime inicial fechado, devendo a pena ser cumprida em semi-aberto ou aberto, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, sem rigor penitenciário (art. 6º da LCP). A diferença, em relação à pena de detenção, é que a lei não permite o regime fechado nem mesmo em caso de regressão, ao contrário do que acontece na pena de detenção. A regressão, quanto à pena de prisão simples, só ocorre do regime aberto para o semi-aberto.
OBS: Sentença omissa quanto ao regime inicial – se não houver expressa menção quanto ao regime inicial, a dúvida deve ser resolvida em prol do regime mais benéfico, desde que juridicamente cabível (ex.: réu primário condenado a 6 anos de reclusão, sem que a sentença faça qualquer referência quanto ao regime inicial. Sendo possíveis, na hipótese, tanto o fechado quanto o semi-aberto, a pena deverá ser cumprida neste último, por ser mais brando).
(iv) Soma e unificação de penas para aplicação da regra do concurso de crimes – o regime inicial de cumprimento de pena será determinado de acordo com o total imposto, seja este resultante da soma, como no caso de concurso material ou formal imperfeito, seja da aplicação do critério da exasperação, na hipótese de concurso formal perfeito e crime continuado. Se houver alguma pena de reclusão, o regime inicial será determinado de acordo com o montante a ser cumprido (se superior a 8 anos, regime fechado; se superior a 4, mas não exceder 8, semi-aberto; etc.), salvo em se tratando de reincidente, caso em que o regime inicial será obrigatoriamente fechado. Se todas as penas impostas forem de detenção, na pior das hipóteses o regime inicial será o semi-aberto, pois só existe regime fechado na pena de detenção em caso de regressão. Sobrevindo alguma nova condenação durante a execução, a nova pena será somada ou unificada com o restante e sobre o total far-se-á o cálculo do novo regime a ser cumprido (ex.: se quando faltavam 2 anos de detenção, sobreviessem 7 anos de reclusão, em virtude de novo processo, os 9 anos restantes – 2 de detenção e 7 de reclusão) teriam que ser cumpridos em regime fechado). No caso de condenações provenientes de diferentes processos, procede-se, inicialmente, ao cálculo de soma ou unificação de penas (quando houver conexão ou continência entre os crimes) e, em seguida, de acordo com o total a que se chegar, fixa-se o regime inicial.
(v) Progressão de regime – a sentença penal condenatória, ao transitar em julgado, o faz com a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, será imutável apenas enquanto os fatos permanecerem como se encontram. A alteração da situação fática existente ao tempo da condenação faz com que o Juízo da execução promova as necessárias adaptações a fim de adequar a decisão à nova realidade. Assim, o fato de alguém ter recebido um determinado regime de cumprimento da pena não significa, salvo algumas exceções, que tenha de permanecer todo o tempo nesse mesmo regime. O processo de execução é dinâmico e, como tal, está sujeito a modificações. Todavia, o legislador previu a possibilidade de alguém, que inicia o cumprimento de sua pena em um regime mais gravoso (fechado ou semi-aberto), obter o direito de passar a uma forma mais branda e menos expiativa de execução. A isso denomina-se progressão de regime. Trata-se da passagem do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave, de cumprimento da pena privativa de liberdade, desde que satisfeitas as exigências legais.
a. Requisitos –
i. Objetivo – cumprimento de 1/6 da pena em regime anterior. A cada nova progressão exige-se o requisito temporal. O novo cumprimento de 1/6 da pena, porém, refere-se ao restante da pena e não à pena inicialmente fixada na sentença (nesse sentido, STJ), ante o princípio de que pena cumprida é pena extinta (art. 113 CP).
ii. Subjetivo – compreende o mérito do acusado. O mérito significa o preenchimento de uma série de requisitos de ordem pessoal, tais como a autodisciplina, o senso de responsabilidade do sentenciado e o esforço voluntário e responsável deste em participar do conjunto das atividades destinadas a sua harmônica integração social, avaliado de acordo com seu comportamento perante o delito praticado, seu modo de vida e sua conduta carcerária.
b. O que deve anteceder a decisão judicial que determina a progressão – a decisão sobre a progressão deverá ser sempre motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação, e ainda, sempre que o juiz da execução entender necessário, de exame criminológico (art. 112, § único, LEP). OBS: 1) Desobrigatoriedade de realização do exame criminológico – a LEP, em seu art. 112, § único, deixa claro que o exame criminológico não é imprescindível (há posicionamento jurisprudencial em sentido contrário). O exame será realizado só quando necessário, podendo ser dispensado em razão de depoimento do diretor do presídio, carcerários, etc. Este exame só é obrigatório no início do cumprimento da pena em regime fechado. 2) Obrigatoriedade do parecer da Comissão Técnica de Classificação – o parecer da Comissão Técnica de Classificação, contudo, é indispensável, cabendo-lhe elaborar o programa individualizador e o acompanhamento da execução da pena. Deve ainda propor à autoridade competente as progressões e regressões dos regimes, conforme dispõe o art. 6º LEP.
c. Vedação à progressão por salto – a progressão por salto consiste na passagem direta do regime direto para o aberto. Não é permitida pela LEP, a qual exige o cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior. Por essa razão, a lei vigente torna obrigatória a passagem pelo regime intermediário (semi-aberto). Na exposição de Motivos da LEP, afirma-se claramente que “se o condenado estiver no regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto”. Exceção – só há um caso em que a jurisprudência admite a progressão de regime com salto: quando o condenado já cumpriu 1/6 da pena no regime fechado, não consegue passagem para o semi-aberto por falta de vagas, permanece mais 1/6 no fechado e acaba por cumprir esse 1/6 pela segunda vez. Nesse caso, entende-se que, ao cumprir o segundo 1/6 no fechado, embora estivesse de fato nesse regime, juridicamente se encontrava no semi-aberto, não se podendo alegar que houve, verdadeiramente, um salto.
d. Regras específicas aplicáveis à progressão para o regime aberto –
i. Requisitos –
1. Exige-se senso de responsabilidade e autodisciplina do condenado (art. 36 CP).
2. Estar trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo.
3. Apresentar mérito para a progressão.
4. Aceitar as condições impostas pelo juiz. As condições podem ser:
a. Gerais ou obrigatórias – são aquelas previstas no art. 115 da LEP:
i. Permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga.
ii. Sair para o trabalho e retornar nos horários fixados.
iii. Não se ausentar da cidade onde reside sem autorização judicial.
iv. Comparecer a juízo para informar a justificar as suas atividades, quando for determinado.
b. Especiais – além das condições obrigatórias, o juiz da execução, se quiser, poderá impor outras a seu critério. Essas condições são afetas ao juízo discricionário do juiz da execução, que poderá estabelecê-las, segundo seu prudente arbítrio, levando em conta a natureza do delito e as condições pessoais do autor (ex.: proibição de freqüentar determinados lugares, não trazer consigo armas ou instrumentos capazes de ofender a integridade corporal de outrem, etc.). Prevê o art. 116 LEP a possibilidade de o juiz modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do MP, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem.
OBS: 1) Progressão de regime e Lei dos Crimes Hediondos – no caso de condenação pela prática de crime hediondo, terrorismo e tráfico ilícito de entorpecentes, está proibida a progressão de regime, uma vez que o art. 2º, §1º, da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) determina que o cumprimento da pena se faça em regime integralmente fechado, vedando a passagem ao regime semi-aberto e ao aberto. O regime fechado, portanto, será não apenas inicial, mas integral, pouco importando que a pena seja inferior a 8 anos ou que o condenado seja primário e portador de bons antecedentes. É assente na jurisprudência do STF e do STJ o entendimento no sentido da constitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8072/90, que impõe o cumprimento da pena integralmente em regime fechado. Não há que se falar em ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), uma vez que o próprio constituinte autorizou o legislador a conferir tratamento mais severo aos crimes definidos como hediondos, ao tráfico ilícito de entorpecentes e ao terrorismo, não excluindo desse maior rigor a proibição de progressão de regime. Por outro lado, não consta em nenhuma passagem do Texto Constitucional que o legislador inferior não possa estabelecer regras mais rigorosas para o cumprimento da pena em delitos considerados, pelo próprio constituinte, como de grande temibilidade social.
2) Progressão de regime no crime de tortura e a polêmica de sua extensão aos demais crimes hediondos – pretendendo agravar a resposta penal daqueles que viessem a cometer crime de tortura, a Lei 9455/97, em seu art. 1º, §7º, dispôs que “o condenado por crime previsto nesta Lei iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. Ao empregar o verbo “iniciará”, o legislador, esquecendo-se que a Lei dos Crimes Hediondos proibia totalmente a progressão de regime, previu que o regime fechado seria apenas inicial e não integral, no caso da tortura. Com isso, enquanto os crimes hediondos, o terrorismo e o tráfico de drogas continuam sendo cumpridos integralmente no regime fechado, a tortura passou a admitir a passagem para o semi-aberto e o aberto, dado que a pena somente começa a ser cumprida no fechado. Tratando-se de lei especial, o benefício não pode ser estendido para os outros crimes. No entanto, poderá surgir outra posição, no seguinte sentido: se a tortura encontras-se prevista no mesmo dispositivo constitucional do terrorismo, do tráfico de drogas e dos crimes hediondos (art. 5º, XLIII, CF), isso quer dizer que para o constituinte todos são delitos de idêntica gravidade. Dito isso, violaria o princípio da proporcionalidade conferir tratamento penal diferenciado e resposta penal de diversa severidade para delitos que produzem o mesmo dano e repulsa social. Daí por que, em face da Lei 9455/97, a progressão de regime passou a ser possível para todos os delitos previstos na Lei 8072/90, já existindo uma decisão do STJ neste sentido. Em sentido contrário, afirmando que a Lei 9455/97 não derrogou o art. 2º, §1º, da Lei 8072/90, e que, portanto, continua probida a progressão de regime para os crimes hediondos, posicionou-se o Plenário do Supremo Tribunal Federal.
3) Falta de vaga no regime semi-aberto – a alegação de falta de instituição para cumprimento da pena no regime semi-aberto não autoriza ao magistrado a oportunidade de conceder regime aberto ou prisão albergue domiciliar ao sentenciado que se encontra cumprindo pena em regime fechado. A evolução do regime prisional fechado há que ser, obrigatoriamente, para o regime semi-aberto, conforme gradação estabelecida no art. 33, §1º, CP. Observe-se que a questão não é pacífica, havendo posicionamento jurisprudencial, inclusive do próprio STJ, no sentido de que o problema é atribuível ao Estado, não podendo o condenado responder pela ineficiência do Poder Público.
4) Inexistência de Casa do Albergado na comarca e prisão domiciliar – há duas posições na doutrina e na jurisprudência, relativas à possibilidade de imposição de prisão domiciliar ao condenado em regime aberto em comarca na qual inexista Casa do Albergado: 1ª Posição – Majoritária – dispõe o art. 117 LEP que somente se admitirá o recolhimento em residência particular quando se tratar de condenado que esteja em uma das situações estabelecidas no referido dispositivo: condenado maior de 70 anos, acometido de doença grave, condenada gestante, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental. A inexistência de vaga na comarca não se encontra enumerada entre as hipóteses legais autorizadoras da prisão domiciliar, nem tampouco é hipótese assemelhada a uma daquelas, de maneira que não se pode falar em aplicação do dispositivo por analogia, que, como se sabe, só é possível entre casos semelhantes. Por esta razão, o condenado deve ser recolhido à cadeia pública ou outro presídio comum, em local adequado, e não deixado em inteira liberdade. 2ª Posição – Minoritária – o condenado não pode ser punido pela ineficiência do Estado. O argumento principal é o de que a LEP fixou prazo de 6 meses, a contar da sua publicação, para que tivesse sido providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de Casas do Albergado em número suficiente para possibilitar o ingresso no regime aberto de todos os condenados que a ele fizessem jus (art. 203, §2º, LEP). Como, passados 20 anos, praticamente nada foi providenciado, não há como obrigar o sentenciado a arcar com a incúria do Poder Público.
5) Preso provisório e progressão de regime – há duas posições a respeito do tema: 1ª Posição – STJ – a progressão é forma de cumprimento da pena e pressupõe execução penal, ou seja, que a sentença condenatória tenha transitado em julgado. Assim, não tem direito a ela, evidentemente, o preso provisório. 2ª Posição – STF – é possível, por exceção, a progressão provisória de regime prisional, desde que transitada em julgado para a acusação a sentença condenatória e presentes os requisitos para a progressão, inclusive o exame criminológico.
6) Habeas corpus e progressão de regime – a progressão do condenado de um regime para outro menos rigoroso implica no exame de requisitos objetivos e subjetivos e, via de conseqüência, a produção de provas, o que não é possível fazer no procedimento sumário do habeas corpus (neste sentido, STJ).
7) Oitiva do MP – obrigatoriamente o Ministério Público deve manifestar-se acerca da progressão do sentenciado, sob pena de nulidade absoluta, pois é sua função indelegável fiscalizar integralmente a execução da pena (art. 67 LEP).
(vi) Regressão de regime – é a volta do condenado ao regime mais rigoroso, por ter descumprido as condições impostas para ingresso e permanência no regime mais brando. Embora a lei vede a progressão por salto (saltar diretamente do fechado para o aberto), é perfeitamente possível regredir do regime aberto para o fechado, sem passar pelo semi-aberto, ou seja, admite-se a regressão por salto, contrariamente ao que ocorre com a progressão. Além disso, como já se disse, a despeito de a pena de detenção não comportar regime inicial fechado, ocorrendo a regressão, o condenado poderá ser transferido para aquele regime. Haverá regressão nas seguintes hipóteses:
a. Prática de fato definido como crime doloso – em se tratando de delito culposo ou contravenção, a regressão ficará a critério do juízo da execução.
b. Prática de falta grave – graves são as faltas relacionadas no art. 50 LEP, dentre as quais destaca-se a fuga. Embora não tipifique crime, a fuga é uma grave violação dos deveres disciplinares do condenado, ensejando punições na órbita administrativa.
c. Sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime – art. 111 LEP.
d. Frustrar os fins da execução, no caso de estar em regime aberto – isso ocorre quando o condenado assume uma conduta que demonstre incompatibilidade com o regime aberto (ex.: abandonar o emprego). Essa hipótese é mais abrangente do que aquela prevista no item “b)” supra.
(vii) Direitos do preso – o preso conserva todos os direitos não atingidos pela condenação (art. 38 CP e art. 3º LEP). Além disso, destacam-se explicitamente os seguintes direitos:
a. Direito à vida – é o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea e inevitável. A CF tutela a vida como o mais importante bem do homem, proibindo a pena de morte, salvo em casos de guerra declarada. A proibição à pena capital constitui cláusula pétrea, ou seja, limitação material explícita ao poder de emenda, nos termos do art. 60, §4º, IV, CF. Se a CF proíbe a imposição da pena de morte ao condenado, mesmo após o devido processo legal, o Estado deve garantir a vida do preso durante a execução da pena.
b. Direito à integridade física e moral – art. 5º, III, XLIX, CF; arts. 3º e 40 LEP.
c. Direito à igualdade – arts. 3º, IV; 5º, “caput” e I, CF; arts. 2º, § único; 3º, § único, 41, XII, 42 LEP.
d. Direito de propriedade – arts. 29, §2º, e 41, IV, LEP.
e. Direito à liberdade de pensamento e convicção religiosa – arts. 5º, IV, VI, VII, VIII e IX, e 220, CF; art. 24 e §§ LEP.
f. Direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem – art. 5º, X, CF; arts. 39, III, 41, VIII e XI, LEP.
g. Direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra abuso de poder – art. 5º, XXXIV, CF; art. 41, XIV, LEP.
h. Direito à assistência jurídica – art. 5º, LXXIV, CF; arts. 11, III, 15, 16 e 41, IX, LEP.
i. Direito à educação e à cultura – arts. 205 e 215 CF; arts. 11, IV, 17 a 21, LEP.
j. Direito ao trabalho remunerado
k. Direito à indenização por erro judiciário – art. 5º, LXXV, CF; art. 630 CPP.
l. Direito à alimentação, vestuário e alojamento com instalações higiênicas – arts. 12 e 13 LEP.
m. Direito de assistência à saúde – art. 14 e §§, LEP.
n. Direito à assistência social – art. 22 LEP.
o. Direito à individualização da pena – art. 5º, XLI, XLVI, XLVIII e L, CF; art. 59 CP; arts. 5º, 6º, 8º, 9º, 19, 32, §§2º e 3º, 33, § único, 41, XII, 57, 82, §§1º e 2º, 86, §1º, 110, 112, 114 e incisos, 117 e incisos, 120, 121 e 122 a 125.
p. Direito de receber visitas – art. 41, X, LEP. Esse direito pode ser limitado por ato motivado do diretor do estabelecimento ou do juiz, não constituindo direito absoluto do reeducando, nos termos do § único do art. 41 LEP (VER MUDANÇAS NA LEP – REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO).
q. Direitos políticos – art. 15, III, CF: a condenação transitada em julgado acarreta a suspensão dos direitos políticos enquanto durarem seus efeitos. O art. 15, III, CF é auto-executável, sendo desnecessária a norma regulamentadora, contrariamente ao que ocorria no antigo texto constitucional. A suspensão dos direitos políticos ocorre mesmo no caso de concessão de sursis, já que se trata de efeito extrapenal automático e genérico da condenação, que independe da execução ou suspensão condicional da pena principal. A perda de mandato eletivo decorre de condenação criminal por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública quando a pena for igual ou superior a 1 ano ou, nos demais casos, quando a pena for superior a 4 anos. Trata-se de efeito extrapenal específico que precisa ser motivadamente declarado na sentença.
OBS: Superveniência de doença mental – sobrevindo doença mental ao condenado, deve ele ser transferido para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (art. 41 CP), e a pena poderá ser substituída por medida de segurança (art. 183 LEP). Caracteriza constrangimento ilegal a manutenção do condenado em cadeia pública quando for caso de medida de segurança. Importante: sobrevindo doença mental, opera-se a transferência do preso para o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, porém, caso não seja instaurado incidente de execução para conversão da pena em medida de segurança, ele continuará cumprindo pena e, ao término dela, deverá ser libertado, mesmo que não tenha recobrado a higidez mental. Da mesma forma, após o cumprimento da pena, não mais poderá ser instaurado incidente para transformação em medida de segurança. A única solução é fazer a transferência, e, caso seja constatado o caráter duradouro da perturbação mental, proceder-se à conversão em medida de segurança.

DETRAÇÃO PENAL – é o cômputo, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, do tempo de prisão provisória (flagrante, preventiva, temporária ou prisão decorrente de pronúncia ou sentença condenatória recorrível), no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em hospital de custódia e tratamento ou estabelecimento similar. A detração é matéria de competência exclusiva do juízo da execução, nos termos do art. 66, III, c, da LEP. Não cabe, portanto, ao juiz da condenação aplicá-la desde logo, para poder fixar um regime de pena mais favorável ao acusado, até porque estar-se-ia dando início ao cumprimento da pena em dado regime antes de se conhecer a pena definitiva.
OBS: 1) Detração x pena de multa – não é admitida. Anteriormente à Lei 9268/96, que proibiu a conversão da multa em detenção, havia entendimento no sentido da possibilidade, com fundamento na eventual conversão da pena pecuniária em detenção, no caso de não-pagamento ou fraude à execução. Com a nova lei, a discussão perdeu o interesse, pois desapareceu o argumento que justificava a detração.
2) Detração x penas restritivas de direitos – como o CP fala somente em detração na hipótese de pena privativa de liberdade, a interpretação literal do texto poderia levar à conclusão de que o benefício não deveria ser estendido à pena restritiva de direitos. Deve-se considerar, no entanto, que se a lei admite o desconto do tempo de prisão provisória para a pena privativa de liberdade, privilegiando quem não fez jus à substituição por penalidade mais branda, refugiria ao bom senso impedi-lo nas hipóteses em que o condenado merece tratamento legal mais tênue, por ter satisfeito todas as exigências de ordem objetiva e subjetiva. Quando se mantém alguém preso durante o processo, para, ao final, aplicar-lhe pena não privativa de liberdade, com ainda maior razão não deve ser desprezado o tempo de encarceramento cautelar. Além disso, a pena restritiva de direitos substitui a pena privativa de liberdade pelo mesmo tempo de sua duração (art. 55 CP), tratando-se de simples forma alternativa de cumprimento da sanção penal, pelo mesmo período. Assim, deve ser admitida a detração.
3) Detração x sursis – não é possível. O sursis é um instituto que tem por finalidade impedir o cumprimento da pena privativa de liberdade. Assim, impossível a diminuição de uma pena que nem sequer está sendo cumprida, por se encontrar suspensa. Observe-se, porém, que se o sursis for revogado, a conseqüência imediata é que o sentenciado deve cumprir integralmente a pena aplicada na sentença, e nesse momento caberá a detração, pois o tempo de prisão provisória será retirado do tempo total da pena privativa de liberdade.
4) Prisão provisória em outro processo – há três posições na doutrina e na jurisprudência, relativamente à possibilidade de descontar o tempo de prisão provisória de um processo, cuja sentença foi absolutória, noutro de decisão condenatória: 1ª Posição – é possível, desde que o crime pelo qual foi condenado tenha sido praticado antes da prisão no processo em que o réu foi absolvido, para que o agente fique com um crédito para com a sociedade. 2ª Posição – é possível, desde que o crime pelo qual houve condenação tenha sido anterior à absolvição no outro processo. 3ª Posição – é possível, desde que haja conexão ou continência entre os crimes dos diferentes processos.
5) Detração para fins de prescrição – 1ª Posição – pode ser aplicada calculando-se a prescrição sobre o restante da pena (ex.: o sujeito ficou preso provisoriamente por 60 dias; desconta-se esse período da pena aplicada e calcula-se a prescrição em função do que resta a ser cumprido). 2ª Posição – STF – a norma inscrita no art. 113 CP não admite que se desconte da pena in concreto, para efeitos prescricionais, o tempo em que o réu esteve provisoriamente preso.
6) Medida de segurança – Prazo mínimo e detração – admite-se detração do tempo de prisão provisória em relação ao prazo mínimo de internação. O exame de cessação da periculosidade, portanto, será feito após o decurso do prazo mínimo fixado, menos o tempo de prisão provisória.

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS –
(i) Penas alternativas em geral –
a. Antecedente histórico – o 6º Congresso das Nações Unidas, reconhecendo a necessidade de se buscar alternativas para a pena privativa de liberdade, cujos altíssimos índices de reincidência (mais de 80%) recomendavam uma urgente revisão, incumbiu o Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente de estudar a questão. Apresentada a proposta, foi aprovada no 8º Congresso da ONU, realizado em 14/12/90, sendo apelidada de Regras de Tóquio ou Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade.
b. Objetivo fundamental das Regras de Tóquio – promover o emprego de medidas não privativas de liberdade.
c. Alternativas penais – são todas as opções oferecidas pela lei penal a fim de que se evite a pena privativa de liberdade. Comportam duas espécies:
i. Medidas alternativas – constituem toda e qualquer medida que venha a impedir a imposição da pena privativa de liberdade, tais como reparação do dano extintiva da punibilidade, exigência de representação do ofendido para determinados crimes, transação penal, suspensão condicional do processo, composição civil caracterizadora da renúncia ao direito de queixa ou representação, etc. Não se tratam de penas, mas de institutos que impedem ou paralisam a persecução penal, não se confundindo, portanto, com as penas alternativas. Classificam-se em:
1. Consensuais – são as que dependem da concordância do acusado (ex.: suspensão condicional do processo, composição civil extintiva da punibilidade, etc.).
2. Não consensuais – são as que não dependem da concordância do acusado (ex.: perdão judicial, o “sursis”, etc.).
ii. Penas alternativas – constituem toda e qualquer opção sancionatória oferecida pela legislação penal para evitar a imposição da pena privativa de liberdade. Ao contrário das medidas alternativas, constituem verdadeiras penas, as quais impedem a privação da liberdade. Classificam-se em:
1. Consensuais – sua aplicação depende da aquiescência do agente (ex.: pena não privativa de liberdade – multa ou restritiva de direitos – aplicada na transação penal da Lei 9099/95).
2. Não consensuais – independem do consenso do imputado. Subdividem-se em:
a. Diretas – são aplicadas diretamente pelo juiz, sem passar pela pena de prisão, como no caso da imposição da pena de multa cominada abstratamente no tipo penal ou das penas restritivas de direitos do Código de Trânsito Brasileiro, as quais são previstas diretamente no tipo, não carecendo de substituição.
b. Substitutivas – quando o juiz primeiro fixa a pena privativa de liberdade e, depois, obedecidos os requisitos legais, a substitui pela pena alternativa.
d. Rol de penas alternativas – a Lei nº 9714/98 criou, além das seis penas alternativas existentes no CP, outras quatro. São elas:
i. Prestação de serviços à comunidade
ii. Limitação de fim de semana
iii. Interdições temporárias de direito – são quatro:
1. Proibição do exercício de cargo, função pública ou mandato eletivo
2. Proibição do exercício de profissão ou atividade
3. Suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor (foi extinta pelo Código de Trânsito Brasileiro)
4. Proibição de freqüentar determinados lugares
iv. Prestação pecuniária em favor da vítima
v. Prestação pecuniária inominada
vi. Perda de bens e valores
vii. Multa
OBS: Rol taxativo – o elenco legal das penas alternativas é um rol taxativo, não havendo possibilidade de o juiz criar, discricionariamente, novas sanções substitutivas.
e. Objetivos das penas alternativas – os objetivos da Lei 9714/98 são os seguintes:
i. Dar cumprimento ao disposto no art. 5º, XLVI, CF, que prevê a pena de prestação social alternativa.
ii. Diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os custos do sistema penitenciário.
iii. Favorecer a ressocialização do autor do fato, evitando o deletério ambiente do cárcere e a estigmatização dele decorrente.
iv. Reduzir a reincidência, uma vez que a pena privativa de liberdade, dentre todas, é a que detém o maior índice de reincidência.
v. Preservar os interesses da vítima.
f. Modificação na tendência de recrudescimento do sistema penal brasileiro – com a nova legislação, amplia-se um pouco mais o novo modelo de jurisdição consensual e alternativa inaugurado em 1995 com a Lei dos Juizados Especiais, em oposição ao modelo penal clássico, cuja eficiência estava fundada na difusão do medo coletivo da sanção penal (prevenção geral), pela convicção de que, quanto mais severa a repressão, maior a inibição à prática delituosa. Posteriormente, sobreveio a Lei 9605/98, que definiu os crimes contra o meio ambiente, a qual, e seu art. 8º, aumentou o rol das penas restritivas de direitos aplicáveis aos delitos nela tipificados. É certo que, por um lado, o modelo penal clássico já contava com medidas alternativas despenalizadoras, tais como livramento condicional, “sursis”, remição de pena, multa substitutiva, etc.; no entanto, não se pode negar que a Lei 9714/98 caracteriza a adoção de um compromisso ainda maior com um novo e alternativo modelo penal, o qual passará a conviver lado a lado com o sistema tradicional ainda vigente.
g. Classificação das infrações penais segundo o grau de lesividade, para incidência do sistema alternativo –
i. Infrações de lesividade insignificante – acarretam a atipicidade do fato, uma vez que não é razoável que o tipo penal descreva como infração penal fatos sem absolutamente nenhuma repercussão social.
ii. Infrações de menor potencial ofensivo – menor potencial não se confunde com lesividade insignificante. São os crimes punidos com pena de até 2 anos de prisão e todas as contravenções, os quais são beneficiados por todas as medidas consensuais despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais.
iii. Infrações de médio potencial ofensivo – são as punidas com pena mínima não superior a 1 ano, admitindo, portanto, a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei 9099/95. São também os crimes culposos e os dolosos punidos com pena de até 4 anos, excluídos os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, beneficiando-se com a aplicação de penas substitutas.
iv. Infrações de grande potencial ofensivo – são os crimes graves mas não definidos como hediondos (ex.: homicídio simples).
v. Infrações hediondas – são aqueles aos quais se aplica o regime especial da Lei dos Crimes Hediondos.
h. Incidência das penas alternativas – o sistema penal alternativo incide prioritariamente nos grupos intermediários (“ii” e “iii”). Mas isso não significa que não haja medida alternativa também nos grupos “iv” e “v” (até nas infrações hediondas é possível o livramento condicional – art. 5º da Lei 8072/90).
i. Classificação das penas alternativas – são de dois tipos:
i. Penas restritivas de direitos
ii. Pena de multa
(ii) Classificação das penas restritivas de direitos – podem ser:
a. Penas restritivas de direitos em sentido estrito – consistem em uma restrição qualquer ao exercício de uma prerrogativa ou direito. São elas:
i. Prestação de serviços à comunidade – consiste na atribuição de tarefas ao condenado junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais, ou em benefício de entidades públicas. Por entidades públicas devemos entender tanto as pertencentes à Administração direta quanto à indireta passíveis de serem beneficiadas pela prestação dos serviços. Assim, além da própria Administração direta, podem receber a prestação dos serviços: as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as autarquias e as entidades subvencionadas pelo Poder Público. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 meses de privação da liberdade. As tarefas não serão remuneradas, uma vez que se trata do cumprimento da pena principal (art. 30 LEP) e não existe pena remunerada. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do condenado e não poderão ferir a dignidade da pessoa humana. A carga horária de trabalho consiste em uma hora de trabalho por dia de condenação, fixada de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho (art. 46, §3º, CP). Cabe ao juiz da execução designar a entidade credenciada junto à qual o condenado deverá trabalhar (art. 149, I, LEP). A entidade comunicará mensalmente ao juiz da execução, mediante relatório circunstanciado, sobre as atividades e o aproveitamento do condenado (art. 150 LEP).
ii. Limitação de fim de semana – consiste na obrigação do condenado de permanecer aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, na Casa do Albergado (art. 93 LEP) ou outro estabelecimento adequado. O estabelecimento encaminhará mensalmente ao juiz da execução relatório sobre o aproveitamento do condenado.
iii. Interdições temporárias de direitos – são quatro:
1. Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo – trata-se de pena específica, uma vez que só pode ser aplicada ao crime cometido no exercício do cargo ou função, com violação de deveres a este inerentes (art. 56 CP), e desde que preenchidos os requisitos legais para a substituição. Quando a lei fala em cargo, está se referindo ao efetivo e não ao eventual. OBS: Suspensão dos direitos políticos – no que toca à suspensão de mandato eletivo, a condenação criminal transitada em julgado acarreta a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem os seus efeitos, nos termos do art. 15, III, CF (norma constitucional de eficácia plena, que não depende de lei regulamentadora para gerar efeitos).
2. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, autorização ou licença do Poder Público – trata-se também de pena restritiva específica, uma vez que só se aplica aos crimes cometidos no exercício da profissão ou atividade e se houver violação de deveres a estas relativos (art. 56 CP).
3. Suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo – da mesma forma que as anteriores, cuida-se de pena específica, só aplicável aos delitos culposos de trânsito. O CP não obriga a que, nos crimes culposos de trânsito, se aplique sempre a interdição temporária de habilitação para dirigir veículos, podendo ser aplicada outra pena restritiva de direitos. Entenda-se: o que a lei diz é que o juiz só pode aplicar a pena de suspensão de habilitação para os crimes culposos de trânsito, isto é, não pode impor essa restritiva para nenhum outro crime. Os crimes culposos de trânsito não são, contudo, punidos obrigatoriamente com essa pena, podendo o juiz escolher outra restritiva. Assim, toda suspensão pune um crime culposo de trânsito, mas nem todo crime culposo de trânsito é punido com a suspensão. OBS: 1) Alterações promovidas pelo Código de Trânsito Brasileiro – de acordo com o disposto no art. 292 CTB, a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outra pena, devendo ter a duração de 2 meses a 5 anos. A suspensão pressupõe permissão ou habilitação já concedida, enquanto a proibição aplica-se àquele que ainda não obteve uma ou outra, conforme o caso. 2) Diferenças entre a suspensão para dirigir do CTB e a pena restritiva de direitos prevista no art. 47, III, CP – podemos enumerar as seguintes diferenças: a) a interdição temporária de direitos do CP não alcança a proibição de obter permissão ou habilitação para dirigir veículo, limitando-se à suspensão da licença já concedida. Desse modo, a pena prevista na Parte Geral somente pode ser aplicada a quem já tiver habilitação válida; b) a pena restritiva de direitos trazida pelo CTB, contrariando o disposto no art. 44 CP, não tem caráter substitutivo; é pena autônoma; c) devido ao seu caráter substitutivo, a pena restritiva de direitos tratada no CP não é cominada abstratamente no tipo, nem tem seus limites mínimo e máximo previstos no preceito secundário da norma. Ao contrário, tem exatamente a mesma duração da pena privativa de liberdade (art. 55 CP); d) dado seu caráter substitutivo, a suspensão de habilitação prevista no CP não pode ser aplicada em conjunto com pena privativa de liberdade: é uma ou outra. Excepcionalmente, permite-se a aplicação cumulativa, mas, ainda assim, se a pena privativa de liberdade tiver sido suspensa condicionalmente (art. 69, §1º, CP); e) no sistema do CTB, a suspensão ou proibição de permissão ou habilitação apresenta as seguintes características: não tem caráter substitutivo; é cominada abstratamente no tipo, tendo os seus limites mínimo e máximo nele traçados; sua dosagem obedece aos mesmos critérios do art. 68 CP; tratando-se de pena não substitutiva, nada impede seja aplicada cumulativamente com pena privativa, pouco importando tenha esta sido ou não suspensa condicionalmente. 3) Revogação da pena prevista no CP – não existindo mais qualquer alternativa em que possa ser aplicada, visto que os delitos culposos de trânsito já são apenados pelo CTB com a nova interdição temporária de direitos (suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor), considera-se revogada a pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo prevista no art. 47, III, CP.
4. Proibição de freqüentar determinados lugares – é a proibição de freqüentar bares, prostíbulos ou quaisquer outros lugares especificados pelo juiz, tendo em vista a natureza e circunstâncias da infração penal e do réu. Além de pena restritiva de direitos, funciona também como condição do “sursis” especial, conforme disposto no art. 78, §2º, “a”.
OBS: Duração – em regra, terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (art. 55 CP). EXCEÇÃO – se a pena substituída for inferior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada (art. 46, §4º, CP). Assim, quando a pena privativa de liberdade a ser substituída por essa restritiva de direitos for igual ou inferior a um ano, o seu tempo de duração será o mesmo. No entanto, sendo a pena privativa superior a um ano, o juiz poderá fixar uma duração menor do que esse total, desde que não inferior à sua metade.
b. Penas restritivas de direitos pecuniárias – implicam uma diminuição do patrimônio do agente ou uma prestação inominada em favor da vítima ou seus herdeiros. São elas:
i. Prestação pecuniária – a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro, à vista ou em parcelas, à vítima, seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário-mínimo, nem superior a 360 salários-mínimos. O Poder Judiciário não pode ser destinatário da prestação, pois, apesar de ter destinação social, não é entidade. O montante será fixado livremente pelo juiz, de acordo com o que for suficiente para a reprovação do delito, levando-se em conta a capacidade econômica do condenado e a extensão do prejuízo causado à vítima ou seus herdeiros. Em hipótese alguma será possível sair dos limites mínimo e máximo fixados em lei, não se admitindo, por exemplo, prestação em valor inferior a um salário-mínimo, nem mesmo em caso de tentativa. Deve-se frisar que o legislador, ao fixar o teto máximo da prestação pecuniária em 360 salários-mínimos, seguiu critério diverso daquele que regulamenta a perda de bens e valores (art. 45, §3º, CP), no qual o limite do valor é o total do prejuízo suportado pela vítima ou do provento obtido com o crime (o que for maior). Andou bem o legislador, uma vez que, se limitasse o valor da prestação pecuniária ao prejuízo suportado pelo ofendido, estaria inviabilizando a sua aplicação àqueles crimes em que não ocorre prejuízo, como, por exemplo, em alguns delitos tentados. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação civil de reparação de danos, se coincidentes os beneficiários, o que vale dizer, a fixação da prestação pecuniária não impede a futura ação civil reparatória (ação civil “ex delicto”). Importante notar que, se o juiz atribuir o benefício da prestação pecuniária a alguma entidade, no lugar da vítima ou seus herdeiros, não haverá dedução do valor na futura ação indenizatória, porquanto não coincidentes os beneficiários. Admite-se que o pagamento seja feito em ouro, jóias, títulos mobiliários e imóveis, em vez de moeda corrente. OBS: Execução da prestação pecuniária – é feita pelo próprio beneficiário, que, em caso de descumprimento, comunica o ocorrido ao juízo da execução para que se proceda à conversão em pena privativa de liberdade. Desse modo, transitada em julgado a sentença que impões a prestação pecuniária, o beneficiário deverá extrair cópia do título executivo e ingressar com a execução por quantia certa contra devedor solvente, no juízo cível. Frustrada a cobrança e inexistindo bens a serem penhorados, cabe ao beneficiário comunicar o ocorrido ao juízo da execução penal para que, cientificado o Ministério Público, se proceda à conversão da prestação pecuniária em pena privativa de liberdade.
ii. Prestação inominada – é a prestação sem nome, isto é, qualquer prestação. No caso de aceitação pelo beneficiário, a prestação pecuniária poderá consistir em prestação de outra natureza, como, por exemplo, entrega de cestas básicas a carentes, em entidades públicas ou privadas. A interpretação, aqui, deve ser a mais ampla possível, sendo, no entanto, imprescindível o consenso do beneficiário quando o crime tiver como vítima pessoa determinada. OBS: Prestação inominada x princípio da legalidade – alguns autores, dentre eles Damásio, entendem que a prestação inominada corresponde a uma espécie de “pena inominada”, o que feriria o princípio da legalidade, trazendo incertezas ao aplicador da lei e ensejando dúvida a respeito do verdadeiro conteúdo da resposta penal. Entretanto, entendem também que a medida está em consonância com as Regras de Tóquio. Para outra parte da doutrina, a prestação inominada é constitucional porque é determinável (ex.: cestas básicas, roupas, remédios, etc.).
iii. Perda de bens ou valores – é a perda de patrimônio lícito do condenado. Trata-se da decretação de perda de bens móveis, imóveis ou de valores, tais como títulos de crédito, ações etc. A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiros, em conseqüência da prática do crime, o que for maior. OBS: 1) Perda de bens e valores x confisco – não devemos confundir a perda de bens e valores, prevista como pena alternativa, como confisco dos bens que constituem instrumento, produto e proveito do crime (art. 91, II, “a” e “b”, CP). Enquanto a perda de bens e valores é pena principal, o confisco configura mero efeito secundário extrapenal da condenação. Além disso, a perda de bens ou valores atinge bens de natureza e origem lícitas, o que não ocorre com o confisco. 2) Bens impenhoráveis – a perda de bens ou valores não pode recair sobre bens impenhoráveis (ex.: bem de família).
OBS: 1) Pena de multa x penas restritivas de direitos pecuniárias – a diferença entre ambas está no fato de que a multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade, sendo considerada, para fins de execução, dívida de valor (art. 51 CP). As penas alternativas pecuniárias, ao contrário, admitem a conversão (art. 44, §4º, CP). Por essa razão, não há como confundir as novas espécies de penas restritivas constantes do art. 43 CP com a pena de multa, embora todas tenham caráter pecuniário.
2) Princípio da personalidade da pena e cobrança dos valores dos herdeiros – questão interessante é saber se a prestação pecuniária e a perda de bens ou valores podem ser cobrados ou não dos herdeiros. Há na doutrina duas posições: 1ª Posição – Luiz Flávio Gomes – uma vez fixado na sentença, a prestação pecuniária e o perdimento de bens ou valores podem ser cobrados dos herdeiros, até os limites da herança, uma vez que se destinam exclusivamente à reparação de parcela do dano patrimonial suportado pela vítima, não tendo, portanto, caráter de pena. Sustenta que a CF, em seu art. 5º, XLV, ao dispor sobre o princípio da personalidade da pena, ressalva expressamente a possibilidade de a obrigação de reparar o dano ser executada contra os sucessores do condenado e o perdimento de bens de ultrapassar a pessoa do delinqüente. Alicerça seu entendimento no fato de que essas penas possuem finalidade exclusivamente reparatória, ao contrário da pena de multa, a qual, por ter caráter punitivo, não pode passar da pessoa do condenado. 2ª Posição – Capez – a perda de bens ou valores e a prestação pecuniária não perdem o seu caráter de pena, portanto não podem passar da pessoa do condenado. Além disso, se, por um lado, o art. 5º, XLV, CF, ao prever o princípio da personalidade da pena, permitiu a transmissão aos herdeiros da obrigação de reparar o dano, por outro exigiu a prévia regulamentação expressa em lei. Trata-se, portanto, de norma constitucional de eficácia limitada, cuja incidência depende de legislação inferior complementadora que discipline o assunto.
c. Genéricas ou específicas – as penas restritivas de direito classificam-se, ainda, em:
i. Genéricas – substituem as penas privativas de liberdade em qualquer crime, satisfeitos os requisitos legais. São a prestação de serviços à comunidade, a limitação de fim de semana, a prestação pecuniária e a perda de bens e valores.
ii. Específicas – só substituem as penas privativas de liberdade impostas pela prática de determinados crimes. São as interdições temporárias de direitos, salvo a pena de proibição de freqüentar determinados lugares, que é genérica.
(iii) Requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos –
a. Requisitos objetivos – são os seguintes:
i. Crime culposo, ou, no caso de crime doloso, a pena privativa de liberdade aplicada deve ser igual ou inferior a 4 anos – o primeiro requisito é a quantidade da pena privativa de liberdade aplicada. Deve ser igual ou inferior a 4 anos. No caso de condenação por crime culposo, a substituição será possível, independentemente da quantidade da pena imposta, não existindo tal requisito. OBS: 1) Concurso de crimes – no caso de concurso de crimes, leva-se em conta o total das penas, e não cada crime individualmente considerado. 2) Condenação por crime hediondo ou tráfico ilícito de entorpecentes – mesmo que a pena privativa de liberdade aplicada seja igual ou inferior a 4 anos, não será possível a sua substituição por pena alternativa, uma vez que, de acordo com o art. 2º, §1º, da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), a pena nesses delitos deverá ser cumprida integralmente em regime fechado, o qual é, por óbvio, incompatível com a pena alternativa, sem contar que dificilmente os autores desses crimes preencheriam os requisitos do art. 44, III, CP.
ii. Crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa – a violência aqui considerada é a empregada contra a pessoa e não contra a coisa. OBS: 1) Infrações de menor potencial ofensivo – admitem a substituição, mesmo que cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa (ex.: lesões leves, ameaça, constrangimento ilegal, contravenção de vias de fato, etc.). 2) Crimes culposos – o crime culposo, mesmo quando cometido com emprego de violência, como é o caso do homicídio culposo e das lesões corporais culposas, admite a substituição por pena restritiva. A lei, portanto, se refere apenas à violência dolosa. 3) Violência presumida e violência imprópria – nas hipóteses de violência presumida (ex.: estupro com violência presumida), não cabe a substituição pois a lei não distingue se a violência é real ou presumida. Também não cabe nas hipóteses de violência imprópria (ex.: roubo impróprio), pelas mesmas razões.
b. Requisitos subjetivos – são os seguintes:
i. Não ser reincidente em crime doloso ou reincidente específico – para a substituição, não pode ser o réu reincidente em crime doloso. Logo, em hipótese alguma poderá o reincidente em crime doloso obter a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Como a lei não excepcionou a hipótese da condenação anterior à pena de multa, como o fez no “sursis” (art. 77, §1º, CP), se o agente for reincidente em crime doloso não terá direito ao benefício da pena restritiva de direitos, ainda que a condenação anterior tenha sido a pena pecuniária. O reincidente específico também não tem direito ao benefício (art. 44, §3º, CP). Será considerado como tal o agente que reincidir em crime da mesma espécie, isto é, previsto no mesmo tipo legal, pouco importando se na forma simples, privilegiada, qualificada, consumada ou tentada. Note-se, porém, que o reincidente pode beneficiar-se da substituição, pois a lei vedou o benefício apenas ao reincidente em crime doloso. Portanto, qualquer reincidente, desde que não seja em crime doloso ou reincidente específico, pode ser beneficiado com a substituição, desde que a medida seja socialmente recomendável. Dessa forma, somente aquele que, após ter sido definitivamente condenado pela prática de um crime doloso, vem a cometer um novo crime doloso fica impedido de beneficiar-se da substituição. OBS: 1) Prescrição qüinqüenal da reincidência ou período depurador – se entre a extinção da pena do crime doloso anterior e a prática do novo delito doloso tiverem decorrido mais de 5 anos, o condenado fará jus à substituição, não subsistindo a vedação. 2) Art. 44, II, CP x art. 44, §3º, CP – há uma aparente contradição entre os dispositivos em questão, pois ao art. 44, II, CP, é expresso ao proibir o benefício da substituição por pena alternativa ao reincidente em crime doloso, ao passo que o §3º refere-se genericamente a todos os reincidentes, exigindo apenas que a medida se revele socialmente recomendável, ressalvado apenas o reincidente específico. Dessa forma, fica a dúvida: afinal de contas, o reincidente doloso tem direito às penas alternativas ou, tanto quanto o reincidente específico, não faz jus à substituição? Há duas posições: 1ª Posição – Capez – o art. 44, §3º, CP, não tem o condão de revogar a letra expressa de seu inciso II; portanto, ao ser referir ao “condenado reincidente”, está fazendo menção ao não reincidente em crime doloso, pois, do contrário, tornaria letra morta a proibição anterior. A conclusão a que se chega, enfim, é a que nem o reincidente em crime doloso, nem o reincidente específico têm direito à substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa. Para esta corrente: a) reincidente em crime doloso – não pode em hipótese alguma, salvo se decorrido o período depurador de 5 anos; b) reincidente específico – idem; c) reincidente – pode, desde que a medida seja socialmente recomendável. 2ª Posição – Damásio e Luiz Flávio Gomes – se de um lado o art. 44, II, CP, excluiu o instituto da substituição para o réu reincidente em crime doloso, de outro, o §3º está em conexão lógica, topográfica e sistemática com o inciso II citado. O juiz poderá aplicar a substituição desde que, em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime (reincidência específica). Assim, a norma do §3º foi criada para abrandar os rigores da proibição do inciso II do mesmo artigo, aplicando-se, por conseguinte, ao reincidente em crime doloso (se ele não for reincidente específico, poderá ter acesso ao benefício). Para esta corrente: a) reincidente específico – não pode em hipótese alguma, salvo se decorrido o período depurador de 5 anos; b) todos os demais reincidentes – podem, desde que a medida seja socialmente recomendável.
ii. Culpabilidade, antecedentes, conduta, personalidade, motivos e circunstâncias recomendarem a substituição – legislador pegou o art. 59 CP e pegou só as características de natureza subjetiva, deixando as duas de natureza objetiva.
OBS: Sursis como segunda alternativa – em razão destes requisitos afirma-se que o “sursis” está morto, pois deve-se sempre preferir a aplicação da pena restritiva de direitos ao “sursis”. Este só deve ser aplicado depois de tentar aplicar aquela. Atualmente, só é possível o “sursis” sem que caiba pena alternativa: a) se o condenado for reincidente em crime doloso, cuja condenação anterior tenha sido à pena de multa; b) se for reincidente específico em crime culposo; e c) crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
(iv) Regras complementares –
a. Condenação igual ou inferior a um ano – na condenação a pena restritiva de liberdade igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos, pouco importando se a infração é dolosa ou culposa. Nunca poderá haver, no entanto, aplicação cumulativa de multa e pena restritiva de direitos, sendo a pena igual ou inferior a um ano.
b. Condenação superior a um ano – caso a sanção imposta seja superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos (art. 44, §2º, CP).
c. Conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade – haverá conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade se:
i. Durante o cumprimento da pena restritiva de direitos, sobrevier condenação que torne impossível o cumprimento da pena substitutiva anterior – são as hipóteses de condenação a pena privativa de liberdade em regime fechado e semi-aberto. A condenação a pena privativa de liberdade em regime aberto, a pena pecuniária e a concessão de “sursis” não tornam impossível o cumprimento da pena alternativa, de modo que não acarretam a automática conversão em pena privativa de liberdade. A decisão deve, obrigatoriamente, ter transitado em julgado, por imperativo do princípio do estado de inocência.
ii. O condenado não for encontrado para ser intimado do início do cumprimento da pena.
iii. Houver descumprimento injustificado da restrição imposta ou quando o condenado praticar falta grave.
OBS: 1) Não pagamento da multa substitutiva ou vicariante por devedor solvente – com a Lei 9714/98, essa espécie de multa passou a ser regida pelo art. 44, §2º, CP. Entretanto, por não se tratar de pena restritiva de direitos, não se submete às regras de conversão destas. Com efeito, à multa vicariante aplica-se a regra do art. 51 CP, segundo a qual, para fins de execução, a multa será considerada dívida de valor, estando proibida, de modo expresso e indiscutível, a sua conversão em pena privativa de liberdade. A conversão, portanto, somente terá incidência sobre as penas restritivas de direito em sentido estrito e restritivas de direito pecuniárias.
2) Tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade resultante de conversão – convertida a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, será deduzido o tempo em que o condenado esteve solto, devendo ele cumprir preso somente o período restante. A lei determina, no entanto, seja respeitado um saldo mínimo de 30 dias de detenção ou reclusão, não podendo o agente ficar preso por menos tempo, ainda que restassem menos de 30 dias para cumprimento integral da pena alternativa. Desse modo, se operada a dedução, resultar um período inferior a 30 dias, o condenado deverá ficar pelo menos 30 dias preso. Tratando-se de prisão simples, não há exigência de período mínimo (art. 44, §4º, CP). Quanto às penas restritivas pecuniárias, como não existe tempo de cumprimento de pena a ser descontado, o mais justo é que se deduza do tempo de pena privativa de liberdade a ser cumprido o percentual já pago pelo condenado. Assim, se já tiver pago metade do valor, somente terá de cumprir preso metade da pena privativa aplicada na sentença condenatória.

PENA DE MULTA – o CP adotou o critério do dia-multa, revogando todos os dispositivos que fixavam a pena de multa em valores expressos em cruzeiros. Dessa forma, a Lei de Contravenções Penais passou a ter suas multas calculadas de acordo com esse novo critério. Assim, onde se lia “multa de X cruzeiros” deve-se ler apenas “multa”. As leis que possuem critérios próprios para a pena de multa (ex.: Lei de Imprensa, Lei de Tóxicos, etc.) não foram modificadas pela nova Parte Geral do Código Penal, que só atingiu as multas com valores expressos em cruzeiros.
(i) Cálculo do valor da multa – o cálculo do valor da multa deve ser feito superando-se três etapas:
a. Número de dias-multa – a lei fixa um limite mínimo de 10 e máximo de 360 dias-multa. A questão é saber como situar o número de dias multa dentro desses limites. Existem três posições a este respeito.
i. 1ª Posição – Jurisprudência majoritária e Capez – deve-se levar em conta a capacidade econômica do condenado: quanto mais rico, maior o número de dias-multa fixado (art. 60 CP).
ii. 2ª Posição – STF – o número de dias multa é fixado de acordo com a culpabilidade do agente, mas levando em conta apenas o art. 59, “caput”, CP, que equivaleria à primeira fase de fixação da pena. Antes de 1996, esta era a posição que prevalecia, pois como a conversão da pena de multa em privativa de liberdade era possível, se o critério fosse a capacidade econômica, corria-se risco de determinar a prisão de uma pessoa mais rica por mais tempo do que outra pobre, embora tivessem cometido a mesma infração penal. Contudo, desde 1996, com a proibição da conversão da pena de multa em privativa de liberdade, esta corrente vem perdendo adeptos, pois acabou o grande argumento de dosar a pena de multa de acordo com a culpabilidade.
iii. 3ª Posição – utiliza-se o mesmo critério para a fixação da pena privativa de liberdade, previsto no art. 68, “caput”, CP: partindo do mínimo, o juiz levará em consideração as circunstâncias do art. 59 CP; em seguida, as agravantes e atenuantes genéricas; e, numa última fase, fará incidir as causas de aumento e de diminuição (critério trifásico).
b. Valor de cada dia-multa – o valor é fixado com base no maior salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, variando entre o limite mínimo de 1/30 até 5 salários-mínimos. O juiz situará este valor dentro dos limites, atendendo à capacidade econômica do réu, podendo, ainda, aumentar o valor até o triplo, se entendê-lo insuficiente e ineficaz em face da situação financeira do acusado. Note-se que, enquanto há três posições quanto ao critério para fixar o número de dias-multa, no que toca ao valor inexiste divergência.
c. Multiplicar o número de dias-multa pelo valor de cada um deles – finalmente, basta realizar a operação de multiplicação entre o número de dias-multa pelo valor de cada um deles fixado pelo juiz.
(ii) Correção monetária – como a lei manda tomar por base o valor do salário mínimo vigente na data do fato (princípio da anterioridade da pena), por equidade também determina a sua atualização de acordo com os índices de correção monetária. Quanto ao termo inicial dessa atualização, há várias correntes:
a. 1ª Posição – STJ e Capez – a partir da data do fato. Como se trata de simples atualização do valor, este deve equivaler ao da data em que foi praticada a infração penal.
b. 2ª Posição – Damásio, Alberto Silva Franco e Paulo José da Costa Jr. – não incide mais, pois a correção monetária foi extinta pelo Decreto-lei nº 2284/86, que instituiu novo regime econômico.
c. 3ª Posição – a partir do 11º dia subseqüente à citação para pagamento da multa, nos termos do art. 164 LEP. Era a posição inicial do STJ.
(iii) Execução da pena de multa –
a. Procedimento – transitada em julgado a sentença condenatória por multa, o juiz da execução penal mandará intimar o condenado a efetuar o pagamento da multa, no prazo de 10 dias. Superado o decêndio sem que tenha sido processado o pagamento, será extraída certidão comprobatória do débito e encaminhada à Procuradoria Fiscal da Fazenda Pública.
b. Questões relevantes –
i. Impossibilidade da conversão da pena de multa em restritiva de liberdade – a Lei 9268/96, que determinou nova redação ao art. 51 CP e revogou todos os seus parágrafos, passou a proibir a conversão da pena de multa em detenção na hipótese de o condenado solvente deixar de pagá-la ou frustrar a sua execução, operando-se, assim, a revogação do art. 182 LEP. A extinção da conversão foi uma medida salutar, do ponto de vista jurídico, pois o não pagamento da multa atuava, muitas vezes, como fato mais grave do que o delito cometido pelo condenado, pois em alguns casos, para o crime a multa era o suficiente (era a única pena cominada), mas para o inadimplemento, impunha-se resposta penal de maior gravidade, qual seja a pena privativa de liberdade.
ii. Atribuição para execução da pena de multa – é da Fazenda Pública (Procuradoria Fiscal) e não mais do Ministério Público (a execução da pena de multa perdeu o seu caráter penal, devendo o seu valor ser inscrito como dívida ativa do Estado. Competirá à Procuradoria da Fazenda Estadual, quando a condenação provier da Justiça Estadual, e à Procuradoria da Fazenda Nacional, quando a multa penal tiver sido imposta pela Justiça Federal.
iii. Competência para processamento da execução da pena de multa – é do juízo cível (Vara Cível, da Fazenda Pública ou de Execuções Fiscais, conforme o caso), e não mais das execuções criminais.
iv. Prazos prescricionais, causas interruptivas e suspensivas da prescrição – os prazos prescricionais para a execução da multa, bem como as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, passam a ser os previstos na Lei 6830/80 (Lei de Execuções Fiscais) e no CTN. Portanto, a prescrição ocorrerá no prazo de 5 anos (e não mais no prazo de dois anos previstos no CP). OBS: Superveniência de doença mental – acarreta a suspensão da execução da multa, mas a prescrição continua correndo, pois inexiste, nesse caso, causa suspensiva ou interruptiva do lapso prescricional.
v. Impossibilidade de cobrança dos herdeiros – a multa não pode ser cobrada dos herdeiros até o limite da herança porque tem a natureza jurídica de pena, e a pena não pode passar da pessoa do condenado (princípio da personalidade da pena – art. 5º, XLV, CF).
(iv) Multa substitutiva ou vicariante – é a pena de multa que pode substituir a pena privativa de liberdade. Estava prevista no art. 60, §2º, CP, mas referido dispositivo está revogado, uma vez que, com a nova redação do art. 44, §2º, CP, tornou-se possível a substituição por multa, isoladamente, quando a pena privativa de liberdade for igual ou inferior a um ano, desde que preenchidos os demais requisitos do referido art. 44 CP. OBS: Parte da doutrina sustenta que o art. 60, §2º, CP não foi revogado – para parte da doutrina, o art. 60, §2º, CP, não foi revogado, pois ainda é possível aplicar a pena de multa nos termos do referido artigo nos casos de crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, já que o art. 44 exige, na sua aplicação, que o crime seja sem violência ou grave ameaça à pessoa.
a. Aplicação da multa substitutiva ou vicariante – é necessário que primeiro se fixe a pena privativa de liberdade para que, então, se proceda à substituição. Na fixação da multa substitutiva não é necessário haver correspondência entre a quantidade de dias-multa e a quantidade de pena privativa de liberdade substituída. O juiz é livre para fixar o número de dias-multa e o valor de cada um deles, não se atrelando compulsoriamente à quantidade da pena de prisão.
b. Não-pagamento da multa substitutiva ou vicariante por devedor solvente – conforme se disse, essa espécie de multa passou a ser regida pelo art. 44, §2º, CP, ficando revogado o art.60, §2º, CP. Entretanto, por não se tratar de pena restritiva de direitos, não se submete às regras de conversão destas. Com efeito, à multa vicariante aplica-se a regra do art. 51 CP, segundo a qual, para fins de execução, a multa será considerada dívida de valor, estando proibida, de modo expresso, a sua conversão em pena privativa de liberdade. A conversão, portanto, só terá incidência sobre as penas restritivas de direitos em sentido estrito e restritivas de direitos pecuniárias.
OBS: 1) Multa de valor irrisório – multa não pode ser extinta por esse fundamento, pois uma das características da pena é a sua inderrogabilidade, isto é, a certeza de seu cumprimento.
2) Cumulação de multas – Súmula 171 STJ – nos termos da Súmula 171 STJ, “cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa”. Se for prevista somente a pena privativa de liberdade, é cabível a substituição. Assim, no caso do art. 16 da Lei de Tóxicos não pode ser aplicada a multa vicariante, dada a incidência da súmula em questão. Nas demais infrações, contudo, a questão continua em pé. Assim, quando a multa e a pena privativa de liberdade, não superior a um ano, e por isso apta a sofrer a substituição por pena pecuniária, estiverem cominadas na Parte Especial do CP, persiste a dúvida: soma-se a pena pecuniária originalmente prevista com a multa resultante da substituição ou esta última absorve a primeira, recebendo o agente apenas uma sanção pecuniária, qual seja a vicariante? Há duas posições: 1ª Posição – Jurisprudência minoritária e Capez – as multas devem ser somadas porque a multa vicariante só substitui a privativa de liberdade, a multa vicariante tem natureza diversa da multa cominada abstratamente no tipo penal, além do que o legislador quis cominar duas penas, não sendo razoável que se aplique apenas uma. 2ª Posição – Jurisprudência majoritária e Damásio – a multa vicariante substitui todas as penas cominadas abstratamente no tipo.

MEDIDA DE SEGURANÇA – é uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinqüir.
(i) Sistemas –
a. Vicariante – pena OU medida de segurança. É o adotado pelo nosso CP, sendo impossível a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança. Aos imputáveis, pena; aos inimputáveis, medida de segurança; aos semi-imputáveis, uma ou outra, conforme recomendação do perito.
b. Duplo binário – pena E medida de segurança. O sujeito cumpre a pena e, ao seu final, se realiza um exame psiquiátrico. Constatando-se a sua periculosidade, ele permanece internado. Era o sistema da antiga Parte Geral do CP.
(ii) Finalidade – conforme se extrai do conceito, é exclusivamente preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstraram, pela prática delitiva, potencialidade para novas ações danosas.
(iii) Pressupostos –
a. Prática de crime – não se aplica medida de segurança se não houver prova da autoria ou do fato, se estiver presente causa de exclusão da ilicitude, se o crime for impossível ou se ocorreu a prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade. Em todos esses casos, não ficou demonstrada a prática de infração penal; logo, não se impõe a medida de segurança. Não é qualquer doente mental que recebe essa sanção, mas somente aqueles que realizam fatos típicos e ilícitos.
b. Periculosidade – é a potencialidade para novas ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental. A periculosidade pode ser:
i. Presumida – é a que está presente na inimputabilidade. Basta o laudo apontar a perturbação mental para que a medida de segurança seja obrigatoriamente imposta.
ii. Real – é a que ocorre na semi-imputabilidade. Neste caso, mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deve o juiz verificar se no caso concreto é cabível a medida de segurança ou a pena reduzida.
(iv) Espécies –
a. Medida de segurança detentiva –é a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (art. 97 CP).
i. Características –
1. Obrigatória na reclusão – a medida de segurança detentiva é obrigatória quando a pena imposta for a de reclusão.
2. Prazo indeterminado – será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. OBS: Constitucionalidade do prazo indeterminado – não é inconstitucional o prazo indeterminado das medidas de segurança porque estas não são penas, não violando, portanto, a proibição de condenação a penas perpétuas previstas na CF. Além disso, não há proporcionalidade nas medidas de segurança e isto não é inconstitucional, pois elas não guardam relação com o mal produzido à sociedade, diferentemente do que ocorre com a pena.
3. Reavaliação no prazo mínimo de 1 a 3 anos – a cessação da periculosidade será averiguada após um prazo mínimo, variável de 1 a 3 anos.
4. Reavaliação a qualquer tempo mediante pedido do juiz da execução – a averiguação pode ocorrer a qualquer tempo, mesmo antes do término do prazo mínimo, se o juiz da execução determinar (art. 176 LEP).
ii. Local da internação – o internado será recolhido a estabelecimento de características hospitalares (art. 99 CP). Na falta de vaga, a internação pode dar-se em hospital comum ou particular, mas nunca em cadeia pública. Dessa forma, constitui constrangimento ilegal a manutenção do réu destinatário de medida de segurança em estabelecimento inadequado por inexistência de vaga em hospital.
iii. Desinternação – será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de sua periculosidade (não necessariamente crime). OBS: Recurso – da decisão que desinternar o sentenciado cabe agravo em execução com efeito suspensivo (art. 179 LEP – é o único caso da LEP em que o recurso de agravo em execução tem efeito suspensivo).
b. Medida de segurança restritiva – é a sujeição do acusado a tratamento ambulatorial (art. 97 CP).
i. Características –
1. Facultativa na detenção – se o fato é punido com detenção, pode o juiz submeter o agente a tratamento ambulatorial. Portanto, a medida de segurança de tratamento ambulatorial nos crimes apenados com detenção é facultativa, ficando condicionada à maior ou menor periculosidade do inimputável, de modo que pode o juiz optar pela sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, mediante exame do caso concreto e da periculosidade demonstrada.
2. Prazo indeterminado – o tratamento ambulatorial será por prazo indeterminado até a constatação da cessação da periculosidade. OBS: Constitucionalidade do prazo indeterminado – há duas posições a respeito do tema: 1ª Posição – não é inconstitucional o prazo indeterminado das medidas de segurança porque estas não são penas, não violando, portanto, a proibição de condenação a penas perpétuas previstas na CF. Além disso, não há proporcionalidade nas medidas de segurança e isto não é inconstitucional, pois elas não guardam relação com o mal produzido à sociedade, diferentemente do que ocorre com a pena. 2ª Posição – a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua se aplica à custódia implementada sob o ângulo de medida de segurança, tendo em conta, ainda, o limite máximo do tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade a que alude o art. 75 CP, e o que estabelece o art. 183 LEP, que delimita o período da medida de segurança ao prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, dessa forma, ser mais gravosa do que a própria pena. Com base nisso, conclui-se que, embora o §1º do art. 97 CP disponha ser indeterminado o prazo da imposição de medida de segurança, a interpretação a ser dada a esse preceito deve ser teleológica, sistemática, de modo a não conflitar com as mencionadas previsões legal e constitucional que vedam a possibilidade de prisão perpétua.
3. Reavaliação no prazo mínimo de 1 a 3 anos – a cessação da periculosidade será averiguada após um prazo mínimo, variável de 1 a 3 anos.
4. Reavaliação a qualquer tempo mediante pedido do juiz da execução – a averiguação pode ocorrer a qualquer tempo, mesmo antes do término do prazo mínimo, se o juiz da execução determinar (art. 176 LEP).
ii. Liberação – será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de sua periculosidade (não necessariamente crime). OBS: Recurso – da decisão que desinternar o sentenciado cabe agravo em execução com efeito suspensivo (art. 179 LEP – é o único caso da LEP em que o recurso de agravo em execução tem efeito suspensivo).
OBS: 1) Conversão do tratamento ambulatorial em internação – o art. 97, §4º, CP, prevê que poderá o juiz, em qualquer fase do tratamento ambulatorial, determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. O contrário não ocorre, uma vez que não previu a lei a possibilidade de o juiz converter a medida de internação em tratamento ambulatorial.
2) Lei de Tóxicos e inaplicabilidade do art. 97 CP – não se aplica a regra geral prevista no art. 97 CP, segundo a qual a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico será obrigatória se o crime for punido com reclusão. Para os crimes previstos na Lei de Tóxicos, aplica-se o art. 10 da referida lei, e a internação só será determinada se imprescindível para a eficácia do tratamento.
(v) Semi-imputável – art. 98 CP – é aplicável também o sistema vicariante: ou o juiz reduz a pena de 1/3 a 2/3, ou a substitui por medida de segurança. A decisão que determina a substituição precisa ser fundamentada e só deve ser determinada se o juiz entendê-la cabível, inexistindo direito subjetivo do agente. Não sendo o caso de substituição por medida de segurança, a diminuição de pena é obrigatória. OBS: Medida de segurança e “reformatio in pejus” (Súmula 525 STF) – o STF pronunciou-se no sentido de que “com a reforma penal de 1984, a medida de segurança passou a ser aplicada somente aos inimputáveis e aos semi-imputáveis, podendo substituir a pena privativa de liberdade quando for o caso, conforme inteligência dos arts. 97 e 98 CP. Assim, a Súmula 525 STF, editada antes da citada reforma, subsiste apenas para vedar a “reformatio in pejus” no caso específico da medida de segurança. O STJ, por sua vez, decidiu que “no sistema da nova Parte Geral do CP é possível a substituição da pena pela medida de segurança do art. 98 CP em sede de apelação, ainda quando este seja apenas da defesa, não se aplicando a Súmula 525 STF, elaborada quando vigente o sistema duplo-binário”.
(vi) Execução da medida de segurança – o procedimento de execução da medida de segurança obedece aos seguintes passos:
a. Transitada em julgado a sentença, expede-se guia de internamento ou de tratamento ambulatorial, conforme a medida de segurança seja detentiva ou restritiva.
b. É obrigatório dar ciência ao MP da guia referente à internação ou ao tratamento ambulatorial.
c. O diretor do estabelecimento onde a medida de segurança é cumprida, até um mês antes de expirar o prazo mínimo, remeterá ao juiz um minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou a permanência da medida.
d. O relatório será instruído com o laudo psiquiátrico (o relatório não supre o exame psiquiátrico, que é de realização obrigatória).
e. Vista ao MP e ao defensor do sentenciado para manifestação dentro do prazo de 3 dias para cada um.
f. O juiz determina novas diligências ou profere decisão em 5 dias.
g. Da decisão proferida caberá recurso de agravo, com efeito suspensivo (é a única hipótese em que o agravo tem este efeito – art. 179 LEP).
OBS: 1) Inimputabilidade do menor de 18 anos – não se aplica medida de segurança, sujeitando-se o menor à legislação própria, no caso o ECA (Lei 8069/90).
2) Competência para revogar medida de segurança – com o advento da LEP (art. 176 LEP), a competência para conhecer do pedido de revogação da medida de segurança, por cessação da periculosidade, é do juiz da execução e não mais da segunda instância, ficando, nesse passo, revogado o art. 777 CPP.
3) Medida de segurança e detração – o juiz deve fixar na sentença um prazo mínimo de duração da medida de segurança, entre 1 e 3 anos. Computa-se nesse prazo mínimo, pela detração, o tempo de prisão provisória ou o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou estabelecimento adequado (arts. 41 e 42 CP).
4) Aplicação provisória da medida de segurança – é inadmissível. Não há suporte legal. A Lei 7209/84, que modificou o CP, não repetiu a regra do art. 80 do CP de 1940, sendo certo que tal modificação propiciou a revogação dos arts. 378 e 380 CPP, que tratam da aplicação provisória de medida de segurança.
5) Prescrição e medida de segurança – a medida de segurança está sujeita a prescrição, porém não há na legislação disposição específica que a regule. Há duas posições: 1ª Posição – Majoritária – não havendo imposição de pena, o prazo prescricional será calculado com base no mínimo abstrato cominado ao delito cometido pelo agente. 2ª Posição – Minoritária – o prazo deverá ser calculado com base no máximo da pena abstratamente cominada. Como as medidas de segurança não se confundem com penas, o trato prescricional não pode ter como parâmetro o “quantum” fixado pela decisão para sua duração, mas sim o máximo da pena abstratamente cominada ao ilícito pela lei, nos termos dos arts. 97, § único, e 109 CP. Outra questão relevante sobre o tema – em se tratando de medida de segurança substitutiva, há posicionamento no sentido de que deve ser levada em consideração, para efeitos de prescrição, a reprimenda cominada na sentença substituída.
6) Conversão da pena em medida de segurança – é possível que no curso da execução da pena privativa de liberdade sobrevenha doença mental ou perturbação da saúde mental ao condenado. Nesses casos, a LEP autoriza o juiz, de ofício, a requerimento do MP ou da autoridade administrativa, a conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança (art. 183 LEP). Há, para estes casos, um incidente chamado “incidente de conversão da pena em medida de segurança”. A conversão somente poderá ocorrer durante o prazo de cumprimento da pena e exige perícia médica. Quanto ao prazo da medida de segurança, na hipótese de conversão, há duas posições: 1ª Posição – STJ – a medida de segurança convertida não pode ultrapassar o tempo restante de duração da pena (limitado ao máximo de 30 anos), de modo que, se, encerrado o prazo da pena, ainda persistir a necessidade de tratamento, deverá ser o condenado encaminhado ao juízo cível, nos termos do art. 682, §2º, CPP. 2ª Posição – Capez – realizada a conversão, a execução deverá persistir enquanto não cessar a periculosidade do agente, não mais se cogitando o tempo de duração da pena substituída.

APLICAÇÃO DA PENA –
(i) Sistema trifásico – o art. 68 CP adotou o sistema trifásico de cálculo de pena, de forma que o processo individualizador da pena deve desdobrar-se em três etapas: fixação da pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59 CP; circunstâncias agravantes e atenuantes; e causas de aumento ou de diminuição de pena. Esse é o sistema que deverá ser respeitado pelo juiz ao calcular a pena imposta ao réu na sentença condenatória, em atenção à norma constitucional que obriga a lei a regularizar a individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF). Importante lembrar que, antes de iniciar a aplicação da pena, o juiz deve verificar se existe ou não qualificadora, a fim de saber dentro de quais limites procederá à dosimetria (ex.: se o homicídio for simples, a pena será fixada entre um mínimo de 6 e um máximo de 20 anos, mas, se estiver presente a qualificadora, a dosagem dar-se-á entre 12 e 30 anos).
(ii) Regras básicas – deve o juiz:
a. Verificar, de início, se o crime é simples ou qualificado, a fim de saber, desde logo, dentro de quais limites de pena procederá à operação de dosimetria.
b. Iniciar a operação de dosagem, partindo sempre do limite mínimo.
c. Justificar a cada operação as circunstâncias que entendeu relevantes na dosimetria da pena, especialmente no caso de agravá-la ou aumentá-la, sob pena de nulidade.
d. Aplicar, na primeira fase, as circunstâncias judiciais, de acordo com os critérios fixados no art. 59 CP. Não basta a simples referência genérica às circunstâncias abstratamente enumeradas no mencionado artigo; necessário se faz que o juiz se refira de modo específico aos elementos concretizadores das circunstâncias judiciais fixadas no art. 59 CP. O juiz, nesta fase, não pode fixar a pena abaixo do mínimo, nem acima do máximo legal.
e. Na segunda fase, aplicar as atenuantes e agravantes incidentes à espécie, estabelecendo a quantidade de cada aumento ou redução, com a observância de que, nesta fase, a pena também não pode sair dos limites legais, nem aquém, nem acima.
f. Na terceira e última fase, proceder aos aumentos e diminuições previstos nas Partes Geral e Especial, podendo a pena ficar abaixo do mínimo ou acima do máximo (ex.: no caso do homicídio simples tentado, se, decorridas as duas primeiras fases, a pena do homicídio continuar no piso legal de 6 anos, a redução decorrente da tentativa poderá fazer com que a pena chegue a até 2 anos – 6-2/3, de acordo coma regra do art. 14, § único, CP).
(iii) Fases de aplicação da pena –
a. Primeira fase – Fixação da pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59 CP – são também conhecidas como circunstâncias inominadas, uma vez que não são enumeradas exaustivamente pela lei, que apenas fornece parâmetros para sua identificação (art. 59 CP). Ficam a cargo da análise discricionária do juiz, diante de determinado agente e das características do caso concreto. Observe-se que a lei não diz quanto o juiz deve aumentar ou diminuir em cada circunstância, sendo esse “quantum” de livre apreciação do juiz. Justamente pelo fato de a lei penal reservar ao juiz um considerável arbítrio na valorização das circunstâncias é que se faz necessário fundamentar a fixação da pena-base. Nessa primeira fase de fixação da pena, o juiz jamais poderá sair dos limites legais (art. 59, II, CP), não podendo reduzir aquém do mínimo, nem aumentar além do máximo (Súmula 231 STJ). As circunstâncias judiciais são:
i. Culpabilidade – a expressão não foi feliz. Culpabilidade é o juízo de reprovação exercido sobre o autor de um fato típico e ilícito. Trata-se de pressuposto para a aplicação da pena. Se houver culpabilidade, o agente responderá pelo fato; caso contrário, será absolvido. Desse modo, a culpabilidade funciona como pressuposto para que o sujeito seja condenado e receba uma apenação, e não como critério de dosagem da quantidade da pena a ser aplicada. Pretendeu o legislador que o “grau de culpabilidade”, e não a culpabilidade, fosse o fator a orientar a dosimetria penal. Assim, todos os culpáveis serão punidos, mas aqueles que tiverem um grau maior de culpabilidade receberão, por justiça, uma apenação mais severa. Todos que agem com dolo ou culpa cometem crime doloso ou culposo, mas, dependendo da intensidade dessa culpa ou desse dolo, a pena será mais ou menos branda. Além do grau de dolo e culpa, todas as condições pessoais do agente, a avaliação dos atos exteriores da conduta, do fim almejado e dos conflitos internos do réu, de acordo com a consciência valorativa e os conceitos éticos e morais da coletividade, são considerados pelo juiz, ao fixar essa circunstância judicial.
ii. Antecedentes – são todos os fatos da vida pregressa do agente, bons ou maus, ou seja, tudo o que ele fez antes da prática do crime. Como a lei penal acabou por considerar a “conduta social” do réu como circunstância independente dos antecedentes, estes passaram a significar somente anterior envolvimento em inquéritos policiais e processos criminais. Assim, considera-se para fins de maus antecedentes os delitos que o condenado praticou antes do que gerou a sua condenação. Os delitos praticados posteriormente não caracterizam os maus antecedentes. OBS: 1) Circunstâncias do crime e personalidade do agente como fator indicador de maus antecedentes – recentemente, o STF ampliou o conceito de maus antecedentes ao levar em consideração as circunstâncias do crime e personalidade do agente como fator indicador de maus antecedentes. A despeito deste posicionamento, a expressão “antecedentes” comporta interpretação restritiva, do contrário o art. 59 CP não falaria também em personalidade e conduta social do agente. 2) Envolvimento em inquéritos policiais e processos-crime – anteriores envolvimentos em inquéritos policiais e processos-crime, mesmo que não tenha havido condenação, caracterizam maus antecedentes, segundo entendimento majoritário. 3) Absolvição por falta de provas (art. 386, VI. CPP) – há entendimento minoritário no sentido de que também indica maus antecedentes. 4) Sentença condenatória alcançada pela prescrição retroativa – neste caso, o STF manifestou-se pela inexistência de maus antecedentes. 5) Aplicabilidade da prescrição qüinqüenal da reincidência, prevista no art. 64, I, CP, aos antecedentes – este dispositivo legal prevê a prescrição da reincidência se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 anos. Nesse caso, a condenação anterior caducaria e não poderia gerar a reincidência. Tal sistema, conhecido como da temporariedade, e que tem por objetivo evitar que uma condenação criminal marque perpetuamente a vida do agente, limita os efeitos da reincidência no tempo. A dúvida reside na possibilidade de sua aplicação aos antecedentes criminais. Há duas posições: 1ª Posição – STF – continuam a gerar maus antecedentes, portanto não se aplica o disposto no art. 64, I, CP. Assim, a existência de condenações penais anteriores irrecorríveis, mesmo revelando-se inaplicável a circunstância agravante da reincidência, ante o que dispõe o art. 64, I, CP, não inibe o Poder Judiciário de considerá-las, no processo de dosimetria da pena, como elementos caracterizadores de maus antecedentes judiciário-sociais do acusado. 2ª Posição – STJ – não geram maus antecedentes, portanto se estende o critério previsto no art. 64, I, CP aos antecedentes criminais. A reincidência é de efeito limitado no tempo. Também os antecedentes criminais não são perpétuos. Os adeptos dessa corrente sustentam que o estigma da sanção criminal não é perene. Limita-se no tempo. Transcorrido o tempo referido sem outro delito, evidencia-se a ausência de periculosidade. O condenado quita a sua obrigação com a justiça penal. Conclusão esta válida para os antecedentes, pois seria ilógico afastar expressamente a agravante e persistir genericamente para recrudescer a sanção aplicada. 6) Prova dos antecedentes – não bastam referências inscritas na folha de antecedentes expedida pelo Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública. Exige-se certidão cartorária, nos termos do disposto no art. 155 CPP.
iii. Conduta social – enquanto os antecedentes se restringem aos envolvimentos criminais do agente, a conduta social tem um alcance mais amplo, referindo-se às suas atividades relativas ao trabalho, seu relacionamento familiar e social e qualquer outra forma de comportamento dentro da sociedade.
iv. Personalidade – é a índole do agente, seu perfil psicológico e moral. Seu conceito pertence mais ao campo da psicologia e psiquiatria do que ao direito, exigindo-se uma investigação dos antecedentes psíquicos e morais do agente, de eventuais traumas da infância e juventude, das influências do meio circundante, da capacidade para elaborar projetos para o futuro, do nível de irritabilidade e periculosidade, da maior ou menor sociabilidade, dos padrões éticos e morais, do grau de autocensura, etc. A intensificação acentuada da violência, a brutalidade incomum, a ausência de sentimento humanitário, a frieza na execução do crime, a inexistência de arrependimento ou sensação de culpa são indicativos de má personalidade.
v. Motivos do crime – são os precedentes psicológicos propulsores da conduta. A maior ou menos aceitação ética da motivação influi na dosagem da pena (ex.: praticar um crime por piedade é menos reprovável do que fazê-lo por cupidez). Caso o motivo configure qualificadora, agravante ou atenuante genérica, causa de aumento ou de diminuição, não poderá ser considerado como circunstância judicial, evitando-se o “bis in idem”.
vi. Circunstâncias e conseqüências do crime – possuem caráter genérico, incluindo-se nessa referência as de caráter objetivo e subjetivo não inscritas em dispositivo específico. As circunstâncias podem dizer respeito, por exemplo, à duração do tempo do delito, que pode demonstrar maior determinação do criminoso; ao local do crime, que pode indicar a maior periculosidade do agente; à atitude de frieza, insensibilidade do agente durante ou após a conduta criminosa. As conseqüências dizem respeito à extensão do dano produzido pelo delito, desde que não constituam circunstâncias legais. Embora todos os crimes praticados com violência causem repulsa, alguns trazem conseqüências particularmente danosas, como o latrocínio, em que a vítima era casada, deixando viúva e nove filhos, dois deles com trauma psíquico irreversível. OBS: Crime exaurido – no caso do chamado crime exaurido, que é aquele onde, mesmo após a consumação, o agente perseverou na sua agressão ao bem jurídico, as conseqüências do crime atuam decisivamente para o aumento da pena.
vii. Comportamento da vítima – embora inexista compensação de culpas em Direito Penal, se a vítima contribuiu para a ocorrência do crime, tal circunstância é levada em consideração, abrandando-se a apenação do agente. Há, inclusive, estudos de vitimologia a demonstrar que as vítimas muitas vezes contribuem para a eclosão do ato criminoso (ex.: mulher estuprada que induziu o agente por suas palavras, roupas ou atitudes imprudentes). Embora o comportamento da vítima não justifique a prática da conduta criminosa, diminuem a censurabilidade da conduta do autor do delito. OBS: Injusta provocação da vítima como circunstância atenuante genérica ou causa de privilégio – o comportamento da vítima também é tido pela lei como circunstância atenuante genérica ou causa de privilégio ao se fazer referência a “injusta provocação da vítima” nos arts. 65, III, “c”; 121, §1º; e 129, §4º, CP.
OBS: 1) Revelia – entende-se que a revelia do acusado não é circunstância judicial, não servindo para exacerbar a pena.
2) Circunstâncias judiciais na prática – na prática, a conduta social não dá para avaliar, porque precisaria de um assistente social. O mesmo se diga quanto a personalidade do agente (seria necessário um psicólogo). Os motivos do crime só podem ser levados em consideração se diferentes dos que ensejaram eventual qualificadora. Quanto ao grau de culpabilidade, é possível avaliar melhor no crime culposo, pois há vários graus de culpa.
2) Outras conseqüências das circunstâncias judiciais – podem ser: a) escolher qual pena a ser aplicada – ocorre nas hipóteses em que o legislador, no preceito secundário da norma incriminadora, cominou penas alternativas (ex.: art. 140 CP); neste caso deve o juiz escolher uma delas, com fundamento nas circunstâncias judiciais; b) escolher qual o regime inicial de pena – após cumprir-se o disposto no art. 68 CP, ou seja, após a fixação da pena com respeito ao sistema trifásico, e, ao final, tendo sido aplicada pena privativa de liberdade, cumpre ao juiz, com base no art. 33 CP, estabelecer regime inicial de cumprimento de pena do condenado, cuja determinação far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 CP (art. 33, §3º, CP); c) substituir a pena privativa de liberdade por outra, quando a lei previr essa possibilidade – pode-se mencionar, como exemplo, o art. 44 CP, que permite a substituição por pena de multa quando for aplicada pena privativa de liberdade inferior a um ano, e o sentenciado preencher os demais requisitos exigidos em lei, quais sejam, aqueles previstos nos incisos II e III e §2º do mencionado art. 44 CP. Dentre os critérios, destaque-se o inciso III, que se refere a “culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente”.
b. Segunda fase – Circunstâncias agravantes e atenuantes previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 CP – as agravantes e atenuantes agravam ou atenuam a pena em quantidades não fixadas previamente, ficando o “quantum” do acréscimo ou da atenuação a critério de cada juiz, de acordo com as peculiaridades da cada caso concreto. Entretanto, nesta fase o juiz também não poderá fixar a pena acima do máximo ou abaixo do mínimo legal. Sempre agravam ou atenuam a pena, não podendo o juiz deixar de levá-las em consideração. Assim, o juiz partirá do mínimo legal, sempre. Em seguida, numa primeira fase, analisa a presença das circunstâncias judiciais (art. 59 CP). Se favoráveis, mantém a pena no mínimo; caso contrário, eleva a reprimenda. Superada essa primeira fase, o juiz vai aos arts. 61, 62, 65 e 66 CP e verifica se estão presentes agravantes e/ou atenuantes, elevando ou diminuindo a sanção.
i. Circunstâncias agravantes genéricas – a enumeração é taxativa, de modo que eventual circunstância que não esteja expressamente prevista como agravante poderá ser considerada, conforme o caso, como circunstância judicial (art. 59 CP). São circunstâncias agravantes genéricas:
1. Reincidência – vide tópico específico abaixo, em que o tema é melhor abordado..
2. Motivo fútil – é o motivo frívolo, mesquinho, desproporcional, insignificância, sem importância, do ponto de vista do homem médio. É aquele incapaz de justificar, por si só, a conduta ilícita. OBS: 1) Ausência de motivo – segundo a jurisprudência majoritária, não a ausência de motivo não equivale a motivo fútil, não se configurando, no caso, essa agravante. 2) Ciúme – não é motivo fútil, segundo o entendimento majoritário. 3) Embriaguez – é incompatível com a futilidade, pela perturbação que provoca na mente humana.
3. Motivo torpe – é o motivo abjeto, ignóbil, repugnante, ofensivo à moralidade média e ao sentimento ético comum (ex.: egoísmo, maldade, etc.). OBS: Vingança – embora na maioria das vezes seja considerada motivo torpe, não configura, por si só, a agravante (ex.: pai que se vinga do estuprador de sua filha de 9 anos, matando-o).
4. Finalidade de facilitar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime – nesse caso, existe conexão entre os crimes. A conexão agravadora pode ser teleológica, quando o crime é praticado para assegurar a execução do outro. Pode também ser conseqüencial, quando um crime é praticado em conseqüência de outro, visando garantir-lhe a ocultação, impunidade ou vantagem.
5. À traição, emboscada, dissimulação ou qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido –
a. Traição – é a deslealdade, a agressão sorrateira, com emprego de meios físicos (ex.: atacar pelas costas) ou morais (ex.: simulação de amizade).
b. Emboscada – é a tocaia, o ataque inesperado de quem se oculta, aguardando a passagem da vítima pelo local.
c. Dissimulação – é a ocultação da vontade ilícita, visando apanhar o ofendido desprevinido. É o disfarce que esconde o propósito delituoso.
d. Qualquer outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa do ofendido – trata-se de formulação genérica, cujo significado se extrai por meio de interpretação analógica. Pode ser a surpresa ou qualquer outro recurso.
6. Emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum –
a. Veneno – é a substância tóxica que perturba ou destrói as funções vitais.
b. Fogo – é a combustão ou qualquer outro meio que provoque queimaduras na vítima.
c. Explosivo – é toda substância inflamável que possa produzir explosão, estouro, detonação.
d. Tortura – é a infligência de sofrimento físico ou moral na vítima, desnecessário no mais das vezes para a prática do crime, demonstrando o sadismo, a insensibilidade do agente. A tortura, porém, pode constituir crime autônomo quando acompanhada das circunstâncias previstas na Lei 9455/97.
e. Meio insidioso – é uma formulação genérica que engloba qualquer meio pérfido, que se inicia e progride sem que seja possível percebê-lo prontamente e cujos sinais só se evidenciam quando em processo bastante adiantado. Geralmente, o veneno é meio insidioso, porque ministrado sem que a vítima perceba que está sendo envenenada.
f. Meio cruel – é outra forma geral e vem definido na Exposição de Motivos como todo aquele que aumenta o sofrimento do ofendido ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade (ex.: reiteração de golpes de faca).
g. Meio de que possa resultar perigo comum – é a última fórmula genérica, interpretada de acordo com o caso anterior especificado, que é o emprego de explosivo. Configuram-no disparos de arma de fogo contra a vítima, próximo a terceiros.
7. Contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge – a agravante repousa na necessidade de reprimir com maior rigor a insensibilidade moral do agente que se manifesta na violação dos sentimentos de estima, solidariedade e apoio mútuo entre parentes próximos. O parentesco pode ser o legítimo ou ilegítimo, natural (consangüíneo) ou civil (por adoção). OBS: Cônjuge – quanto ao cônjuge, não se exige casamento, sendo admissível no caso de união estável. No caso de separação de fato, não subsiste a agravante, pois deve prevalecer o sentido teleológico da lei, que reserva a agravante quando necessária a relação de fidelidade, proteção e apoio mútuo, fundamento da exacerbação da pena. Ausente entre cônjuges separados o afeto e a estima, não se justifica a agravante.
8. Com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade – o fundamento da exasperação da pena nestas circunstâncias consiste no fato de o agente transformar em agressão o que devia ser apoio e assistência. Como aquela atitude de solidariedade e auxílio era o que devia ser nessas situações, o agente viola a confiança natural em que se encontra a vítima, o que lhe diminui a defesa, facilitando a exacerbação da ação criminosa e favorecendo a segurança de seu autor.
a. Abuso de autoridade – diz respeito à autoridade nas relações privadas, e não públicas, como o abuso na qualidade de tutor.
b. Relações domésticas – são aquelas entre as pessoas que participam da vida em família, ainda que dela não façam parte, como criados, amigos e agregados.
c. Coabitação – indica convivência sob o mesmo teto.
d. Hospitalidade – é a estada na casa de alguém, sem coabitação.
9. Com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão –
a. Cargo ou ofício – devem ser públicos.
b. Ministério – refere-se a atividades religiosas.
c. Profissão – diz respeito a qualquer atividade exercida por alguém, como meio de vida.
10. Contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida –
a. Criança – é a pessoa até os 12 anos de idade incompletos (art. 2º ECA).
b. Maior de 60 anos – esta hipótese foi inserida pelo Estatuto do Idoso.
c. Enfermo – é a pessoa doente, que tem reduzida a sua condição de defesa. Considera-se o cego e o paraplégico como tal.
d. Mulher grávida – foi acrescentada pela Lei 9318/96.
11. Quando o ofendido estava sob imediata proteção da autoridade – o que se ofende não é só o bem jurídico do indivíduo, mas o respeito à autoridade que o tem sob a sua imediata proteção e cresce ainda a reprovação do fato pela audácia do agente (ex.: vítima presidiário).
12. Em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública ou desgraça particular do ofendido – pune-se o sadismo, o oportunismo imoral revelador de personalidade perversa e a absoluta ausência de solidariedade humana. A expressão “qualquer calamidade pública” deve ser interpretada como qualquer calamidade pública equiparável ao incêndio, naufrágio ou inundação.
13. Em estado de embriaguez preordenada – é a hipótese em que o agente se embriaga para cometer o crime.
ii. Circunstâncias agravantes genéricas aplicáveis ao concurso de pessoas –
1. Promover ou organizar a cooperação no crime – promover a realização do crime é dar a idéia e concretizar a conduta delituosa. É o autor intelectual do crime, o organizador, chefe ou líder. Exige-se que haja uma efetiva ascendência do artífice intelectual sobre os demais, não se configurando a agravante quando ocorrer simples sugestão. Da mesma forma, se não houve ajuste prévio, de modo a ser possível distinguir a submissão de um em relação ao outro, inexiste a agravante.
2. Dirigir a atividade dos demais – é articular e fiscalizar a execução do crime, supervisionando-a.
3. Coagir ou induzir outrem à execução material do crime –
a. Coagir – é usar de violência física (“vis absoluta”) ou moral (“vis compulsiva”) para obrigar alguém, de forma irresistível ou não, a praticar o crime. A agravante incidirá quer a coação seja irresistível, quer não, pois a lei não faz distinção nesse sentido. OBS: Constrangimento ilegal – tem-se entendido que a coação acarreta não só a agravante para o crime praticado pelo coacto como a responsabilidade pelo delito de constrangimento ilegal (art. 146 CP). Contudo, tal opinião não prospera, uma vez que a coação estará funcionando como crime e ao mesmo tempo como agravante de outro delito, o que conduziria ao “bis in idem”.
b. Induzir – é insinuar, fazer nascer a idéia de praticar o crime na mente do agente.
4. Instigar ou determinar a cometer crime alguém que esteja sob sua autoridade ou não seja punível em virtude de condição ou qualidade pessoal – instigar é reforçar uma idéia preexistente. Determinar é ordenar, impor. Exige-se que o autor do crime esteja sob a autoridade de quem instiga ou determina. A lei se refere a qualquer tipo de relação de subordinação, de natureza pública, privada, religiosa, profissional ou doméstica, desde que apta a influir no ânimo psicológico do agente. O agente atua por instigação ou por determinação, aproveitando-se da subordinação do executor ou em virtude de sua impunibilidade (menoridade, insanidade, etc.).
5. Executar o crime ou dele participar em razão de paga ou promessa de recompensa – pune-se o criminoso mercenário. Não é preciso que a recompensa seja efetivamente recebida.
iii. Circunstâncias atenuantes genéricas –sempre atenuam a pena. Sua aplicação é obrigatória. Nunca podem reduzir a pena aquém do mínimo legal. Estão enumeradas no art. 65 CP
1. Ser o agente menor de 21 anos na data do fato – é a circunstância atenuante mais importante, prevalecendo sobre todas as demais. Leva-se em conta a idade do agente na data do fato, pois o CP adotou a teoria da atividade (art. 4º CP). A redução da idade para a maioridade civil em nada alterou o CP, pois o critério de idade aqui adotado tem em conta a maturidade do agente e não sua capacidade civil. É obrigatória a consideração da referida atenuante pelo juiz, e sua desconsideração gera nulidade da sentença. OBS: Prova da idade – a prova de idade se faz, em regra, pela certidão de nascimento. Todavia, a jurisprudência tem abrandado essa posição, admitindo a cédula de identidade e a data de nascimento constante da folha de antecedentes. A Súmula 74 STJ dispõe no sentido de que “para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil”.
2. Ser o agente maior de 70 anos na data da sentença – data da sentença é a data em que esta é publicada pelo juiz em cartório. A expressão sentença é empregada em sentido amplo, compreendendo as sentenças de primeira instância e os acórdãos. Nula é a decisão que considera tal circunstância na individualização da pena.
3. Desconhecimento da lei – embora não isente de pena (art. 21 CP), serve para atenuá-la, ao passo que o erro sobre a ilicitude do fato exclui a culpabilidade. Ressalte-se que nas contravenções penais o erro ou a errada compreensão da lei, se escusáveis, geram perdão judicial (art. 8º LCP); contudo, se o erro não for justificável, incidirá a atenuante em estudo.
4. Motivo de relevante valor social ou moral –
a. Valor social – é o interesse coletivo ou público em contrariedade não manifesta ao crime praticado.
b. Valor moral – refere-se ao interesse subjetivo do agente, avaliado de acordo com postulados éticos, o conceito moral da sociedade e a dignidade da meta pretendida pelo agente.
5. Ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências – esse arrependimento difere do arrependimento eficaz, uma vez que, neste último, o agente consegue evitar a produção do resultado (art. 15 CP), enquanto o arrependimento-atenuante só ocorre depois que o resultado se produziu.
6. Reparação do dano até o julgamento – deve ocorrer até o julgamento de primeira instância. Se a reparação do dano anteceder o recebimento da denúncia ou queixa e se preenchidos os demais requisitos do art. 16 CP há causa de diminuição de pena (arrependimento posterior) e não atenuante genérica. OBS: 1) Peculato culposo – no crime de peculato culposo, a reparação do dano até a sentença isenta de pena (art. 312, §3º, CP). 2) Emissão de cheque sem fundos – no crime de emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos, a reparação do dano até o recebimento da denúncia extingue a punibilidade do agente (Súmula 554 STF); porém, se houver o emprego de fraude, este responderá pelo crime, podendo fazer jus à atenuante, caso repare o dano.
7. Praticar o crime sob coação moral resistível, obediência de autoridade superior, ou sob influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima –
a. Coação moral resistível – é o constrangimento vencível, que não isenta da responsabilidade penal, mas, mesmo assim, funciona como atenuante genérica, visto que a pressão externa influi na prática do delito. A coação moral irresistível exclui a culpabilidade, isentando de pena. Já a coação física exclui a conduta, tornando o fato atípico.
b. Obediência de autoridade superior – a obediência a ordem manifestamente ilegal não exclui a culpabilidade, mas permite a atenuação da pena.
c. Influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima – o domínio de violenta emoção pode caracterizar causa de diminuição específica, também chamada de privilégio, no homicídio doloso (art. 121, §1º, CP) e nas lesões corporais dolosas (art. 129, §4º, CP). Se o agente não estiver sob o domínio, mas mera influência, haverá a atenuante genérica e não o privilégio. Cumpre observar que a distinção entre emoção atenuante e emoção privilégio só tem relevância no dois delitos retroapontados, dado que nos demais crimes a emoção só pode funcionar como circunstância atenuante genérica.
d. Confissão espontânea da autoria do crime perante a autoridade – a confissão espontânea é considerada um serviço à justiça, uma vez que simplifica a instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa. Pode ser prestada judicial ou extrajudicialmente, desde que perante a autoridade judicial ou policial. A lei exige a confissão espontânea e não a meramente voluntária, de modo que a confissão feita por sugestão de terceiro não caracteriza a atenuante. Além disso, o agente que confessa a autoria quando já desenvolvidas todas as diligências e existindo fortes indícios, ao final confirmados, não faz jus à atenuante. Para a incidência desta, é necessária a admissão da autoria, quando esta ainda não era conhecida, sendo irrelevante a demonstração de arrependimento, pois o que a lei pretende é beneficiar o agente que coopera espontaneamente com o esclarecimento dos fatos. OBS: 1) Confissão qualificada – a confissão qualificada, em que o acusado admite a autoria, mas alega ter agido acobertado por causa excludente da ilicitude (ex.: legítima defesa), não atenua a pena, já que, nesse caso, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação da autoria, tampouco concordando com a pretensão acusatória, mas agindo no exercício do direito de autodefesa. 2) Confissão extrajudicial – a confissão extrajudicial só funciona como atenuante se não for negada em juízo. Portanto, negada a autoria no interrogatório judicial, fica afastada a atenuante. 3) Confissão em segunda instância – a confissão em segunda instância, após a sentença condenatória, não produz efeitos, uma vez que neste caso não se pode falar em cooperação espontânea quando a versão do acusado já foi repudiada pela sentença de primeiro grau.
e. Praticar o crime sob influência de multidão em tumulto, se não o provocou – ainda que a reunião da qual se originou o tumulto não tivesse fins lícitos, se o agente não lhe deu causa, tem direito à atenuação.
iv. Circunstância atenuante inominada – no art. 66 CP encontra-se a chamada circunstância atenuante inominada, a qual, embora não prevista expressamente em lei, pode ser considerada em razão de algum outro dado relevante. Portanto, a circunstância atenuante inominada deve ser relevante e pode ser anterior ou posterior ao crime. São exemplos: a confissão espontânea da autoria de crime imputada a outrem, não abrangida pelo art. 65, III, “d”, CP; o casamento do agente com a vítima no crime de lesão corporal; etc. OBS: Júri – no júri, na votação dos jurados, é obrigatória a formulação de quesito relativo às circunstâncias atenuantes, podendo os jurados votar afirmativamente, ainda que não configurada qualquer das hipóteses do art. 65 CP. É um caso de aplicação prática da atenuante inominada.
c. Terceira fase – Causas de aumento ou de diminuição de pena – causas de aumento ou de diminuição de pena são aquelas que aumentam ou diminuem a pena em quantidades previamente fixadas em lei (ex.: 1/3, metade, 2/3, etc.). Como exemplos, podemos lembrar os seguintes dispositivos da Parte Geral do CP: arts. 14, § único, 16, 21, 26, § único, 29, §1º, 70 e 71. Não interessa se as causas de aumento ou de diminuição de pena estão previstas na Parte Geral o Especial: essas causas são sempre levadas em consideração na última fase de fixação da pena, nos termos do art. 68 CP. Somente nesta última fase é que a pena poderá sair dos limites legais. OBS: Causas específicas ou especiais de aumento ou diminuição de pena – são as causas de aumento ou diminuição que dizem respeito a delitos específicos previstos na Parte Especial (ex.: art. 157, §2º, I e II, CP).
(iv) Conflito e concurso entre as circunstâncias – como acabamos de ver, fixados os limites mínimo e máximo da pena, o juiz, partindo do mínimo legal, aplicará a pena em três sucessivas fases (sistema trifásico). Pode ocorrer, no entanto, que em cada uma dessas fases haja um conflito entre algumas circunstâncias que querem elevar a pena e outras benéficas ao agente. Nestes casos, o juiz deve proceder da forma adiante exposta:
a. Conflito entre circunstâncias judiciais – procede-se do mesmo modo que no conflito entre atenuantes e agravantes abaixo explicitado. Assim, se houver circunstâncias judiciais favoráveis em conflito com outras desfavoráveis ao agente, deverão prevalecer as que digam respeito à personalidade do agente, aos motivos do crime e aos antecedentes. Em seguida, as demais circunstâncias subjetivas, ou seja, grau de culpabilidade e conduta social. E, finalmente, as circunstâncias objetivas, isto é, as conseqüências do crime e o comportamento da vítima.
b. Conflito entre agravantes e atenuantes – é possível que na segunda fase de fixação da pena ocorra para o julgador o seguinte problema: diante de três agravantes e apenas duas atenuantes aplicáveis ao caso concreto, seria possível subtrair das três agravantes as duas atenuantes e, assim, aplicar somente a circunstância agravante que sobrou? Evidentemente que não, pois, dependendo da natureza da circunstância em questão, esta poderá valer mais do que duas ou três outras juntas, ou seja, pode ser que uma atenuante sozinha valha mais do que duas agravantes. Tal questão é solucionada pelo art. 67 CP, que prevê quais as circunstâncias mais relevantes, que possuem preponderância em um eventual conflito. São preponderantes os motivos do crime, a personalidade do agente e a reincidência. Como se nota, o legislador optou por dar prevalência às circunstâncias de caráter subjetivo, as quais possuem preferência sobre as de caráter objetivo. A jurisprudência, porém, vem entendendo que a circunstância mais importante de todas, mais até do que as do art. 67 CP, isto é, os motivos do crime, a personalidade do agente, a reincidência; é a de ser o agente menor de 21 anos na data do fato. Se o agente, portanto, era menor de 21 anos à data do fato, isto é, no momento da prática da infração penal (teoria da atividade), essa circunstância atenuante genérica prepondera sobre qualquer outra. Dessa forma, conclusivamente, no conflito entre agravantes e atenuantes, prevalecerá a circunstância atenuante genérica de ser o agente menor de 21 anos na data do fato. Em seguida, as agravantes genéricas referentes aos motivos do crime, à personalidade do agente e à reincidência. Abaixo dessas, qualquer circunstância de natureza subjetiva. Por último, as circunstâncias objetivas.
c. Conflito entre circunstâncias judiciais e agravantes e atenuantes – não existe conflito, uma vez que as circunstâncias judiciais se encontram na primeira fase e as agravantes e atenuantes na segunda; logo, jamais haverá conflito. Se as judiciais forem desfavoráveis, o juiz aumenta a pena na primeira fase. Em seguida, se só existirem atenuantes, diminui, na segunda.
d. Concurso entre agravante genérica e qualificadora – pode ocorrer. No caso de homicídio qualificado por motivo torpe, emprego de veneno e de recurso que impossibilite a defesa do ofendido, terão incidência três qualificadoras (art. 121, §2º, I, III e IV). Entretanto, somente uma cumprirá a função de elevar os limites da pena mínimo e máximo. Assim, como as demais qualificadoras não poderão alterar mais os limites, qual o seu papel na fixação da pena? Há duas posições: 1ª Posição – Majoritária – as demais qualificadoras assumem a função de circunstâncias judiciais (art. 59 CP), influindo na primeira fase da dosagem da pena. É que o art. 61, “caput”, CP, dispõe que as agravantes “são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime”. Assim, como são qualificadoras, não podem funcionar como agravantes. 2ª Posição – Minoritária – as demais qualificadoras funcionam como agravantes, na segunda fase de fixação da pena.
e. Concurso entre causas de aumento de pena da Parte Geral e da Parte Especial – nesse caso, o juiz deve proceder a ambos os aumentos. Primeiro incide a causa específica e depois a da Parte Geral, com a observação de que o segundo aumento deverá incidir sobre a pena total resultante da primeira operação, e não sobre a pena-base (deve-se fazer uma operação idêntica à de “juros sobre juros”).
f. Concurso entre causas de diminuição de pena da Parte Geral e da Parte Especial – incidem as duas diminuições, da mesma forma anterior. Primeiro incide a causa específica e depois a da Parte Geral, com a observação de que a segunda diminuição deverá incidir sobre a pena total resultante da primeira operação, e não sobre a pena-base, senão poderia-se correr o risco da chamada “pena zero”, em que a pena chegaria a zero, ou pior, o condenado ficaria com um crédito para com a sociedade.
g. Concurso entre causas de aumento previstas na Parte Especial – nos termos do art. 68, § único, CP, o juiz pode limitar-se à aplicação da causa que mais aumente, desprezando-se as demais (trata-se de faculdade do juiz).
h. Concurso entre causas de diminuição previstas na Parte Especial – nos termos do art. 68, § único, CP, o juiz pode limitar-se à aplicação da causa que mais diminua, desprezando-se as demais (trata-se de faculdade do juiz).
OBS: Concurso entre causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte Especial – na hipótese de concurso entre causas de aumento ou de diminuição previstas na Parte Especial, se o juiz optar por fazer incidir ambos os aumentos ou ambas as diminuições, o segundo aumento ou a segunda diminuição incidirão sobre a pena-base e não sobre a pena aumentada.

LIMITES DE PENAS –
(i) Tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade – não pode ser superior a 30 anos (art. 75 CP). Tal dispositivo encontra-se em sintonia com o art. 5º, XLVII, “b”, CF, que proíbe penas de caráter perpétuo. Ainda que a pena imposta na condenação ultrapasse a 30 anos, o juízo da execução deve proceder à unificação para o máximo permitido em lei. Esse limite só se refere ao tempo de cumprimento de pena, não podendo servir de base para cálculo de outros benefícios, como o livramento condicional e a progressão de regime. Dessa forma, se o agente for condenado a 900 anos, só poderá obter o livramento condicional após o cumprimento de 1/3 ou metade de 900, e não de 30. Assim, só sairia em liberdade condicional após cumprir 300 ou 450 anos de pena (não conseguiria o benefício).
(ii) Nova condenação – sobrevindo nova condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido (ex.: “A” é condenado a 150 anos de reclusão. Procedida a unificação, cumpre 30. Após cumprir 12 anos, é condenado por fato posterior ao início do cumprimento da pena. Nessa nova condenação, é-lhe imposta pena de 20 anos. Somam-se os 18 que faltavam para cumprir os 30 anos com os 20 impostos pela nova condenação. Dessa soma resultará a pena de 38 anos. Procede-se a nova unificação para o limite de 30 anos. Agora, além dos 12 já cumpridos, terá de cumprir mais 30). Observe-se que a unificação das penas nesse limite traz um inconveniente: deixa praticamente impune o sujeito que, condenado a uma pena de 30 anos de reclusão, comete novo crime logo no início do cumprimento dessa sanção.
(iii) Limite da pena de multa – a pena de multa tem seu limite máximo em 360 dias-multa, no valor de 5 salários mínimos cada um (art. 49, §1º, CP), podendo ser triplicada se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo. Poderá, assim, atingir 5400 salários-mínimos (o vigente no país na época do crime), atualizados pelos índices de correção monetária (art. 49, §2º, CP).
OBS: Art. 75 CP x art. 9º da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) – é preciso tomar cuidado para não confundir a regra do art. 75 CP com a do art. 9º da Lei 8072/90. No caso da Lei dos Crimes Hediondos, foi estabelecido o limite de 30 anos como o máximo que o juiz da condenação poderá impor ao réu na sentença condenatória por crime previsto nos arts. 157, §3º, 158, §2º, 159, “caput” e seus §§1º, 2º e 3º; 213, “caput” e sua combinação com o art. 223, “caput” e parágrafo único, todos do CP. O limite na Lei 8072/90, portanto, não é para cumprimento da pena imposta, mas para sua imposição na sentença (máximo de 30 anos para cada crime). Exemplo: o latrocínio é punido com pena de 20 a 30 anos de reclusão. Caso seja cometido contra vítima não maior de 14 anos, o art. 9º manda acrescer a pena de metade, mas, por outro lado, impede o juiz de condenar o réu a mais de 30 anos, embora, em tese, o máximo cominado chegasse a 45 anos (30 + metade de 30). Assim, o limite de que trata a legislação especial é para a pena aplicada na sentença e não para a pena a ser executada, regra distinta da do art. 75 CP. Por conseguinte, o condenado por um crime previsto na mencionada lei especial pode obter os benefícios legais (progressão, livramento condicional, indulto, etc.) tendo como base uma pena de 30 anos, ao contrário do que ocorre nos demais crimes.

REINCIDÊNCIA – é a situação jurídica de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado.
(i) Natureza jurídica – trata-se de circunstância agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal. OBS: Constitucionalidade – alguns autores sustentam ser duvidosa a constitucionalidade de tal circunstância obrigatória de aumento de pena. Argumenta-se que o princípio do “ne bis in idem”, que se traduz na proibição de dupla valoração fática, tem hoje o seu apoio no princípio constitucional da legalidade, pois não se permite, segundo essa corrente de pensamento, que o fato criminoso que deu origem à primeira condenação possa servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena em relação a um outro fato delitivo. Em que pese tal discussão, o CP, em sua Parte Geral, manteve a reincidência como circunstância agravante. A exacerbação da pena justifica-se para aquele que, punido anteriormente, voltou a delinqüir, demonstrando que a sanção anteriormente imposta foi insuficiente.
(ii) Efeitos – os efeitos da reincidência são:
a. Agrava a pena privativa de liberdade (art. 61, I, CP).
b. Constitui circunstância preponderante no concurso de agravantes (art. 67 CP).
c. Impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando houver reincidência em crime doloso (art. 44, II, CP).
d. Impede a substituição da pena privativa de liberdade por pena de multa (art. 60, §2º, CP).
e. Impede a concessão de “sursis” quando por crime doloso (art. 77, I, CP).
f. Aumenta o prazo de cumprimento de pena para obtenção do livramento condicional (art. 83, II, CP).
g. Impede o livramento condicional nos crimes previstos na Lei de Crimes Hediondos, quando se tratar de reincidência específica (art. 5º da Lei 8072/90).
h. Interrompe a prescrição da pretensão executória (art. 117, VI, CP).
i. Aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110 CP).
j. Revoga o “sursis”, obrigatoriamente, em caso de condenação em crime doloso (art. 81, I, CP), e facultativamente, no caso de condenação, por crime culposo ou contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, §1º, CP).
k. Revoga o livramento condicional, obrigatoriamente, em caso de condenação a pena privativa de liberdade (art. 86 CP), e facultativamente, no caso de condenação por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade (art. 87 CP).
l. Revoga a reabilitação quando o agente for condenado a pena que não seja de multa (art. 95 CP).
m. Impede a incidência de algumas causas de diminuição de pena (arts. 155, §1º, e 171, §1º, CP).
n. Obriga o agente a iniciar o cumprimento da pena de reclusão em regime fechado (art. 33, §2º, “b” e “c”, CP).
o. Obriga o agente a iniciar o cumprimento da pena de detenção em regime semi-aberto (art. 33, 2ª parte, §2º, “c”, CP).
p. Impede a liberdade provisória para apelar (art. 594 CPP).
q. Impede a prestação de fiança em caso de condenação por crime doloso (art. 323, III, CPP).
(iii) Ocorrência – não há qualquer distinção quanto à natureza dos crimes (a lei fala apenas em “crime anterior”), caracterizando-se a reincidência entre crimes idênticos ou não, dolosos, culposos, doloso e culposo, culposo e doloso, tentados, consumados, tentado e consumado, consumado e tentado.
(iv) Prova – só se prova a reincidência mediante a certidão da sentença condenatória transitada em julgado, com a data do trânsito. Não bastam, desse modo, meras informações a respeito da vida pregressa ou a simples juntada da folha de antecedentes do agente para a comprovação da agravante. Nem mesmo a confissão do réu é meio apto a provar a reincidência.
(v) Incomunicabilidade – sendo circunstância subjetiva, não se comunica ao partícipe ou co-autor.
(vi) Prescrição da reincidência – não prevalece a condenação anterior se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração penal posterior, tiver decorrido período superior a 5 anos (período depurador), computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não houver revogação (art. 64, I, CP). Uma vez comprovado o benefício do art. 64 CP, o agente readquire a sua condição de primário, pois se operou a retirada da eficácia da decisão condenatória anterior. Com a adoção da prescrição da reincidência, o CP afastou o sistema da perpetuidade, adotando o da temporariedade da reincidência. O estigma da sanção penal não é perene. Limita-se no tempo. Assim, transcorrido certo lapso de tempo sem que outro delito tenha sido praticado, evidencia-se a ausência de periculosidade e sua normal reinserção social. O condenado quita sua obrigação coma Justiça Penal. Assim, a reincidência só prevalece se o crime for praticado até certo tempo após a extinção da pena imposta pelo anterior. OBS Primariedade técnica – é a expressão empregada pela jurisprudência para o caso do agente que já sofreu diversas condenações, mas não é considerado reincidente porque não praticou nenhum delito após ter sido condenado definitivamente.
a. Termo inicial do período depurador – depende das circunstâncias:
i. Se a pena foi cumprida – a contagem do qüinqüênio inicia-se na data em que o agente termina o cumprimento da pena, mesmo unificada. O dispositivo se refere ao cumprimento das penas, o que exclui as medidas de segurança.
ii. Se a pena foi extinta por qualquer causa – inicia-se o prazo a partir da data em que a extinção da pena realmente ocorreu e não da datada da decretação da extinção.
iii. Se foi cumprido período de prova da suspensão ou do livramento condicional – o termo inicial dessa contagem é a data da audiência de advertência do “sursis” ou do livramento.
b. Termo final do período depurador – o termo final do qüinqüênio está relacionado à data da prática do segundo crime, não à data da nova sentença condenatória.
(vii) Crimes que não induzem reincidência – são eles:
a. Crimes militares próprios – são aqueles definidos como crimes apenas no Código Penal Militar. O furto é crime militar, mas não próprio porque também previsto no CP. Já a deserdação é crime militar próprio porque não previsto em nenhum outro diploma legal. Assim, se há condenação definitiva anterior por crime militar próprio, a prática de crime comum não leva à reincidência. Se o agente, porém, pratica crime militar próprio, após ter sido definitivamente condenado pela prática de crime comum, será reincidente perante o Código Penal Militar, pois este não tem norma equivalente.
b. Crimes políticos – sejam puros (exclusiva natureza política) ou relativos (ofendem simultaneamente a ordem político-social e um interesse privado), próprios (atingem a organização política do Estado) ou impróprios (ofendem um interesse político do cidadão). Modernamente, o conceito de crime político abrange não só os crimes de motivação política (aspecto subjetivo) como os que ofendem a estrutura política do Estado e os direitos políticos individuais (aspecto objetivo).
(viii) Reincidência específica – o termo é equívoco, comportando diferentes significados.
a. Reincidência específica no CP (art. 44, §3º) – é o reincidente em crime previsto no mesmo tipo incriminador (ex.: furto e furto, lesão corporal culposa e lesão corporal culposa, etc.). Traz como efeito a proibição da substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa.
b. Reincidência específica na Lei de Crimes Hediondos – consiste na reincidência em qualquer dos crimes previstos na Lei 8072/90, e seu efeito é impedir o livramento condicional.
c. Reincidência específica no CTB – consiste na reincidência em qualquer dos crimes de trânsito previstos na Lei 9503/97, tendo como efeito possibilitar ao juiz aplicar a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículos automotores, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
(ix) Questões importantes –
a. Contravenção anterior ou posterior –
i. Condenado definitivamente pela prática de contravenção penal, vem a praticar crime – não é reincidente (art. 63 CP).
ii. Condenado definitivamente pela prática de contravenção penal, vem a praticar nova contravenção – é reincidente (art. 7º LCP).
iii. Condenado definitivamente pela prática de crime, vem a praticar contravenção penal – é reincidente (art. 7º LCP).
b. Multa anterior – não exclui a reincidência, pois a lei fala em crime anterior, independentemente da pena imposta. Embora reincidente, poderá, contudo, obter “sursis” (art. 77, §1º, CP).
c. Extinção da punibilidade em relação ao crime anterior – se a causa extintiva ocorreu antes do trânsito em julgado, o crime anterior não prevalece para efeitos de reincidência; se foi posterior, só nos casos de anistia e “abolitio criminis” a condenação perderá esse efeito. Desse modo, a prescrição da pretensão executória não afasta a reincidência do réu em face do novo delito, diferentemente do que ocorre no caso de prescrição da pretensão punitiva, que, além de extinguir a punibilidade, afasta, também, o precedente criminal.
d. Extinção da pena pelo seu cumprimento – não elimina a condenação anteriormente imposta, para efeito de reincidência, se não ocorre a hipótese prevista no art. 64, I, CP (decurso do período depurador).
e. Perdão judicial – a sentença que o aplica não induz à reincidência (art. 120 CP).
f. Reabilitação criminal – não exclui a reincidência.
g. Sentença transitada em julgado após a prática de crime – tratando-se de condenação com trânsito em julgado com data posterior à ocorrência do crime, não há que se falar em reincidência, porque não configurado o requisito básico e fundamental do reconhecimento da circunstância agravante em estudo.
h. Condenação no exterior – induz a reincidência, sem a necessidade de homologação pelo STF (art. 102, I, “h”, CF), uma vez que a sentença penal estrangeira só precisa ser homologada para ser executada no Brasil, nos termos do art. 787 CPP, c/c o art. 9º CP.
i. A mesma decisão pode ser empregada para fins de gerar reincidência e maus antecedentes? Há duas posições: 1ª Posição – Minoritária – não há que se falar em “bis in idem”. Se a biografia do acusado é fartamente ilustrativa dos seus maus antecedentes, o que impõe o agravamento da pena-base e se, de outro lado, há reincidência no sentido técnico, o juiz não tem escolha quanto a suas conseqüências, aplicando ao feito, também, a circunstância agravante, sem incorrer em “bis in idem”. 2ª Posição – Majoritária – constitui “bis in idem”. Considerada e valorizada a reincidência para estabelecer a pena-base acima do mínimo legal, incabível considerá-la novamente para agravar a pena, sob o risco de sancionar-se o “bis in idem”. Neste sentido é o teor da Súmula 241 STJ: ”a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA OU “SURSIS”– “sursis” é a suspensão da execução da pena, por um determinado prazo, mediante certas condições. A expressão “sursis” origina-se do francês “surseoir”, que significa suspender.
(i) Natureza jurídica – há duas posições acerca da natureza jurídica do “sursis”: 1ª Posição – STF e Capez – é direito público subjetivo do réu, de forma que o juiz não pode negar sua concessão ao réu quando preenchidos os requisitos legais. No entanto, resta ainda alguma discricionariedade ao julgador, quando da verificação do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos, os quais devem ficar induvidosamente comprovados nos autos, não se admitindo sejam presumidos. 2ª Posição – STJ e Damásio – é medida penal de natureza restritiva da liberdade e não um benefício. O “sursis”, denominado, no CP, “suspensão condicional da pena” deixou de ser mero incidente da execução para tornar-se modalidade de execução da condenação. Livra o condenado da sanção que afeta o “status libertatis”, todavia, impõe-se-lhe pena menos severa, eminentemente pedagógica.
(ii) Sistemas – há dois:
a. Anglo-americano – o juiz declara o réu culpado, mas não o condena, suspendendo o processo, independentemente da gravidade do delito, desde que as circunstâncias indiquem que o réu não tornará a delinqüir (levemente assemelhado ao instituto da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei 9099/95).
b. Belga-francês – o juiz condena o réu, mas suspende a execução da pena imposta, desde que aquele seja primário e a pena não ultrapasse 2 anos. É o sistema aplicado no Brasil.
(iii) Requisitos – dividem-se em objetivos e subjetivos:
a. Objetivos –
i. Pena privativa de liberdade – não pode ser concedido “sursis” nas penas restritivas de direitos nem nas penas de multa a teor do art. 80 CP.
ii. Pena igual ou inferior a 2 anos – em se tratando de concurso de crimes, não se despreza o acréscimo para efeito de consideração do limite quantitativo da pena. Desse modo, o condenado a pena superior a 2 anos de prisão não tem direito ao “sursis”, pouco importando que o aumento da pena acima da pena-base de 2 anos tenha resultado do reconhecimento do crime continuado, pois o que se deve levar em consideração para a suspensão condicional de penas é o “quantum” final resultante da condenação. OBS: 1) Inaplicabilidade da Súmula 497 STF – ainda com relação ao crime continuado, descabe a aplicação analógica da Súmula 497 STF (“quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”). 2) Crime contra o meio ambiente – na hipótese de crime contra o meio ambiente, admite-se o benefício desde que a pena privativa de liberdade não exceda a 3 anos (art. 16 da Lei 9605/98).
iii. Impossibilidade de substituição por pena restritiva de direitos – o “sursis” é subsidiário em relação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois só se admite a concessão do “sursis” quando incabível a substituição da pena privativa de liberdade por uma das penas restritivas de direito (art. 77, III, c/c art. 44 CP). Tal requisito justifica-se porque no “sursis”, operada a revogação do benefício, o condenado terá de cumprir toda a pena privativa de liberdade imposta, uma vez que, durante o período de prova, esta não foi executada, ao contrário, a sua execução ficou suspensa condicionalmente. Isto significa que não se desconta o período em que o sentenciado esteve solto. O caráter subsidiário do “sursis” em relação à pena restritiva de direitos, na prática, aniquilou o primeiro instituto, pois, como cabe a substituição por pena restritiva, quando a pena privativa imposta for igual ou inferior a 4 anos, e como o juiz é obrigado a tentar, em primeiro lugar, essa possibilidade, dificilmente sobrará hipótese para a suspensão condicional da pena, a qual tem cabimento somente no caso de pena igual ou inferior a 2 anos. Na prática, atualmente, o “sursis” tem sua aplicação limitada às seguintes hipóteses: a) se o condenado for reincidente em crime doloso, cuja condenação anterior tenha sido à pena de multa; b) se for reincidente específico em crime culposo; e c) crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
b. Subjetivos –
i. Não ser reincidente em crime doloso, salvo se a condenação anterior for a pena de multa – condenado irrecorrivelmente pela prática de crime doloso que cometeu novo crime doloso após o trânsito em julgado não pode obter o “sursis”, a menos que a condenação anterior tenha sido a pena de multa. Nas demais hipóteses é possível (inclusive se o crime anterior for militar próprio, político ou contravenção penal). OBS: Réu anteriormente beneficiado com a suspensão do processo do art. 89 da Lei 9099/95 – é cabível a concessão do “sursis”. Isso porque a suspensão do processo prevista nessa lei é uma transação, não gerando efeito de sentença condenatória, pois não implica o reconhecimento de crime pelo beneficiário, não ensejando, conseqüentemente, a perda da primariedade. Desse modo, se vier o beneficiado a ser condenado pelo cometimento de outro crime, nada obsta a concessão do “sursis” se preenchidos os demais requisitos legais.
ii. Circunstâncias do art. 59 CP favoráveis – exige-se mínimo grau de culpabilidade e boa índole, sendo incabível nas hipóteses de criminalidade violenta ou maus antecedentes. Exige-se a necessária demonstração de periculosidade do réu para indeferimento do “sursis”, de modo que deve estar apoiada em indícios válidos a presunção de futura reincidência. A intensidade do dolo não é elemento convocado para impedir a concessão do “sursis”.
(iv) Espécies de “sursis” – há quatro espécies:
a. Simples – é aquele em que, preenchidos os requisitos mencionados nos itens anteriores, fica o réu sujeito, no primeiro ano de prazo, a uma das condições previstas no art. 78, §1º, CP (prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana). OBS: Posição minoritária que sustenta a inconstitucionalidade da imposição de pena restritiva de direitos – há uma posição minoritária sustentando que é inconstitucional colocar uma pena restritiva de direitos (prestação de serviços ou limitação de fim de semana) como condição para suspender a execução de outra pena principal, no caso, a privativa de liberdade. Haveria “bis in idem”. Essa posição é minoritária pois tanto o STJ como o STF têm firme entendimento no sentido de que é admissível o “sursis” na forma do art. 78, §1º, CP.
b. Especial – o condenado fica sujeito a condições mais brandas, previstas cumulativamente no art. 78, §2º, CP (proibição de freqüentar determinados lugares; de ausentar-se da comarca onde reside se, autorização do juiz; e comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades). Para ficar sujeito a essas condições mais favoráveis, o sentenciado deve, além de preencher os requisitos objetivos e subjetivos normais, reparar o dano e ter as circunstâncias judiciais do art. 59 inteiramente favoráveis para si. Na verdade, o juiz nunca poderá, na prática, aquilatar se as condições são inteiramente favoráveis ao agente ante a falta de meios para fazê-lo. Dessa forma, esse requisito passa a ser o mesmo do “sursis” simples (circunstâncias meramente favoráveis). Quanto à reparação do dano, trata-se também de exigência do “sursis” simples, uma vez que a recusa do agente em reparar o dano é causa de revogação do benefício (art. 81, II, CP). Ora, se é causa de revogação, é causa impeditiva da concessão, erigindo-se à categoria de requisito. Assim, os requisitos para o “sursis” simples e o especial acabam sendo, na prática, idênticos. Diferença mesmo, só nas condições impostas. Cumpre observar que a condição relativa à proibição de freqüentar determinados lugares deve guardar relação com o delito praticado; assim, não pode ser estabelecida de forma imprecisa, impondo-se ao juiz a menção dos lugares que o apenado estará proibido de freqüentar enquanto vigente o benefício. OBS: Cumulação das condições do “sursis” especial no “sursis” simples – não é admitido. O art. 78, §2º, CP estatui que a condição do §1º poderá ver-se substituída, logo não pode o juiz impor ao mesmo tempo como condições do “sursis” as previstas nos §§1º e 2º daquele artigo, pois a substituição opõe-se à cumulação.
c. Etário – é aquele em que o condenado é maior de 70 anos à data da sentença concessiva. Nesse caso, o “sursis” pode ser concedido desde que a pena não exceda a 4 anos, aumentando-se, em contrapartida, o período de prova para um mínimo de 4 e um máximo de 6 anos.
d. Humanitário ou profilático – é aquele em que o condenado, por razões de saúde, independentemente de sua idade, tem direito ao “sursis”, nas mesmas condições do “sursis” etário, isto é, desde que a pena não exceda a 4 anos, aumentando-se, em contrapartida, o período de prova para um mínimo de 4 e um máximo de 6 anos. Deve ser aplicado para casos de doentes terminais.
(v) Período de prova – é o prazo em que a execução da pena privativa de liberdade imposta fica suspensa, mediante o cumprimento das condições estabelecidas. Varia de 2 a 4 anos no “sursis” simples e no especial. No etário e no humanitário, é de 4 a 6 anos. Assim, transitando em julgado a sentença que concedeu o “sursis”, o réu será intimado para a audiência admonitória. Nesta audiência, que deve ser realizada somente depois do trânsito em julgado (art. 160 LEP), o condenado será advertido de suas obrigações. Após isso, inicia-se o período de prova, que o condenado terá de cumprir determinadas condições.
OBS: 1) Prorrogação automática do período de prova – a prorrogação automática do período de prova está tratada no art. 81, §2º, CP, cujo texto dispõe que “se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo”. Veja bem: a lei fala em “processado”; logo, a mera instauração de inquérito policial não dá causa à prorrogação do “sursis”. No momento em que o agente passa a ser processado (denúncia recebida) pela prática de qualquer infração penal, a pena, que estava suspensa condicionalmente, não mais pode ser extinta sem que se aguarde o desfecho do processo. A prorrogação é, portanto, automática, não importando se o juiz determinou ou não a prorrogação antes do término do período de prova. Logo, ainda que o conhecimento do outro processo se dê após o vencimento do período de prova, se a denúncia foi recebida no seu interregno, ocorreu a prorrogação. Aliás, é no exato momento em que a denúncia pela prática de crime ou contravenção foi recebida que ocorre a automática prorrogação. Isto porque não é a prática de crime ou de contravenção penal que acarreta a revogação do benefício, mas a condenação definitiva pela sua prática. É preciso, portanto, aguardar o resultado final do processo para saber se haverá ou não a revogação. Se houver condenação, ele cumpre a pena suspensa e a decorrente do novo processo, não importa o prazo de prorrogação. É importante frisar que durante a prorrogação não subsistem as condições impostas ao réu.
2) A contradição entre os arts. 82 e 81, §2º, CP – dispõe o art. 82 CP que “expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade”. Se, até o término do período de prova, a suspensão não tiver sido revogada, a pena, cuja execução estava suspensa, está automaticamente extinta. Entre o art. 81, §2º, CP e o art. 82 CP há uma contradição, pois não fica claro o que prevalece, se a prorrogação do período de prova ou a extinção do “sursis” ante o advento de seu termo final. Ambos STF e STJ têm entendido que a prorrogação prevalece, não devendo ser extinta a pena no termo final do período de prova, se este tiver sido prorrogado automaticamente.
(vi) Condições – podem ser:
a. Legais – são as previstas em lei. São as do “sursis” simples e do especial (art. 78, §§1º e 2º, CP). OBS: Condições legais indiretas – é como são chamadas as causas de revogação do benefício. Ora, se sua ocorrência dá causa à revogação da suspensão, indiretamente consubstanciam-se em condições proibitivas (não fazer, isto é, não dar causa à revogação do benefício).
b. Judiciais – são impostas livremente pelo juiz, não estando previstas em lei (art. 79 CP). Devem, porém, adequar-se ao fato e às condições pessoais do condenado. Cite-se, como exemplo, a obrigatoriedade de freqüentar curso de habilitação profissional ou de instrução escolar. Veda-se a imposição de condições que comprometam as liberdades garantidas constitucionalmente; que exponham o condenado ao ridículo, de modo a lhe causar constrangimento desnecessário; que violem a sua integridade física; etc.
OBS: 1) Sursis incondicionado – é a suspensão condicional da pena, incondicionada. Trata-se de espécie banida pela reforma penal de 1984, inexistindo, atualmente, em nosso sistema penal, “sursis” sem a imposição de condições legais. Como se nota, a suspensão é condicional, não podendo, portanto, ser incondicionada.
2) Pode o juiz das execuções fixar condições para o “sursis” em caso de omissão do juízo da condenação? Há duas posições: 1ª Posição – STJ – pode. Os partidários desta posição entendem que, se o juiz das execuções pode modificar condições impostas pelo juiz da condenação (art. 158, §2º, LEP) e se o tribunal, ao conceder o “sursis”, pode delegar ao juízo das execuções a fixação dessas condições (art. 159, §2º, LEP), nada impede que esse juízo também fixe condições não determinadas pela sentença. Não se pode falar em ofensa à coisa julgada, pois esta diz respeito à concessão do “sursis” e não às condições, as quais podem ser alteradas no curso da execução da pena. 2ª Posição – TJSP – não pode. Entende que o juízo das execuções não pode rescindir a “res judicata”, impondo novas condições. O argumento de que a coisa julgada não alcança as condições não convence, pois modificar condições no curso da execução, ante a superveniência de fato novo, não se confunde com a transformação de “sursis” incondicionado em condicionado.
(vii) Revogação do “sursis” – pode ser obrigatória ou facultativa:
a. Obrigatória – o juiz está obrigado à proceder à revogação do “sursis” nas seguintes hipóteses:
i. Superveniência de condenação irrecorrível pela prática de crime doloso – não importa o momento em que tenha sido cometida a infração penal; pode ter sido praticada antes do crime em relação ao qual o beneficiário se encontra em gozo do “sursis”, depois do crime referido, ou mesmo depois do início do período de prova. O CP só exige que a condenação irrecorrível ocorra durante o período de prova. A condenação deve ser irrecorrível, portanto a revogação não ocorrerá enquanto o processo estiver em andamento ou na hipótese em que a decisão não transitou em julgado.
ii. Não-reparação do dano, sem motivo justificado – daí o porquê se disse ser necessária a sua inclusão como requisito do “sursis” simples. Se não repara o dano, não pode obter o “sursis” simples nem o especial, pois de nada adiantaria conceder o benefício para, logo em seguida, revogá-lo.
iii. Descumprimento de qualquer das condições legais do “sursis” simples – são as previstas no art. 78, §1º, CP.
OBS: 1) Frustração da execução da pena de multa, sendo o condenado solvente – de acordo com a redação do art. 51 CP, alterada pela Lei 9268/96, não existe mais essa hipótese de revogação. Se o ato de frustrar o pagamento da multa não mais acarreta a sua conversão em detenção, também não poderá, por nenhum outro modo, provocar a privação da liberdade.
2) Necessidade ou não de decisão do juiz acerca da revogação obrigatória – discute-se na jurisprudência se há ou não necessidade de decisão do juiz acerca da revogação obrigatória. Há duas posições: 1ª Posição – STF – tanto a prorrogação obrigatória (art. 81, §2º, CP) como a revogação obrigatória (art. 81, I, CP) são automáticas, não exigindo a lei decisão do juiz. 2ª Posição – STJ – na vigência de uma ordem constitucional que conferiu maior relevo aos postulados da defesa e do contraditório, e diante dos novos contornos da execução penal, inteiramente judicializada, em decorrência da reforma penal de 1984, não se há de conceber a revogação de plano do “sursis”. Há necessidade de observância do procedimento judicial estabelecido pela LEP, no art. 194 e ss.
b. Facultativa – o juiz não está obrigado a revogar o benefício, podendo optar por advertir novamente o sentenciado, prorrogar o período de prova até o máximo ou exacerbar as condições impostas (art. 707, § único, CPP, c/c art. 81, §§1º e 3º, CP). Ocorre nas seguintes hipóteses:
i. Superveniência de condenação irrecorrível por crime culposo ou contravenção, exceto se imposta pena de multa – não importa o momento em que tenha sido cometida a infração penal; pode ter sido praticada antes do crime em relação ao qual o beneficiário se encontra em gozo do “sursis”, depois do crime referido, ou mesmo depois do início do período de prova. O CP só exige que a condenação irrecorrível ocorra durante o período de prova. A condenação deve ser irrecorrível, portanto a revogação não ocorrerá enquanto o processo estiver em andamento ou na hipótese em que a decisão não transitou em julgado.
ii. Descumprimento das condições legais do “sursis” especial – são as previstas no art. 78, §2º, CP.
iii. Descumprimento de condição judicial – é a hipótese de descumprimento de qualquer outra condição não enumerada em lei, imposta pelo juiz com base no art. 79 CP.
OBS: Exigência de oitiva do condenado para revogação do “sursis” – há duas posições na jurisprudência: 1ª Posição – STJ – é necessária a oitiva. A revogação do “sursis” é ato jurisdicional que deve ser procedido com a garantia de defesa do beneficiado, assegurando-lhe o direito de demonstrar as causas que o levaram a descumprir as condições que lhe foram impostas pelo juiz. 2ª Posição – STF – é desnecessária a oitiva. A invocação do princípio do contraditório não obsta à revogação, de pronto, do benefício, segundo os arts. 707, § único, e 730 CPP.
(viii) Cassação do “sursis” – ocorre pelos seguintes motivos:
a. Não-comparecimento do sentenciado à audiência admonitória – audiência admonitória é a audiência de advertência, que tem como única finalidade cientificar o sentenciado das condições impostas e das conseqüências de seu cumprimento. É ato ligado à execução da pena, logo, só pode ser realizada após o trânsito em julgado da decisão condenatória. A sua realização antes desse momento viola o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CF), pois, antes da certeza de sua culpa, o acusado não pode ser advertido. Caso seja, no entanto, realizada equivocadamente antes do trânsito em julgado, não acarreta nulidade, em face do princípio da instrumentalidade das formas. Assim, como os efeitos só se produzem mesmo após o trânsito em julgado, inexiste prejuízo a inquinar de vício insanável o ato realizado de forma antecipada. O não-comparecimento do sentenciado à audiência admonitória acarreta a cassação do benefício (art. 161 LEP). A jurisprudência, no entanto, tem abrandado o tratamento dispensado pela LEP e pelo art. 705 CPP, ao deixar a critério do magistrado a possibilidade de restauração do “sursis” (ex.: o condenado que justifica satisfatoriamente o seu não-comparecimento à audiência, por motivo de doença, mediante atestado médico). OBS: 1) “Sursis” e revelia – Réu citado pessoalmente que não comparece a juízo – a revelia do acusado citado pessoalmente não impede a concessão do benefício da suspensão condicional da pena, caso sejam preenchidos todos os requisitos legais. Como neste caso o processo não tem sua tramitação suspensa em decorrência da revelia, é possível que seja prolatada sentença condenatória com a concessão do “sursis”, sendo certo que somente depois de intimado para a audiência admonitória e ainda assim o beneficiário não comparecer é que o benefício poderá ser revogado. Assim, não se denega o “sursis” por ser o réu revel e estar foragido. Somente a não-localização ou o não-comparecimento quando intimado para a audiência de advertência é que poderão ensejar a revogação do benefício. 2) “Sursis” e revelia – Réu citado por edital que não comparece a juízo – neste caso, o processo ficará suspenso e também o prazo prescricional, até sua localização (art. 366 CPP). Neste caso, como fica suspensa a tramitação do processo, não há que se falar em provimento jurisdicional final, e, portanto, a possibilidade de concessão de “sursis” ao réu revel.
b. Aumento de pena que exclua o benefício em decorrência do provimento do recurso da acusação.
OBS 1) Obrigatoriedade de manifestação sobre o “sursis” – o STF já se manifestou no sentido de que se impõe ao juiz pronunciar-se sobre a sua concessão ou não em se tratando de pena que não exceda o teto de 2 anos.
2) Crime hediondo – há duas posições acerca da possibilidade da concessão de “sursis” para os crimes previstos na Lei 8072/90: 1ª Posição – não cabe “sursis”, ante a incompatibilidade do benefício com o tratamento mais rigoroso imposto por essa legislação especial. 2ª Posição – inexistindo na Lei 8072/90 norma expressa a vedar a concessão do “sursis”, não pode o intérprete lançar mão de interpretação extensiva ou dilatória para suprimir o benefício, o que consistiria analogia “in mallam partem”.
3) Detração e “sursis” – não é possível. O “sursis” é um instituto que tem por finalidade impedir o cumprimento da pena privativa de liberdade. Assim, impossível a diminuição de uma pena que nem sequer está sendo cumprida, por se encontrar suspensa. Observe-se, porém, que, se o “sursis” for revogado, a conseqüência imediata é que o sentenciado deve cumprir integralmente a pena aplicada na sentença, e nesse momento caberá a detração, pois o tempo de prisão provisória será retirado do tempo total da pena privativa de liberdade.
4) Renúncia ao “sursis” – é possível, pois se trata de um benefício, cuja aceitação não é obrigatória, podendo ser renunciado pelo condenado por ocasião da audiência admonitória ou durante a entrada em vigor do período de prova.
5) “Sursis” para estrangeiro – o fato de ser estrangeiro, por si só, não impede o benefício. Com efeito, o estrangeiro, mesmo em caráter temporário no país, tem direito ao “sursis”, uma vez que o Decreto-Lei 4865/42, que proibia a concessão em tal hipótese, foi revogado pela Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro).
6) Inadmissibilidade de habeas corpus para pleitear “sursis” – a concessão do benefício do “sursis” exige exame dos requisitos subjetivos do agente, sendo incompatível com a celeridade do habeas corpus. Este é, assim, meio inidôneo para requerer a concessão da suspensão condicional da pena, quando denegada.
7) Dupla concessão de “sursis” ao mesmo réu em processos distintos – a jurisprudência tem admitido esta hipótese, quando o segundo “sursis” foi concedido em data em que ainda não se iniciara o período de prova do primeiro. Exemplo: a primeira decisão concessiva transita em julgado em 31 de maio de 1988. A audiência admonitória é realizada em 25 de outubro de 1988. A segunda decisão concessiva transita em julgado em 1º de agosto de 1988. Nesse caso, como o período de prova ainda não havia iniciado quando ocorreu a sentença condenatória definitiva, não há como aplicar-se o art. 81, I, CP, sendo incabível a revogação. Veja que o art. 81, I, CP é expresso em estabelecer, como hipótese revocatória, a condenação irrecorrível por crime doloso, durante o prazo do “sursis”. Diante da omissão da lei, há essa anômala situação.

LIVRAMENTO CONDICIONAL – consiste em uma antecipação provisória da liberdade do condenado, satisfeitos certos requisitos e mediante determinadas condições.
(i) Natureza jurídica – há duas posições: 1ª Posição – Damásio – é forma de execução da pena privativa da liberdade. 2ª Posição – Delmanto – é direito público subjetivo do condenado de ter antecipada a sua liberdade provisoriamente, desde que preenchidos os requisitos legais.
(ii) Requisitos –
a. Objetivos – são eles:
i. Pena privativa de liberdade
ii. Pena igual ou superior a 2 anos
iii. Reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo – assim, dispensa-se na hipótese de detento pobre, em estado de insolvência. Não se presta ao preenchimento deste requisito a simples apresentação de certidão negativa de ação indenizatória, a denotar a inexistência de ação indenizatória proposta pela vítima ou outrem para reparação do dano. Isto porque a iniciativa de reparação do dano é do sentenciado, a ele cabe a satisfação do débito, não sendo suprida com a apresentação de certidão negativa.
iv. Cumprimento de parte da pena:
1. Mais de 1/3 – desde que tenha bons antecedentes e não seja reincidente em crime doloso.
2. Mais da metade – se reincidente em crime doloso.
3. Entre 1/3 e a metade – se tiver maus antecedentes, mas não for reincidente em crime doloso.
4. Mais de 2/3 – se tiver sido condenado por crime hediondo.
b. Subjetivos – são eles:
i. Comportamento satisfatório durante o cumprimento da pena – aqui importa considerar a vida carcerária do condenado. Exige-se comportamento carcerário satisfatório, ou seja, não ser indisciplinado de modo a empreender fugas (caracteriza falta grave) ou envolver-se em brigas com outros detentos. Contudo, as sanções havidas no curso da execução não impedem a concessão do livramento condicional se o apenado, após ser devidamente sancionado administrativamente, demonstra adequado comportamento carcerário.
ii. Bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído – a omissão do Poder Público na atribuição de trabalho ao condenado não impede a concessão do benefício.
iii. Aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto.
iv. Verificação da cessação da periculosidade do agente, nos casos dos crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa.
OBS: Crime hediondo – além dos requisitos enumerados anteriormente, se for condenado por crime hediondo, para a obtenção do benefício do livramento condicional não pode ser reincidente específico (reincidente em crime hediondo).
(iii) Requisitos procedimentais –
a. Requerimento do sentenciado, de seu cônjuge ou parente em linha reta, ou, ainda, proposta do diretor do estabelecimento ou do Conselho Penitenciário (art. 712 CPP).
b. Parecer do Conselho Penitenciário (quando dele não partir a proposta) e do Ministério Público.
c. Relatório minucioso do diretor do estabelecimento penal a respeito do caráter do sentenciado, seu procedimento durante a execução da pena, suas relações com familiares e estranhos e, ainda, sobre sua situação financeira, grau de instrução e aptidão para o trabalho (art. 714 CPP).
(iv) Condições – dividem-se em obrigatórias, facultativas e judiciais:
a. Obrigatórias – art. 132, §1º, LEP:
i. Proibição de se ausentar da comarca sem comunicação ao juiz.
ii. Comparecimento periódico a fim de justificar atividade.
iii. Obter ocupação lícita dentro de prazo razoável.
b. Facultativas – art. 132, §2º, LEP:
i. Não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida de fiscalizar.
ii. Recolher-se à habitação em hora fixada.
iii. Não freqüentar determinados lugares.
c. Judiciais – nada impede que o juiz fixe outras a seu critério (art. 85 CP).
OBS: Condição legal indireta – são as causas de revogação do livramento. Assim são chamadas porque indiretamente acabam por se constituir em condições negativas (a não dar causa à revogação).
(v) Revogação – a revogação do livramento pode ser:
a. Obrigatória – na seguinte hipótese:
i. Condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime praticado antes ou durante o benefício.
OBS: Condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por contravenção – o legislador foi omisso quanto à condenação, por contravenção, a pena privativa de liberdade, não mencionando se a hipótese seria de revogação obrigatória ou facultativa.
b. Facultativa – nas seguintes hipóteses:
i. Condenação irrecorrível a pena não privativa de liberdade por crime ou contravenção praticado antes ou durante o benefício.
ii. Descumprimento das condições impostas.
OBS: Opções do juiz na revogação facultativa – presente uma das causas da revogação facultativa, o juiz poderá escolher entre qualquer destas: a) revogar o benefício; b) advertir novamente o sentenciado; c) exacerbar as condições impostas.
(vi) Efeitos da revogação do livramento –
a. Por crime praticado durante o benefício – não se desconta o tempo em que o sentenciado esteve solto e deve cumprir integralmente a sua pena, só podendo obter novo livramento com relação à nova condenação. Antes de iniciar o período de prova, o sentenciado foi advertido pelo juiz de que deveria comportar-se, ficando ciente de suas obrigações (art. 137 LEP). Ora, se, após ter sido advertido, praticou crime, isso significa que traiu a confiança do juízo, não sendo merecedor de nenhuma benesse. Vale a regra: ao traidor, nada. Nesse caso, não merece nada, desconsiderando-se totalmente o tempo em que esteve solto (ficará preso todo esse tempo). Além disso, sobre esse mesmo período não poderá obter novo livramento. Note-se que, no caso de cometimento de crime, não poderá somar o tempo que terá de cumprir preso com a nova pena, resultante do outro delito. Portanto, só poderá obter novo livramento com base na nova condenação individualmente considerada.
b. Por crime anterior ao benefício – é descontado o tempo em que o sentenciado esteve solto, devendo cumprir preso apenas o tempo que falta para completar o período de prova. Além disso, terá direito de somar o que resta da pena com a nova condenação, calculando o livramento sobre esse total (art. 84 CP e art. 141 LEP). No caso, não houve quebra do compromisso assumido ao ingressar no benefício, uma vez que se trata de crime praticado antes desse momento. Assim, a lei dá um tratamento diferenciado ao sentenciado, permitindo que conte como tempo de cumprimento de pena o período que cumpriu em liberdade e, ainda, que some o restante que vai cumprir preso com a pena imposta na nova condenação, para, sobre esse total, calcular o novo livramento.
c. Por descumprimento das condições impostas – não é descontado o tempo em que esteve solto e não pode obter novo livramento em relação a essa pena, uma vez que traiu a confiança do juízo.
(vii) Suspensão do livramento – na hipótese de crime ou contravenção penal (o art. 145 LEP não distingue a espécie de infração penal) praticado pelo liberado durante a vigência do benefício, o juiz poderá ordenar a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministério Público, suspendendo o curso do livramento condicional, cuja revogação, entretanto, ficará dependendo da decisão final.
(viii) Prorrogação automática e extinção da pena – nos termos do art. 89 CP, o juiz não poderá declarar extinta a pena enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado por crime cometido na vigência do livramento. Isso vale dizer que, no momento em que o sentenciado começa a ser processado, o período de prova se prorroga até o trânsito em julgado da decisão desse processo para que se saiba se haverá ou não revogação do benefício. Convém frisar que só haverá prorrogação automática se o processo originar-se de crime cometido na vigência do livramento e não de crime anterior. Por uma razão: a condenação por crime praticado antes do benefício não invalida o tempo em que o sentenciado esteve em liberdade condicional; logo, seria inútil prorrogar o livramento além do período de prova, pois a pena já estaria cumprida. Da mesma forma, é importante lembrar que a mera instauração de inquérito policial não acarreta a prorrogação automática, pois a lei fala só em processo. Nos termos do art. 90 CP, se, até o término, o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade. Esse dispositivo deve ser interpretado em consonância com o art. 89 CP, ou seja, após a prorrogação automática, ou quando esta não ocorrer, a pena será extinta se não houve motivo para a revogação do livramento.
OBS: 1) Livramento condicional x “sursis” – no livramento condicional, o sentenciado inicia o cumprimento da pena privativa de liberdade, obtendo, posteriormente, o direito de cumprir o restante em liberdade, sob certas condições; no “sursis”, a execução da pena é suspensa mediante a imposição de certas condições, e o condenado não chega a iniciar o cumprimento da pena imposta. Em outras palavras, o “sursis” suspende e o livramento pressupõe a execução da pena privativa de liberdade. Além disso, no livramento o período de prova corresponde ao restante da pena, enquanto na suspensão condicional esse período não corresponde à pena imposta.
2) Livramento condicional antes do trânsito em julgado – o STJ já admitiu essa hipótese em casos nos quais o acusado já se encontrava preso provisoriamente por mais tempo do que o necessário para o benefício (no caso, mais do que 1/3 da pena aplicada na sentença transitada em julgado para a acusação e, portanto, insuscetível de ser aumentada).
3) Exame criminológico – a jurisprudência vem entendendo que, mesmo nos crimes com violência ou grave ameaça, o exame não é imprescindível, pois a lei não o exige. Portanto, o exame criminológico, se o crime foi cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa, é facultativo, ficando a análise de sua necessidade subordinada à apreciação discricionária do juiz, podendo este aferir as condições postas no art. 83, § único, CP, por outros meios que não o exame pericial.
4) Livramento condicional para estrangeiro – nada impede que obtenha o benefício, desde que preencha os requisitos. No caso de turista, sem residência fixa, não terá direito. A impossibilidade para que o estrangeiro com permanência irregular ou visto temporário no Brasil obtenha o livramento condicional decorre do impedimento, que lhe impõe o art. 97 da Lei 6815/80, de exercer atividade honesta e remunerada no Brasil.
5) Inadmissibilidade de habeas corpus para pleitear livramento condicional – o habeas corpus não configura meio idôneo para a concessão de livramento, uma vez que não admite investigação probatória, sem a qual não é possível verificar o preenchimento dos requisitos legais.
6) Contraditório e ampla defesa – é inadmissível a revogação do livramento condicional sem a prévia oitiva do condenado e a oportunidade de se defender.
7) Livramento condicional humanitário – é assim chamado o benefício concedido a sentenciado que ainda não cumpriu o período de tempo necessário, mas é portador de moléstia grave e incurável. Não tem base legal, não podendo ser concedido quando não preenchidos os requisitos legais.

EFEITOS DA CONDENAÇÃO – da condenação no juízo criminal advém efeitos principais, secundários e extrapenais.
(i) Principais – é a imposição da pena privativa de liberdade, da restritiva de direitos, da pena de multa ou de medida de segurança.
(ii) Secundários – são os demais efeitos que repercutem na esfera penal, a saber:
a. Induz a reincidência.
b. Impede, em regra, o “sursis”.
c. Causa, em regra, a revogação do “sursis”.
d. Causa a revogação do livramento condicional.
e. Aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória.
f. Interrompe a prescrição da pretensão executória quando caracterizar a reincidência.
g. Causa a revogação da reabilitação.
h. Leva à inscrição do nome do condenado no rol de culpados (art. 393, II, CPP).
(iii) Extrapenais – são eles:
a. Genéricos – decorrem de qualquer condenação criminal e não precisam ser expressamente declarados na sentença. São, portanto, efeitos automáticos de toda e qualquer condenação criminal. São eles:
i. Tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime – a sentença condenatória transitada em julgado torna-se título executivo no juízo cível, sendo desnecessário rediscutir a culpa do causador do dano (art. 63 CPP). Após prévia liquidação (em geral, por artigos) para a apuração do “quantum” devido, pois a sentença penal condenatória transitada em julgado é um título executório incompleto, deve-se ingressar com a execução do valor apurado. No juízo cível somente poderá ser discutido o montante da reparação. OBS: Pena substitutiva de prestação pecuniária – observe-se que, na hipótese de ter sido aplicada a pena substitutiva de prestação pecuniária (art. 43, I, CP), o valor em dinheiro pago à vítima ou seus dependentes será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os benefícios (art. 45, §1º, CP).
ii. Confisco pela União dos instrumentos do crime, desde que seu uso, porte, detenção, alienação ou fabrico constituam fato ilícito – não é qualquer instrumento utilizado na prática de crime que pode ser confiscado, mas somente aquele cujo porte, fabrico ou alienação constituam fato ilícito. Observe-se que o confisco dos instrumentos do crime previsto no art. 91, II, “a”, CP, somente atinge os bens do autor do ilícito, não podendo terceiro, estranho à lide, ser prejudicado pela medida, assim como deve ser ressalvado o direito do lesado. A perda dos instrumentos do crime é automática, decorrendo do trânsito em julgado da sentença condenatória. Disso resulta que é incabível o confisco em estudo quando celebrada a transação penal prevista no art. 74 da Lei 9099/95, uma vez que o ato decisório é de mera sentença homologatória. Da mesma forma, não cabe falar em confisco dos instrumentos do crime na hipótese de arquivamento, absolivição ou extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. OBS: 1) Contravenção – a lei fala em instrumento de crime, o que, para a corrente jurisprudencial majoritária, impede o confisco se o agente pratica contravenção penal. Há, contudo, posição em sentido contrário, admitindo o confisco quer o agente tenha praticado crime, quer contravenção. 2) Lei de Tóxicos – no caso de crime previsto na Lei de Tóxicos (Lei 6368/76), a condenação transitada em julgado provoca a perda em favor da União de qualquer meio de transporte, maquinismo ou instrumento para a prática do crime, ainda que seu porte, alienação ou fabrico não constituam, em si mesmos, fato ilícito (art. 34 da Lei 6368/76). Da mesma forma, serão confiscadas todas as glebas de terra utilizadas para cultura ilegal de plantas psicotrópicas (art. 243 CF) e todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico (art. 243, § único, CF). 3) Confisco x medida processual de apreensão – o confisco não se confunde com a medida processual de apreensão. Esta, na realidade, é pressuposto daquele. A apreensão dos instrumentos e de todos os objetos que tiverem relação com o crime deve ser determinada pela autoridade policial (art. 6º CPP).
iii. Confisco pela União do produto e do proveito do crime – produto é a vantagem direta auferida pela prática do crime (ex.: relógio furtado); proveito é a vantagem decorrente do produto (ex.: o dinheiro obtido com a venda do relógio furtado). Na realidade, o produto do crime deverá ser restituído ao lesado ou ao terceiro de boa-fé, somente se realizando o confisco pela União se permanecer ignorada a identidade do dono ou não for reclamado o bem ou o valor. Trata-se de efeito da condenação criminal, portanto prevalece ainda que tenha ocorrido a prescrição da pretensão executória, pois esta somente atinge o cumprimento da pena, subsistindo os demais efeitos de condenação. OBS: 1) Crime ambiental – cumpre fazer menção à Lei 9605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e prevê que, verificada a infração, sejam apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. 2) Confisco do produto e do proveito do crime x pena de perda de bens e valores (art. 43, II, CP) – não se deve confundir a pena de perda de bens e valores, a qual, além de ser pena, portanto efeito principal da condenação, recai sobre o patrimônio lícito do condenado, com o confisco do proveito do crime, que é um efeito secundário da condenação e recai sobre o patrimônio ilícito do agente, ou seja, o proveito do crime.
iv. Suspensão dos direitos políticos, enquanto durar a execução da pena – art. 15, III, CF – enquanto não extinta a pena, o condenado fica privado de seus direitos políticos, não podendo sequer exercer o direito de voto. Não importa o regime de pena privativa de liberdade imposto, tampouco se a pena aplicada foi restritiva de direitos ou multa, pois, até que seja determinada a sua extinção (pelo pagamento da multa ou pelo integral cumprimento da privativa ou da restritiva, ou ainda por qualquer outra causa), permanece a suspensão dos direitos políticos. Nem mesmo o “sursis” e o livramento condicional impedem a suspensão, visto que em nenhum desses casos a pena é extinta. O que interessa, portanto, é a decretação da extinção da pena pelo juiz da execução. Nesse sentido a Súmula 9 TSE: “a suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou extinção da pena, independendo de reabilitação ou prova de reparação dos danos”.
OBS: Crimes de trânsito – o CTB prevê outro efeito extrapenal da condenação nos crimes nele tipificados: o condutor condenado por qualquer dos delitos previstos no CTB perderá sua habilitação ou permissão, ficando obrigado a submeter-se a novos exames para que possa voltar a dirigir, de acordo com as normas do Contran. Trata-se de efeito extrapenal automático da condenação, que independe de expressa motivação na sentença. Não importa, tampouco, para a incidência desse efeito, a espécie de pena aplicada ou até mesmo eventual prescrição da pretensão punitiva ou executória (art. 160 CTB).
b. Específicos – decorrem da condenação criminal pela prática de determinados crimes e em hipóteses específicas, devendo ser motivadamente declarados na sentença condenatória. Portanto, não são automáticos, nem ocorrem em qualquer hipótese. São eles:
i. Perda de cargo, função pública ou mandato eletivo – a aplicação deste efeito da condenação criminal depende de declaração motivada na sentença. O conceito de catou ou função pública é o do art. 327 CP. Ocorre em duas hipóteses:
1. Pena igual ou superior a 1 ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública – são efeitos que decorrem da prática de crimes funcionais, previstos nos arts. 312 a 326 CP, desde que seja imposta pena igual ou superior a 1 ano.
2. Pena superior a 4 anos, qualquer que seja o crime praticado.
OBS: 1) Crime de racismo praticado por servidor público – no caso de crime de preconceito de rala ou cor praticado por servidor público, também ocorrerá este efeito, se o juiz o declarar na sentença (art. 18 da Lei 7716/89).
2) Crime de tortura – a condenação do agente pela prática do crime de tortura também enseja a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, independentemente de sua quantidade (art. 1º, §5º, Lei 9455/97).
3) Perda de mandato eletivo – no caso de perda de mandato eletivo, a CF, em seu art. 15, III, dispôs que a condenação criminal transitada em julgado suspende os direitos políticos, enquanto durarem os seus efeitos. Da mesma forma, o art. 55, VI, da Carta Magna determina a perda do mandato do deputado ou senador que sofrer condenação definitiva. Trata-se de dispositivo mais abrangente, uma vez que não limita a espécie de crime a um mínimo da sanção aplicada. Tais dispositivos são normas constitucionais de eficácia plena, sendo desnecessária lei complementadora para sua aplicação.
ii. Incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado – exige-se a presença de quatro requisitos: crime doloso; sujeito a pena de reclusão; praticado contra filho, tutelado ou curatelado; declaração expressa na sentença. Decretada a incapacidade do agente, ela será, em princípio, permanente, contudo poderá ser excluída pela reabilitação (art. 93, § único, CP). Ainda que reabilitado, a capacidade não poderá ser exercida em relação ao filho, tutelado ou curatelado ofendido pelo crime. OBS: Crimes de exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134 CP), abandono de incapaz (art. 133 CP) e maus-tratos sem lesão grave ou morte (art. 136 CP) – esses delitos são punidos com pena de detenção, não se sujeitando à incapacidade como efeito da condenação.
iii. Inabilitação para dirigir veículo quando utilizado veículo como meio para a prática de crime doloso – exige três requisitos: crime doloso; veículo como instrumento do crime; declaração expressa na sentença. A inabilitação é, em princípio, permanente, mas passível de ser atingida pela reabilitação. Não se deve confundir essa inabilitação com a suspensão de permissão, autorização ou habilitação para dirigir veículo automotor aplicável aos crimes de trânsito.

REABILITAÇÃO – é o benefício que tem por finalidade restituir o condenado à situação anterior à condenação, retirando as anotações de seu boletim de antecedentes. Para Mirabete, é a declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, que assegura o sigilo dos registros sobre o processo e atinge outros efeitos da condenação. É um direito do condenado, decorrente da presunção de aptidão social, erigida em seu favor, no momento em que o Estado, através do juiz, admite o seu contato com a sociedade.
(i) Natureza jurídica – trata-se de causa suspensiva de alguns efeitos secundários da condenação e dos registros criminais. Não é causa extintiva da punibilidade e justamente por essa razão é que é possível a revogação da reabilitação com o restabelecimento dos efeitos penais da condenação que foram suspensos.
(ii) Cabimento – como a reabilitação suspende alguns efeitos secundários da condenação, só tem cabimento em existindo sentença condenatória, com trânsito em julgado, cuja pena tenha sido executada ou esteja extinta. Disso resulta que não é possível falar em reabilitação em processo do qual decorra sentença absolutória; nas hipóteses de prescrição da pretensão punitiva, uma vez que extinta a própria ação, não há que se falar em pena, quanto mais em efeitos penais da condenação. A reabilitação também não se presta ao cancelamento de anotações referentes a inquérito arquivado, pois para tanto é cabível medida de natureza administrativa. Contudo, cabe a reabilitação na hipótese de ter se operado a prescrição da pretensão executória.
(iii) Pressupostos – são os seguintes:
a. Decurso de 2 anos da extinção da pena ou da audiência admonitória, no caso de “sursis” ou livramento condicional. OBS: 1) Prescrição – observe-se que, no caso de extinção da pena pela ocorrência de sua prescrição, o prazo para requerimento de reabilitação há que ser contado do dia em que, efetivamente, ocorreu a prescrição da pena, e não do ato de sua formal declaração. 2) Condenação à pena de multa – no caso de condenação à pena de multa, conta-se o prazo a partir do pagamento desta. 3) Pluralidade de condenações – na hipótese de pluralidade de condenações, o pedido de reabilitação não pode ser feito com relação a uma só delas se ainda não foram cumpridas todas as penas. É da índole e da finalidade do instituto ser de efeitos totais, gerais, para total reintegração social do condenado.
b. Bom comportamento público e privado durante esses 2 anos.
c. Domicílio no país durante esses 2 anos.
d. Reparação do dano, salvo absoluta impossibilidade de fazê-lo ou renúncia comprovada da vítima – para o STJ, a insolvência deve ficar completamente provada para que o condenado se livre da exigência da reparação do dano, não bastando meras presunções de insolvência. Os pressupostos enumerados pela lei para a concessão de reabilitação são cumulativos, e nada autoriza que o preenchimento dos demais torne dispensável a reparação do dano. A lei exige que o dano seja ressarcido, que o condenado demonstre a impossibilidade de fazê-lo ou que exiba documento comprobatório de renúncia da vítima ou novação da dívida. Finalmente, cumpre mencionar que não é dado ao requerente da reabilitação invocar a inércia da família da vítima como causa da impossibilidade da reparação do dano, pois pode valer-se de procedimento legal para liberar-se da obrigação. OBS: 1) Prescrição da dívida no âmbito cível – se já se operou a prescrição da dívida no âmbito cível, dispensa-se o requisito da reparação do dano. 2) Condenação na ação penal e improcedência da ação civil “ex delicto” movida pela vítima – na hipótese de ser o agente condenado em ação penal e absolvido no cível pelo mesmo fato, de forma a excluí-lo da obrigação de reparar o dano, tal decisão não influi no juízo penal, de modo que a reabilitação só poderá ser concedida se o dano for reparado, pouco importando a existência de sentença civil que decida de forma contrária. Independência das instâncias civil e penal, com prevalência desta quando se decide sobre a prova do fato e da autoria. 3) Inexistência de dano – é óbvio que se dispensa o requisito da reparação do dano se não ocorreu dano algum, como, por exemplo, no delito de furto tentado, nos crimes de perigo, no crime de lesão corporal de natureza leve.
(iv) Conseqüências – são elas:
a. Sigilo sobre o processo e a condenação – é assegurado o sigilo dos registros criminais do reabilitado, que não serão mais objeto de folhas de antecedentes ou certidões dos cartórios. Tal providência é inútil, já que o art. 202 LEP assegura esse sigilo a partir da extinção da pena. Ressalte-se que o sigilo não é absoluto, pois as condenações anteriores deverão ser mencionadas quando requisitadas as informações pelo juiz criminal (art. 748 CPP).
b. Suspensão dos efeitos extrapenais específicos – é suspensa a perda do cargo ou função pública, a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela e a inabilitação para dirigir veículo. A lei, contudo, veda a recondução ao cargo e a recuperação do poder familiar, ficando a conseqüência da reabilitação limitada à volta da habilitação para dirigir veículo. Assim, com relação à perda do cargo ou função pública, não poderá ser reconduzido ao cargo que ocupava, mas apenas se candidatar a outro cargo ou função. Também para a incapacidade de exercício do poder familiar, tutela e curatela poderá o reabilitado exercê-los em relação a outros filhos, tutelados ou curatelados, mas não com referência àquele contra quem foi o crime cometido.
(v) Revogação – pode ser decretada de ofício ou a requerimento do Ministério Público. Ocorre se sobrevier condenação que torne o reabilitado reincidente, a não ser que essa condenação imponha apenas pena de multa. Assim, para a revogação, é indispensável que tenha sido aplicada na sentença pena que não seja de multa, no caso, privativa de liberdade ou restritiva de direitos.
(vi) Competência para a concessão da reabilitação – a competência é do juiz da condenação, uma vez que a reabilitação só se concede após o término da execução da pena (art. 743 CPP). Se a condenação tiver sido proferida por tribunal, ainda assim a competência será do juízo de primeira instância.
(vii) Recurso – o recurso cabível da decisão denegatória da reabilitação é o recurso de apelação (art. 593, II, CPP). OBS: Recurso de ofício – há discussão acerca da subsistência ou não do recurso de ofício (art. 746 CPP) em face da LEP, que em nenhum dispositivo trata de semelhante recurso. Para uma parte da jurisprudência, só cabe apelação. Para outra corrente, hoje majoritária, da decisão que concede reabilitação cabe também recurso de ofício, nos termos do art. 746 CPP. Segundo esse posicionamento, o art. 746 CPP não se acha revogado pela LEP, uma vez que a reabilitação não é considerada mero incidente de execução da pena, não se inserindo essa questão na competência do juízo da execução.
OBS: 1) Morte do reabilitando – extingue o processo por falta de interesse jurídico no procedimento.
2) Reincidência – não é apagada pela reabilitação, pois só desaparece após o decurso de mais de 5 anos entre a extinção da pena e a prática do novo crime (prescrição da reincidência).
3) Reabilitação negada e novo pedido – negada a reabilitação, poderá ser requerida novamente a qualquer tempo, desde que com novos elementos (art. 94, § único, CP).


CONCURSO DE CRIMES

CONCEITO – é a ocorrência de dois ou mais delitos, por meio da prática de uma ou mais ações. Caracteriza-se pela unidade de agente e pluralidade de fatos.

SISTEMAS – são dois:
(i) Cúmulo material – somam-se as penas cominadas a cada um dos crimes. Tal sistema é adotado no concurso material (art. 69 CP), no concurso formal imperfeito e no concurso das penas de multa (art. 72 CP).
(ii) Exasperação da pena – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de certo percentual. Tal sistema é adotado no concurso formal perfeito e no crime continuado. Trata-se de verdadeira derrogação da regra do cúmulo material das penas.

ESPÉCIES – são três:
(i) Concurso material ou real – é a prática de duas ou mais condutas, dolosas ou culposas, omissivas ou comissivas, produzindo dois ou mais resultados, idênticos ou não, mas todas vinculadas pela identidade do agente, não importando se os fatos ocorreram na mesma ocasião ou em dias diferentes.
a. Espécies –
i. Homogêneo – quando os crimes forem idênticos.
ii. Heterogêneo – quando os crimes forem diversos.
b. Aplicação da pena – somam-se as penas. O juiz deve fixar, separadamente, a pena de cada um dos delitos e, depois, na própria sentença, somá-las. A aplicação conjunta viola o princípio da individualização da pena, anulando a sentença. No tocante às causas especiais de aumento de pena, autoriza-se a sua incidência sobre cada um dos delitos, sem que isso caracterize dupla incidência desses fatores de majoração da sanção penal. OBS: 1) Pena privativa de liberdade somada com restritiva de direitos – é possível, caso tenha sido concedida a suspensão condicional da pena privativa de liberdade. 2) Pena restritiva de direitos somada com outra restritiva – se compatíveis, devem ser executadas simultaneamente; caso contrário, uma depois da outra. 3) Juiz competente para a aplicação da regra do concurso material – se houver conexão entre os delitos com a respectiva unidade processual, a regra do concurso material é aplicada pelo próprio juiz sentenciante. Em não havendo conexão entre os diversos delitos, que são objeto de diversas ações penais, a regra do concurso material é aplicada pelo juízo da execução, uma vez que, com o trânsito em julgado, todas as condenações são reunidas na mesma execução, momento em que as penas serão somadas (art .66, III, “a”, LEP). 4) Sistema de aplicação da pena de multa no concurso material e formal – o art. 72 CP consagra o sistema da acumulação material. Assim, tratando-se de crime em concurso formal ou material, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, não se obedecendo, pois, ao sistema de exasperação da pena, destinado na legislação somente às penas privativas de liberdade.
(ii) Concurso formal ou ideal – é a prática de uma única conduta, causando dois ou mais resultados típicos, idênticos ou não. Na realidade, o concurso formal implica a existência de dois ou mais crimes que, para efeito de política criminal, são apenados de maneira menos rigorosa.
a. Teorias – existem duas:
i. Subjetiva – exige unidade de desígnios para que haja concurso formal.
ii. Objetiva – admite a pluralidade de desígnios. É a adotada pelo CP.
b. Requisitos – são dois:
i. Conduta única – por conduta devemos entender a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. Compreende um único ato ou uma seqüência de atos desencadeados pela vontade humana, objetivando a realização de um fato típico. No verbo ou núcleo do tipo está consubstanciada a ação, pelo que é em torno dele que se fundem os elementos da conduta humana. Assim, o indivíduo que entra no domicílio alheio pratica vários atos (ex.: abre o portão, sobe a escada, abre a porta de entrada, etc.). Todos esses momentos se aglutinam, no entanto, no núcleo do tipo: entrar em casa alheia (art. 150 CP). A conduta tem, portanto, sua base no verbo constante do tipo incriminador. OBS: A unidade da conduta e a questão da reiteração de atos para a realização da conduta típica – uma pessoa que encontra várias jóias e que furta tais objetos, num só momento, apanhando-os todos com as mãos e levando-os consigo, teve uma conduta única. Se esta mesma pessoa primeiro tira duas ou três jóias e as conduz ao local onde deixou a mala em que vai colocar a “res furtiva”, e depois volta para tirar mais jóias, e assim sucessivamente, até furtar todas as que deseja, é evidente que esses vários atos formam uma única ação, visto que todos eles se fundem numa só conduta típica. Se a subtração de coisa alheia móvel só se completa depois que os bens saem da posse do dono, está claro que os atos de simples remoção ainda não completaram a conduta típica. Todavia, o indivíduo que vai furtar as jóias pode ter um companheiro, a quem ele entrega os objetos subtraídos em sucessivos atos, constituindo cada um, só por si, a subtração em seu sentido jurídico, porquanto em cada remoção realizada os objetos saíram da esfera de vigilância do respectivo dono. Ainda aqui há uma só ação, por ocorrer um entrosamento imediato entre os diversos atos. Existe, na hipótese, um contexto único da conduta (“contestualità”) que em tantos atos se desdobra. Aquela unidade de tempo e lugar, que serve para unificar em uma só ação os vários atos praticados pelo delinqüente, é indubitavelmente um critério de grande ajuda nas indagações dogmáticas. Pode-se assim falar de unidade de ação sempre que os múltiplos atos realizados pelo agente encontrem um fundo comum de coesão: e esse fundo comum é constituído pela unidade de tempo e lugar. Deve, porém, advertir-se que com semelhante critério não se pretende acenar com uma coesão especial e temporal tão íntima dos vários atos que venha a constituir uma série ininterrupta ou uma cadeia fechada de atos: o que se almeja é tão-só apelar para um critério de aproximação.
ii. Surgimento de dois ou mais fatos típicos dessa conduta – uma só conduta dá origem a mais de um fato, isto é, a mais de um crime, quando atingir mais de um bem penalmente tutelado. Por outro lado, se da conduta única surgir um único fato típico, inexistirá o concurso formal.
c. Espécies – são quatro:
i. Perfeito – resulta de um único desígnio. O agente, por meio de um só impulso volitivo, dá causa a dois ou mais resultados (ex.: o agente dirige um carro em alta velocidade e termina por atropelar e matar três pessoas). Neste caso, responde pelo crime mais grave, com um acréscimo.
ii. Imperfeito – resulta de desígnios autônomos. Aparentemente, há uma só ação, mas o agente intimamente deseja os outros resultados ou aceita o risco de produzi-los. Como se nota, esse espécie de concurso formal só é possível nos crimes dolosos (ex.: o agente incendeia uma residência com a intenção de matar todos os moradores). Observe-se que a expressão “desígnios autônomos” abrange tanto o dolo direto quanto o dolo eventual. Assim, haverá concurso formal imperfeito, por exemplo, entre o delito de homicídio doloso com dolo direto e outro com dolo eventual. Neste caso, somam-se as penas, como no concurso material.
iii. Homogêneo – ocorrem resultados idênticos. Os sujeitos passivos de cada um dos crimes são diversos, porém idêntica é a figura típica. Assim, a norma em que se enquadra a conduta típica é a mesma (ex.: lesões corporais causadas em várias vítimas em decorrência de acidente de veículo automotor).
iv. Heterogêneo – ocorrem resultados diversos. Aqui a ação única dá causa a diversos crimes (ex.: acidente de veículo, o motorista fere dois indivíduos e mata um terceiro).
d. Aplicação da pena – depende da circunstância, se no concurso formal perfeito ou imperfeito.
i. Concurso formal perfeito –
1. Homogêneo – se for homogêneo, aplica-se a pena de qualquer dos crimes (porque são idênticos), acrescida de 1/6 até a metade.
2. Heterogêneo – se for heterogêneo, aplica-se a pena do mais grave, aumentada de 1/6 até a metade.
OBS: Gradação do aumento – o aumento varia de acordo com o número de resultados produzidos. A jurisprudência propõe, embora sem caráter vinculante, que se forem dois os resultados, será de 1/6 o aumento; se forem três, será de 1/5, se forem quatro, será de 1/4; se forem cinco, será de 1/3; se forem seis ou mais resultados, o aumento será o máximo, isto é, a metade.
ii. Concurso formal imperfeito – as penas devem ser somadas, de acordo com a regra do concurso material.
OBS: 1) Concurso material benéfico – se, da aplicação da regra do concurso formal, a pena tornar-se superior à que resultaria da aplicação do concurso material (soma de penas), deve-se seguir este último critério (art. 70, § único, CP). Impede-se, assim, que, numa hipótese de “aberratio ictus” (ex.: homicídio doloso mais lesões culposas), se aplique ao agente pena mais severa, em razão do concurso formal, do que a aplicável, no mesmo exemplo, pelo concurso material. Quem comete mais de um crime, com uma única ação, não pode sofrer pena mais grave do que a imposta ao agente que reiteradamente, com mais de uma ação, comete os mesmos crimes.
2) Sistema de aplicação da pena de multa no concurso material e formal – o art. 72 CP consagra o sistema da acumulação material. Assim, tratando-se de crime em concurso formal ou material, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, não se obedecendo, pois, ao sistema de exasperação da pena, destinado na legislação somente às penas privativas de liberdade (ex.: o agente comete quatro furtos simples em concurso formal; o juiz, após aplicar a pena de reclusão de um só dos delitos, aumentando-a em 1/4, passa a aplicar a pena de multa, que no furto é cominada cumulativamente. Para cada delito o juiz fixa, por exemplo, 10 dias-multa, totalizando 40 dias-multa).
e. Concurso formal e prescrição – aplica-se a regra do art. 119 CP, ou seja, a prescrição incidirá sobre a pena de cada crime, isoladamente, sem se levar em conta o acréscimo decorrente do concurso formal.
(iii) Crime continuado – é aquele no qual o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, os quais, pelas semelhantes condições de tempo, lugar, modo de execução e outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros.
a. Teorias – há três teorias:
i. Unidade real – sustenta que os vários delitos, na realidade, constituem um único crime.
ii. Ficção jurídica – sustenta que existem vários crimes, sendo certo que a lei é que resume, por uma ficção, a existência de um único delito. É a teoria adotada pelo CP. Na realidade há uma pluralidade de delitos, mas o legislador, por uma ficção, presume que eles constituem um só crime, apenas para efeito da sanção penal. Disso decorrem conseqüências de ordem prática: a coisa julgada se opera tão-somente em relação aos delitos que foram julgados, não abraçando, assim, aqueles ulteriormente praticados, embora ligados aos demais pelos laços da continuação. No caso de anistia graça ou indulto, somente os crime abrangidos pela graça soberana têm extinta a punibilidade. Desse modo, se o agente, por exemplo, é absolvido dos diversos furtos que lhe são imputados em continuidade delitiva no mesmo processo, descobrindo-se, após o trânsito em julgado, outros furtos integrantes da seqüência delituosa, novo processo pode ser instaurado em virtude de não ter operado a coisa julgada sobre os novos fatos. Acrescente-se que, pelo art. 119 CP, nota-se claramente que o crime continuado compreende um pluralidade real de crimes, uma vez que determina que a prescrição incida isoladamente sobre cada um deles. Assim, no crime continuado, cada delito que compõe a cadeia de continuidade delitiva tem seu prazo próprio, o que revela sua existência autônoma. OBS: Consumação e tentativa – para os adeptos da teoria da ficção jurídica, não se admite a existência de um momento consumativo próprio para o crime continuado, uma vez que cada um dos delitos que o compõem conserva a sua autonomia, que é derrogada apenas para efeito de aplicação da pena. O crime continuado também não admite a forma tentada, porém nada impede que ocorra a tentativa entre as infrações componentes do crime continuado.
iii. Mista – sustenta que o crime continuado não é um só, nem são vários. Ele constitui um terceiro delito.
b. Requisitos –
i. Pluralidade de crimes da mesma espécie – crimes da mesma espécie são: 1ª Posição – Minoritária – aqueles que possuem elementos parecidos, ainda que não idênticos, pois o vocábulo “mesmo” não comporta apenas o restrito significado de “idêntico”, mas quer dizer “semelhante, análogo, parecido”. 2ª Posição – Majoritária – aqueles previstos no mesmo tipo penal, isto é, no mesmo artigo de lei, abrangendo as formas simples, privilegiadas e qualificadas, tentadas ou consumadas.
ii. Condições semelhantes de tempo – no tocante à conexão temporal, ela se traduz em certa continuidade no tempo (ex.: o ladrão, no curso de uma noite, subtrai, de vários quartos de um hotel, objetos pertencentes aos diversos hóspedes) ou, pelo menos, uma periodicidade tal que não iniba de se observar um certo ritmo entre as ações sucessivas (ex.: o agente, várias vezes, no decorrer de um mês, abusa de uma menor). Não se podem fixar a respeito indicações precisas, mas é de advertir que, se entre uma ação e outra medeia um longo trato de tempo, a continuação só existirá se outras condições positivamente a indicarem. Por outro lado, não se deve confundir a continuidade de tempo com a contemporaneidade, que ocorre quando o bem jurídico é lesado repetidamente no mesmo contexto de ação, ou num só processo de atividade. OBS: Jurisprudência – a jurisprudência admite continuidade delitiva até o espaço máximo de 30 dias entre os crimes praticados.
iii. Condições semelhantes de lugar – a prática do mesmo delito seguidamente em locais diversos não exclui a continuidade. Assim, admite-se que crimes praticados em bairros diversos de uma mesma cidade, ou em cidades próximas, podem ser entendidos como praticados em condições de lugar semelhantes. Igualmente, existe continuidade delitiva entre crimes praticados em cidades distintas, porém vizinhas.
iv. Condições semelhantes de modo de execução – o “modus operandi” utilizado pelo agente na prática dos delitos deve ser semelhante (ex.: empregado infiel que se apropria diariamente de importância em dinheiro ao recolher o numerário recebido). Por outro lado, o furto fraudulento, por exemplo, não guarda nexo de continuidade com o furto mediante arrombamento ou escalada. A jurisprudência é bem rigorosa neste requisito. OBS: 1) Variação de comparsas – a variação de comparsas impede o reconhecimento da continuidade delitiva. Da mesma forma, não há continuidade delitiva se o agente pratica um delito sozinho e outro com um comparsa. 2) Mudança no instrumento empregado para a prática do crime – do mesmo modo, se, por exemplo, há emprego de uma arma em um crime e não há no outro, não se reconhece a continuidade delitiva.
v. Unidade de desígnio – há duas teorias sobre a unidade de desígnio:
1. Objetivo-subjetiva – Majoritária na doutrina e minoritária na jurisprudência – exige-se unidade de resolução, devendo o agente desejar praticar os crimes em continuidade. Os defensores desta teoria sustentam que é inadmissível crime continuado sem a vontade de praticar os delitos em continuação, pois do contrário se estaria equiparando a continuidade delitiva à habitualidade no crime.
2. Puramente objetiva – Majoritária na jurisprudência e minoritária na doutrina – é dispensável a vontade de praticar os delitos em continuação, bastando que as condições objetivas estejam presentes. Para os defensores desta teoria, o CP adotou-a na medida em que o art. 71 CP nada fala a respeito da unidade de desígnios, só mencionando as circunstâncias objetivas semelhantes.
OBS: 1) Crime continuado x habitualidade criminosa – a habitualidade é incompatível com a continuidade. A primeira recrudesce, a segunda ameniza o tratamento penal. Em outras palavras, a reprovabilidade é mais intensa na habitualidade do que na continuidade. Em senso assim, jurídico-penalmente, são situações distintas. Não podem, outrossim, conduzir ao mesmo tratamento. O crime continuado favorece o delinqüente. A habitualidade impõe reprovação maior, de que a pena é expressão, finalidade (art. 59, “in fine”, CP) estabelecida segundo seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Na continuidade há sucessão circunstancial de crimes. Na habitualidade, sucessão planejada, indiciária do “modus vivendi” do agente. Seria contraditório, instituto que recomenda pena menor ser aplicado à hipótese que reclama sanção mais severa.
2) Crime continuado entre delitos culposos – é possível, desde que sejam crimes da mesma espécie, praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução (ex.: pessoa atropela alguém e, assustada, foge e continua atropelando outras pessoas). Para aqueles que entendem que a unidade de desígnio é fundamental para a caracterização da continuidade delitiva, não é possível crime continuado entre delitos culposos.
vi. Outras condições semelhantes – o CP faz referência às “condições semelhantes”, permitindo, portanto, o emprego da interpretação analógica, na medida em que o preenchimento das condições semelhantes deve ser feito conforme as condições especificadas no texto, as quais funcionam como parâmetro. Alguns julgados têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relações pode ser incluído no conceito de “condições semelhantes”. Assim, segundo essa orientação jurisprudencial, para o reconhecimento do crime continuado, além da conexão espacial, temporal e modal, exige-se a conexão ocasional, ou seja, deve o agente praticar o delito subseqüente aproveitando-se das mesmas oportunidades ou relações nascidas com o delito antecedente. Trata-se de mais um requisito objetivo para a configuração do delito continuado.
c. Espécies – são duas:
i. Comum – crime cometido sem violência ou grave ameaça contra pessoa (art. 71, “caput”, CP).
ii. Específico – crime doloso praticado com violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes (art. 71, § único, CP). OBS: Revogação da Súmula 605 STF – note que a reforma penal, admitindo a continuidade delitiva em crime com violência ou grave ameaça contra a pessoa, revogou a Súmula 605 STF, que não admitia continuidade delitiva nos crimes contra a vida.
d. Aplicação da pena – depende se o crime continuado é comum ou específico:
i. Crime continuado comum – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até 2/3. OBS: Gradação do aumento – o aumento varia de acordo com o número de crimes. A jurisprudência propõe, embora sem caráter vinculante, que se forem dois os crimes, será de 1/6 o aumento; se forem três, será de 1/5, se forem quatro, será de 1/4; se forem cinco, será de 1/3; se forem seis, será de metade; e se forem sete ou mais crimes, o aumento será o máximo, isto é, 2/3.
ii. Crime continuado específico – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada até o triplo.
OBS: 1) Concurso material benéfico – se, da aplicação da regra do crime continuado, a pena tornar-se superior à que resultaria da aplicação do concurso material (soma de penas), deve-se seguir este último critério.
2) Sistema de aplicação da pena de multa no crime continuado – há controvérsias se a pena de multa deve reger-se pela regra do art. 72 CP. Tudo dependerá do enfoque dado ao crime continuado, ou seja, se é considerado um concurso de crimes, hipótese em que a regra será a mesma do concurso formal, ou crime único, em que a regra será do sistema de exasperação da pena. A doutrina majoritária acolhe o entendimento de que a aplicação cumulativa da pena de multa estende-se a todas as modalidades de concurso de crimes, inclusive ao crime continuado, afastando-se a incidência do sistema de exasperação previsto no art. 71 CP. Por outro lado, a jurisprudência dominante, partindo do pressuposto de que o crime continuado é um só para efeito de aplicação da pena, tem estendido o sistema de exasperação à pena de multa, não incidindo portanto a regra do art. 72 CP.
3) A pena nas hipóteses de concurso formal homogêneo como componente do crime continuado – se, entre os componentes do crime continuado, houver também o concurso formal, aplica-se apenas o aumento decorrente da continuidade delitiva. Entendimento diverso geraria o “bis in idem”. Com efeito, se alguém, por exemplo, com pluralidade de condutas e até de desígnios, rouba três pessoas, com intervalo de horas ou dias, mediante ações objetivamente homogêneas (crime continuado), sofrerá uma só pena com um acréscimo; se, ao contrário, rouba o mesmo número de pessoas, duas delas num mesmo contexto de ação e com unidade de desígnio e a última num outro contexto de ação, ainda que homogêneas as três condutas, teremos concurso formal e crime continuado com uma só pena, mas dois acréscimos (art. 49, § único, CP). A unidade de conduta e do desígnio que presidiram o primeiro fato e inspiraram ao legislador um regime mais benigno de cúmulo jurídico (o do concurso formal) acaba por prejudicar o agente (nesse sentido, STF). Em sentido contrário, o mesmo STF também já admitiu a aplicação cumulativa das causas de aumento de pena do concurso formal e do crime continuado.
4) Momento da unificação da pena – se todos os delitos que integram a série continuada são objeto do mesmo processo, o juiz sentenciante efetuará a unificação das penas, aplicando a regra do art. 71 CP. Se, todavia, os delitos tramitarem por processos diversos, far-se-á a unificação no juízo da execução, que então aplicará a regra do art. 71 CP.
OBS: 1) Crime continuado e aplicação da lei penal no tempo – se a lei nova intervém no curso da série delitiva, deve ser aplicada a lei nova, ainda que mais grave, a toda a série continuada. O agente que prosseguiu na continuidade delitiva após o advento da lei nova tinha a possibilidade de orientar-se de acordo com os novos ditames, em vez de prosseguir na prática de seus crimes. É justo, portanto, que se submeta ao novo regime, ainda que mais severo, sem a possibilidade de alegar ter sido surpreendido.
2) Crime continuado e início da contagem do lapso prescricional – como a prescrição deve ser analisada em razão de cada fato, o prazo prescricional começa a correr do momento em que cada um desses fatos atingiu a fase consumativa.
3) A pena no crime continuado para efeitos de prescrição – Súmula 497 STF – quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.


CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – são aquelas que extinguem o direito de punir do Estado. As causas extintivas da punibilidade são mencionadas no art. 107 CP. Esse rol legal não é taxativo, pois outras existem no próprio CP e em legislação especial, como o ressarcimento do dano, que, antes do trânsito em julgado da sentença, no delito de peculato culposo, extingue a punibilidade (art. 312, §3º, CP).
(i) Morte do agente – a extinção da punibilidade no caso de morte do agente decorre de dois princípios básicos: “mors omnia solvit” (a morte tudo apaga) e o de que nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente (art. 5º, XLV, 1ª parte, CF). OBS: 1) Significado da expressão “agente” – agente significa indiciado, réu ou sentenciado, uma vez que essa causa extintiva pode ocorrer em qualquer momento da persecução penal, desde a instaurção do inquérito até o término da execução da pena. 2) Causa personalíssima – a morte do agente é causa personalíssima, que não se comunica aos partícipes ou co-autores (só extingue a punibilidade do falecido). 3) Extinção de todos os efeitos penais da sentença – a morte do agente extingue todos os efeitos penais da sentença condenatória, principais e secundários. 4) Execução da sentença no cível – se a morte ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória, esta poderá ser executada no cível. 5) Pena de multa – a morte do agente extingue a pena de multa, uma vez que esta não poderá ser cobrada dos seus herdeiros (art. 5º, XLV, CF). No entanto, quanto às penas alternativas pecuniárias, discute-se sua natureza (pena ou reparação civil?) e, dependendo dessa natureza, a possibilidade de serem cobradas dos herdeiros, quando da morte do agente. 6) Prova da morte – a morte só pode ser provada mediante certidão de óbito. A morte presumida com a declaração judicial de ausência não possibilita a declaração de extinção da punibilidade. Diferentes, contudo, são as hipótese do art. 7º CC e art. 88 da LRP, em que a declaração da morte possibilita a declaração de extinção da punibilidade. 7) Certidão de óbito falsa – no caso de certidão de óbito falsa, se a sentença extintiva da punibilidade já tiver transitado em julgado, só restará processar os autores da falsidade, uma vez que não existe em nosso ordenamento jurídico a revisão “pro societate”. Há posicionamento do STF no sentido de que “o desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou extinta a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada”. Isto porque o erro material não transita em julgado, podendo ser corrigido a todo tempo, mesmo “ex officio”, inexistindo preclusão “pro judicato”. Como exemplo, pode-se citar a decretação da extinção da punibilidade do acusado com base em certidão de óbito de terceiro homônimo. Tal posição parte do pressuposto de que a sentença assim prolatada reputa-se inexistente, vício que, ao contrário da nilidade, não necessita de pronunciamento judicial para ser declarado, bastando que se desconsidere a decisão que não existe e se profira outra em seu lugar. 8) Necessidade de prévia oitiva do MP – a declaração de extinção da punibilidade pelo juiz, no caso de morte do agente, exige a prévia oitiva do Ministério Público (art. 62 CPP).
(ii) Anistia, graça ou indulto – são espécies de indulgência, clemência soberana ou graça em sentido amplo. Trata-se da renúncia do Estado ao direito de punir.
a. Anistia – é a lei penal de efeito retroativa que retira as conseqüências de alguns crimes já praticados, promovendo o seu esquecimento jurídico. Em outras palavras, é o ato legislativo com que o Estado renuncia ao “jus puniendi”.
i. Espécies – são elas:
1. Especial – para crimes políticos.
2. Comum – para crimes não políticos.
3. Própria – antes do trânsito em julgado.
4. Imprópria – após o trânsito em julgado.
5. Geral ou plena – menciona apenas os fatos, atingindo a todos que os cometeram.
6. Parcial ou restrita – menciona fatos, mas exige o preenchimento de algum requisito (ex.: anistia que só atinge réus primários).
7. Incondicionada – não exige a prática de nenhum ato como condição.
8. Condicionada – exige a prática de algum ato como condição (ex.: deposição de armas).
ii. Competência – é exclusiva da União (art. 21, XVII, CF) e privativa do Congresso Nacional (art. 48, VIII, CF), com a sanção do Presidente da República, só podendo ser concedida por meio de lei federal.
iii. Revogação – uma vez concedida, não pode a anistia ser revogada, porque a lei posterior revogadora prejudicaria os anistiados, em clara violação ao princípio constitucional de que a lei não pode retroagir para prejudicar o acusado (art. 5º, XL, CF).
iv. Efeitos – a anistia retira todos os efeitos penais, principais e secundários, mas não os efeitos extrapenais. Desse modo, a sentença condenatória definitiva, mesmo em face da anistia, pode ser executada no juízo cível, pois constitui título executivo judicial. Da mesma forma, a perda de bens, instrumentos ou produto do crime não é alcançada pela anistia, sem que a lei seja expressa quanto a restituição desses bens (STF).
v. Crimes insuscetíveis de anistia – são insuscetíveis de anistia os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, consumados ou tentados.
b. Indulto e graça – a graça é um benefício individual, concedido mediante provocação da parte interessada; o indulto é de caráter coletivo e concedido espontaneamente. Assim, o indulto e a graça são providências de ordem administrativa, deixadas a relativo poder discricionário do Presidente da República, para extinguir ou comutar penas. O indulto é medida de ordem geral e a graça de ordem individual, embora, na prática, os dois vocábulos se empreguem indistintamente para indicar ambas as formas de indulgência soberana. Atingem os efeitos executórios penas da condenação, permanecendo íntegros os efeitos civis da sentença condenatória. A CF não se refere mais à graça, mas apenas ao indulto (art. 84, XII, CF). A LEP passou, assim, a considerar a graça como indulto individual.
i. Espécies – são elas:
1. Pleno – quando extinguem toda a pena.
2. Parcial – quando apenas diminuem a pena ou a comutam (transformar em outra de menor gravidade).
OBS: Indulto condicional – é o indulto submetido ao preenchimento de condição ou exigência futura, por parte do indultado, tal como boa conduta social, obtenção de ocupação lícita, exercício de atividade benéfica à comunidade durante certo prazo, etc. Caso a condição seja descumprida, deixa de subsistir o favor, devendo o juiz determinar o reinício da execução da pena.
ii. Competência – são de competência do Presidente da República (art. 84, XII, CF), que pode delegá-la aos ministros de Estado, ao procurador-geral da República ou ao advogado-geral da União (art. 84, § único, CF). São concedidas por meio de decreto presidencial.
iii. Efeitos – só atingem os efeitos principais da condenação, subsistindo todos os efeitos secundários penais e extrapenais (ex.: o indultado que venha a cometer novo delito será considerado reincidente, pois o benefício não lhe restitui a condição de primário). A sentença definitiva condenatória pode ser executada no juízo cível.
iv. Recusa da graça ou indulto – só se admite recusa no indulto e graça parciais, sendo inaceitável a recusa da graça ou do indulto, quando plenos (art. 739 CPP).
v. Procedimento –
1. Graça – a graça, também chamada de indulto individual, em regra, deve ser solicitada (art. 188 LEP):
a. Requerimento por parte do condenado, do MP, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa responsável pelo estabelecimento onde a pena é cumprida.
b. Parecer do Conselho Penitenciário (salvo quando for autor do requerimento).
c. Parecer do MP (art. 67 LEP).
d. Envio dos autos ao Ministério da Justiça e, de lá, submetidos a despacho do Presidente da República ou das autoridades a quem delegou competência (art. 84, § único, CF).
e. Concedida a graça, o juiz a cumprirá, extinguindo a pena (graça plena), reduzindo-a ou comutando-a (graça parcial).
2. Indulto – segue o seguinte procedimento:
a. Concessão do indulto, espontaneamente, por decreto presidencial. Ele abrange sempre um grupo de sentenciados e normalmente inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram aplicadas.
b. Juntada aos autos de cópia do decreto.
c. Declaração da extinção da pena ou o seu ajuste aos termos do decreto, no caso de comutação (art. 192 LEP). O juiz poderá atuar de ofício, a requerimento do interessado, do MP, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou de autoridade administrativa (art. 193 LEP).
OBS: Momento para aferição dos requisitos objetivos e subjetivos do indulto – há duas posições: 1ª Posição – o exame dos requisitos objetivos e subjetivos do indulto deve ser feito com base na situação do sentenciado à época do decreto e não no momento da decisão concessiva do benefício pelo juiz. 2ª Posição – a análise das condições deve ser feita por ocasião da sentença e abrange todo o período a ela antecedente, antes e depois da publicação do decreto. Desse modo, ao contrário do direito adquirido, o candidato ao indulto ou redução de pena tem somente expectativa de direito, devendo reunir todos os pressupostos legais no momento da decisão judicial.
vi. Momento da concessão – só após o trânsito em julgado da condenação. A jurisprudência tem admitido após o trânsito em julgado para a acusação, ainda que caiba recurso da defesa. A obtenção de tal benefício nesse momento não torna prejudicada a apelação que visa à absolvição do réu que vem a ser indultado, uma vez que permanece o seu interesse no julgamento. Com efeito, o provimento do apelo poderá trazer conseqüências mais abrangentes ao indultado do que o próprio indulto, porquanto este somente extingue a pena.
vii. Crimes insuscetíveis de graça ou indulto – de acordo com a Lei 8072/90, são insuscetíveis de graça ou indulto os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, consumados ou tentados. OBS: Divergência doutrinária sobre a proibição de indulto pela Lei dos Crimes Hediondos – parte da doutrina insurge-se contra a proibição do indulto pela Lei de Crimes Hediondos, argumentando que a CF só proibiu a anistia e a graça, não autorizando outras restrições ao “jus libertatis”. Sem razão, contudo. A CF é um texto genérico, e, por essa razão, não se exige preciosismo técnico em suas disposições. Quando o constituinte menciona o termo “graça”, o faz em seu sentido amplo (indulgência ou clemência soberana), englobando, com isso, a “graça em sentido estrito” e o “indulto”. Não há, portanto, qualquer inconstitucionalidade na Lei 8072/90. Além disso, mesmo que se interpretasse a referência do constituinte como sendo somente em relação à graça em sentido estrito, ainda assim seria possível também o legislador proibir o indulto, uma vez que a CF não estabeleceu nenhuma vedação expressa quanto a isso.
OBS: 1) Anistia, graça ou indulto em ação penal privada – cabe anistia, graça ou indulto em ação penal privada, porque o Estado só delegou ao particular a iniciativa da ação, permanecendo com o direito de punir, do qual pode renunciar por qualquer dessas três formas.
2) “Sursis” ou livramento condicional – admite-se a concessão de anistia, graça ou indulto àquele que se encontra no gozo do “sursis” ou do livramento condicional.
(iii) Lei posterior que deixa de considerar o fato criminoso – “abolitio criminis” – a lei penal retroage, atingindo fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, sempre que beneficiar o agente de qualquer modo (art. 5º, XL, CF). Se a lei posterior deixa de considerar o fato como criminoso, isto é, se a lei posterior extingue o tipo penal, retroage e torna extinta a punibilidade de todos os autores da conduta, antes tida por delituosa. Se o processo estiver em andamento, será o juiz de primeira instância que julgará e declarará extinta a punibilidade do agente (art. 61 CPP). Se o processo estiver em grau de recurso, será o tribunal incumbido de julgar tal recurso que ira extinguir a punibilidade do agente. Se já se tiver operado o trânsito em julgado da condenação, a competência para extinguir a punibilidade será do juízo da execução (art. 66, II, LEP; art. 13 LICPP; Súmula 611 STF; e em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição, que seria violado pela extinção da punibilidade declarada diretamente pelo tribunal, por meio de revisão criminal).
(iv) Renúncia ao direito de queixa – é a abdicação do direito de promover a ação penal privada, pelo ofendido ou seu representante legal.
a. Cabimento – só cabe na ação penal exclusivamente privada, sendo inaceitável na ação privada subsidiária da pública, pois esta tem natureza de ação pública.
b. Oportunidade – só antes de iniciada a ação penal privada, ou seja, antes de oferecida a queixa-crime.
c. Espécies – pode ser:
i. Expressa – declaração escrita assinada pelo ofendido ou seu representante legal, ou ainda, por procurador com poderes especiais (art. 50 CPP).
ii. Tácita – prática de ato incompatível com a vontade de dar início à ação penal privada (ex.: o ofendido vai jantar na casa de seu ofensor, depois da ofensa).
OBS: 1) Recebimento de indenização – o reconhecimento da indenização pelo dano resultante do crime não caracteriza renúncia tácita (art. 104, § único, CP). No caso, porém, da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação pública condicionada à representação, o acordo entre o ofensor e ofendido, homologado, acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, § único, Lei 9099/95). Esse acordo é a composição civil dos danos, consistente na aceitação pelo ofendido da indenização pelo dano resultante da infração. Assim, nas infrações penais de iniciativa privada e pública condicionada à representação, de competência do JEC, o recebimento da indenização extingue a punibilidade do agente. Nos demais casos, não.
2) Queixa oferecida contra um dos ofensores – há duas posições: 1ª Posição – Majoritária – o MP não pode aditar a queixa para nela incluir os demais ofensores, sob o pretexto de zelar pela indivisibilidade da ação, por lhe faltar legitimidade (se não pode propor ação penal privada, não pode incluir nenhum querelado). Nos termos do art. 48 CPP, a queixa deve ser oferecida contra todos os autores do crime, em face do princípio da indivisibilidade da ação penal privada. O querelante, assim, tem duas opções: ou processa todos ou não processa ninguém, sendo inaceitável que escolha algum ou alguns para processar. Se oferecer a queixa contra um dos ofensores, significa renúncia tácita com relação aos demais. Ora, em face da indivisibilidade da ação penal, essa renúncia atinge a todos, querelados e não querelados (renunciar à queixa contra alguns é renunciar com relação a todos). O MP não pode aditar a queixa para nela incluir os outros ofensores, pois usurparia a legitimação do ofendido, que não quis processá-los. Só cabe ao MP requerer a extinção da punibilidade dos querelados. 2ª Posição – Minoritária – o MP deve aditar a queixa para nela incluir os outros querelados, nos termos do art. 45 CPP, velando, assim, pela indivisibilidade da ação penal privada.
3) Morte do ofendido – no caso de morte do ofendido, o direito de promover a queixa passa ao CADI (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão), sendo que a renúncia de um não impede os demais de dar início à ação.
4) Crimes de dupla subjetividade passiva – são crimes que, por sua natureza, possuem dois sujeitos passivos. Nesses crimes, a renúncia de uma das vítimas não impede o oferecimento da queixa pela outra.
(v) Perdão do ofendido – é o ato pelo qual, iniciada a ação penal privada, o ofendido ou seu representante legal desiste de seu prosseguimento (art. 105 CP).
a. Cabimento – só cabe na ação penal exclusivamente privada, sendo inadmissível na ação penal privada subsidiária da pública, já que esta mantém sua natureza de ação pública.
b. Oportunidade – só é possível depois de iniciada a ação penal privada, com o oferecimento da queixa e até o trânsito em julgado da sentença (art. 106, §2º, CP).
c. Espécies – são elas:
i. Processual – concedido nos autos da ação penal (é sempre expresso).
ii. Extraprocessual – concedido for dos autos da ação penal (pode ser expresso ou tácito).
iii. Expresso – declaração escrita, assinada pelo ofendido, seu representante legal ou procurador com poderes especiais (pode ser processual ou extraprocessual).
iv. Tácito – resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação penal (sempre extraprocessual).
d. Aceitação do perdão – o perdão do ofendido é ato jurídico bilateral, pois não produz efeitos quando recusado pelo ofensor. Isto porque o querelado pode ter interesse em provar sua inocência.
e. Espécies de aceitação do perdão –
i. Processual – nos autos da ação penal.
ii. Extraprocessual – fora dos autos do processo.
iii. Expresso – declaração escrita, assinada pelo querelado, dizendo que aceita o perdão (pode ser processual ou extraprocessual).
iv. Tácito – resulta da prática de ato incompatível com a vontade de recusar o perdão (pode ser processual ou extraprocessual). OBS: Perdão extraprocessual tácito – o querelado é notificado para dizer se aceita ou não o perdão no prazo de 3 dias; se, após esse prazo, permanecer em silêncio, presume-se que o aceitou (art. 58 CPP).
f. Efeitos do perdão aceito – extinção da punibilidade, com o afastamento de todos os efeitos da condenação, principais e secundários.
g. Comunicabilidade – no caso de concurso de agentes, alcança a todos os querelados, exceto o que tiver renunciado (art. 51 CP).
OBS: Perdão do ofendido x renúncia – a renúncia é anterior e o perdão é posterior à propositura da ação penal privada.
(vi) Perempção – é a causa de extinção da punibilidade consistente em uma sanção processual ao querelante desidioso, que deixa de dar andamento normal à ação penal exclusivamente privada. É uma pena ao ofendido pelo mau uso da faculdade, que o poder público lhe outorgou, de agir preferentemente na punição de certos crimes.
a. Cabimento – só é cabível na ação penal exclusivamente privada, sendo inadmissível na ação penal privada subsidiária da pública, pois esta conserva sua natureza de pública.
b. Oportunidade – só é possível após iniciada a ação penal privada.
c. Hipóteses – são seis as hipóteses em que ocorre a perempção:
i. Querelante que deixa de dar andamento ao processo durante 30 dias seguidos – só haverá a perempção se o querelante tiver sido previamente notificado para agir. Ressalte-se que a perempção, por natureza e definição, é sanção de caráter processual à inércia do querelante. Deve, assim, a paralisação do processo dar-se por sua causa. Se for atribuída ao querelado ou a funcionário, não há falar em perempção.
ii. Querelante que deixa de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente – o querelante só está obrigado a comparecer aos atos em que sai presença seja absolutamente indispensável. Nesse diapasão, não se tratando de ato processual que só possa ser realizado com a participação pessoal do querelante, inocorre a perempção da ação penal, se ele se faz representar por advogado constituído nos autos; não comparecendo à audiência de inquirição de testemunhas, nem mandando advogado, o querelante dará causa à perempção. Aliás, a atual orientação do STF não cogita de perempção da ação penal se o querelante ou seu advogado comparecem ao ato de inquirição de testemunhas. Quanto à inquirição de testemunha de defesa em juízo deprecado, já decidiu o STF que o não-comparecimento do querelante ou de seu procurador não importa em perempção da ação. OBS: Não-comparecimento do querelante à audiência prévia de conciliação no procedimento dos crimes contra a honra – há duas posições: 1ª Posição – STJ – há perempção, devendo ser declarada extinta a punibilidade. 2ª Posição – Capez – não há perempção porque ainda não existe processo, já que a queixa ainda não foi recebida; além disso, a ausência não implica abandono da causa ou desleixo do ofendido, mas, ao contrário, vontade de instauração da relação processual e recusa de qualquer tipo de manifestação amistosa para com o ofensor.
iii. Querelante que deixa de formular pedido de condenação nas alegações finais – a jurisprudência tem entendido que não há necessidade de dizer expressamente “peço a condenação”; basta que o pedido decorra do desenvolvimento normal das razões. Assim, não induz falta de pedido de condenação pedir “justiça” nas alegações finais; porém, a não-apresentação das alegações finais equivale a não pedir a condenação. Alegações finais ofertadas fora do prazo também não induzem à perempção. Haverá perempção na hipótese em que o querelante deixar de pleitear nas alegações finais a condenação quanto a um dos delitos capitulados na inicial, embora persista a ação quanto aos demais. OBS: Comunicabilidade – Mirabete sustenta que a perempção não é comunicável aos co-autores, por ausência de previsão legal, de modo que, se o querelante se manifesta pela condenação de um dos co-autores e se omite quanto aos demais, quanto àquele a ação prosseguirá. Para tanto, argumenta que “a omissão, voluntária, afasta aqui o princípio da indivisibilidade, por ser possível que, ao final da instrução, o querelante entenda que nem todos os querelados participaram do crime, pedindo a condenação de apenas um ou alguns deles”.
iv. Morte ou incapacidade do querelante – haverá perempção na hipótese de morte ou incapacidade do querelante, sem comparecimento, no prazo de 60 dias, do CADI (cônjuge, ascedente, descendente ou irmão), ou qualquer pessoa que deva fazê-lo.
v. Morte do querelante, nos crimes de ação penal privada personalíssima.
vi. Quando o querelante, sendo pessoa jurídica, extinguir-se sem deixar sucessor.
(vii) Retratação do agente – retratar-se é desdizer-se, retirar o que se disse.
a. Cabimento – a lei admite a retratação do agente nas seguintes hipóteses:
i. Crimes contra a honra – art. 143 CP – a retratação é admitida nos crimes contra a honra, mas apenas nos casos de calúnia e difamação, sendo inadmissível na injúria. OBS: Lei de Imprensa – se o crime for praticado por meio da imprensa, admite-se a retratação nas três espécies de crime contra a honra (art. 26 da Lei 5250/67).
ii. Falso testemunho ou falsa perícia – art. 342, §3º, CP – o fato deixa de ser punível se o agente (testemunha, perito, tradutor ou intérprete) se retrata ou declara a verdade.
b. Oportunidade –
i. Crimes contra a honra – art. 143 CP – só será possível até a sentença de primeiro grau do processo criminal instaurado em virtude da ofensa.
ii. Falso testemunho ou falsa perícia – art. 342, §3º, CP – só será admitida a retratação até a sentença de primeira instância em que se deu o falso, ou, na hipótese de ele ter ocorrido em procedimento da alçada do júri popular, até o veredicto dos jurados.
c. Comunicabilidade –
i. Crimes contra a honra – art. 143 CP – a retratação de que trata o art. 143 CP é pessoal, não se comunicando aos demais ofensores.
ii. Falso testemunho ou falsa perícia – art. 342, §3º, CP – a retratação objeto do art. 342, §3º, CP, é comunicável, uma vez que a lei diz que “o fato deixa de ser punível” (e não apenas o agente), ao contrário do art. 143 CP, que diz ficar “o querelado isento de pena” (só o querelado fica isento).
(viii) Casamento do agente com a vítima –
a. Cabimento – é causa de extinção da punibilidade que abrange os crimes previstos nos crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 222 CP), exceto as formas qualificadas do art. 223 CP. Alcança, portanto, o estupro e o atentado violento ao pudor praticados com violência real, desde que não resultem lesões corporais de natureza grave na vítima, nem morte. Alcança também os casos de violência presumida, pois estes estão definidos no Capítulo IV e a lei na aplicabilidade do instituto aos crimes definidos nos Capítulos I, II e III.
b. Oportunidade – pode ocorrer a qualquer momento, antes, durante ou depois da ação penal. Nas duas primeiras hipóteses ocorre a extinção do próprio crime, não subsistindo qualquer efeito secundário. Contudo, quando o casamento do ofensor com a ofendida ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o único efeito será a extinção da pena, remanescendo, entretanto, os efeitos secundários da condenação, inclusive a reincidência.
c. Comunicabilidade – essa causa de extinção da punibilidade é comunicável a todos os co-autores e partícipes, extinguindo-se a punibilidade em relação a todos.
OBS: 1) Recusa – se a vítima se recusa a casar, não haverá extinção da punibilidade, pois não é suficiente a simples vontade de casar, sendo preciso o efetivo casamento.
2) União estável – discute-se nos tribunais se a união estável é fato jurídico apto a extinguir a punibilidade. Há duas posições: 1ª Posição – não se extingue a punibilidade por haver necessidade de casamento devidamente formalizado. 2ª Posição – extingue-se a punibilidade, pois a união estável equipara-se ao casamento (art. 226, §3º, CF), sendo cabível o emprego de analogia “in bonam partem”.
3) Anulação do casamento – no caso do casamento ser anulado antes do trânsito em julgado da sentença que declarar extinta a punibilidade, está não mais será reconhecida. Contudo, se o casamento vier a ser anulado depois do transito em julgado dessa sentença, tal nulidade não terá o condão de reavivar o processo ou obrigar o agente a cumprir a pena imposta, pois se inadmite a revisão “pro societate”, conclusão esta também aplicável à declaração de extinção da punibilidade com base em certidão de casamento falsa.
(ix) Casamento da vítima com terceiro –
a. Cabimento – abrange os mesmos crimes da causa anterior, isto é, crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 222 CP), com a observação de que, ao contrário da hipótese do casamento da vítima com o agente, este benefício não se aplica aos crimes cometidos com violência real ou grave ameaça, estando, portanto, excluídos de sua incidência o estupro, o atentado violento ao pudor e o rapto violento, salvo se praticados com violência presumida, ou seja, se for hipótese de violência presumida, é aplicável o benefício.
b. Pressupostos – são três:
i. Que seja um dos crimes definidos nos arts. 213 a 221 CP;
ii. Que tais crimes sejam cometidos sem violência real ou grave ameaça contra a pessoa.
iii. Que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal dentro do prazo de 60 dias a contar da celebração do matrimônio. OBS: 1) Prazo de 60 dias – é automático, correndo independentemente de intimação da ofendida e tem natureza penal, dado que leva à extinção da punibilidade do agente, devendo ser contado de acordo com a regra do art. 10 CP. 2) União estável – como a lei fala em prazo de 60 dias a contar da celebração do matrimônio, não há como aplicar essa causa extintiva de punibilidade à união estável da vítima com terceiro, pois não se teria como fixar o termo inicial do lapso temporal.
c. Oportunidade – o casamento com terceiro só surte efeito quando ocorrido antes do trânsito em julgado da condenação, uma vez que o CP fala em requerer o “prosseguimento” de inquérito ou ação, o que pressupõe persecução penal em andamento.
d. Comunicabilidade – esta causa de extinção da punibilidade comunica-se a todos os co-autores e partícipes, pois o intuito é impedir que o fato turbe a relação matrimonial.
(x) Perdão judicial – é causa extintiva da punibilidade consistente em uma faculdade do juiz de, nos casos previstos em lei, deixar de aplicar a pena, em face de justificadas circunstâncias excepcionais. O juiz deve analisar discricionariamente se as circunstâncias excepcionais estão ou não presentes. Caso entenda que sim, não pode recusar a aplicação do perdão judicial, pois, nesse caso, o agente terá direito público subjetivo ao benefício. OBS: Perdão judicial x perdão do ofendido – distingue-se o perdão judicial do perdão do ofendido, uma vez que, neste, é o ofendido quem perdoa o ofensor, desistindo da ação penal exclusivamente privada. No perdão judicial, é o juiz quem deixa de aplicar a pena, independente da natureza da ação, nos casos permitidos por lei. O perdão do ofendido depende de aceitação do querelado, enquanto o perdão judicial independe da vontade do réu.
a. Extensão – a extinção da punibilidade não atinge apenas o crime no qual se verificou a circunstância excepcional, mas todos os crimes praticados no mesmo contexto (ex.: o agente provoca um acidente, no qual morrem sua esposa, seu filho e um desconhecido – a circunstância excepcional prevista no art. 121, §5º, CP, só se refere às mortes da esposa e filho, mas o perdão judicial extinguirá a punibilidade em todos os três homicídios culposos).
b. Cabimento – o juiz só pode deixar de aplicar a pena nos casos expressamente previstos em lei, quais sejam:
i. Crimes –
1. Art. 121, §5º, CP – homicídio culposo em que as conseqüências da infração atinjam o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
2. Art. 129, §8º, CP – lesão corporal culposa em que as conseqüências da infração atinjam o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
3. Art. 140, §1º, I e II, CP – injúria, em que o ofendido de forma reprovável provocou diretamente a ofensa, ou no caso de retorsão imediata consistente em outra injúria.
4. Art. 176, § único, CP – de acordo com as circunstâncias, o juiz pode deixar de aplicar a pena a quem toma refeições ou se hospeda sem dispor de recursos para o pagamento.
5. Art. 180, §5º, CP – na receptação culposa, se o criminoso for primário, o juiz pode deixar de aplicar a pena, levando em conta as circunstâncias.
6. Art. 240, §4º, CP – no adultério, o juiz pode deixar de aplicar a pena se havia cessado a vida em comum.
7. Art. 249, §2º, CP – no crime de subtração de incapazes de quem tenha guarda, o juiz pode deixar de aplicar a pena se o menor ou interdito for restituído sem ter sofrido maus-tratos ou privações.
ii. Contravenções penais –
1. Art. 8º LCP – erro de direito.
2. Art. 39, §2º, LCP – participar de associações secretas, mas com fim lícito.
iii. Legislação penal extravagante – na Lei de Falências há um caso de perdão judicial no art. 186, § único, LF: crime falimentar praticado por comerciante de pouca instrução e que explore comércio exíguo.
c. Natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial – há duas posições a respeito do tema na doutrina e na jurisprudência, a saber: 1ª Posição – STJ – a sentença que concede o perdão judicial é meramente declaratória da extinção da punibilidade, não surtindo nenhum efeito penal ou extrapenal (Súmula 18 STJ). Como não se trata de questão de ordem constitucional, essa posição tende a se firmar como pacífica. 2ª Posição – STF – a sentença que concede o perdão judicial é condenatória, uma vez que só se perdoa a quem errou. O juiz deve, antes de conceder o perdão judicial, verificar se há prova do fato e da autoria, se há causa excludente da ilicitude e da culpabilidade, para, só então, condenar o réu e deixar de aplicar a pena concedendo o perdão. Essa posição acabou reforçada pelo art. 120 CP, que expressamente diz que a sentença que concede o perdão judicial não prevalece para efeito de reincidência. Ora, na lei não existem palavras inúteis, e, se foi preciso criar um artigo para afastar a reincidência, é porque a sentença teria esse efeito na ausência de disposição legal. Assim, a sentença é condenatória, e todos os efeitos secundários penais (exceto a reincidência) e extrapenais decorrem da concessão do perdão.
d. Possibilidade de rejeição da denúncia ou queixa com base no art. 43, II, CPP – caso prevaleça a primeira posição retro (declaratória de extinção da punibilidade), dela decorrerá a possibilidade de rejeição da denúncia ou queixa com base no disposto no art. 43, II, CPP. Isto porque, nas hipóteses em que for evidente a existência de circunstância autorizadora do perdão judicial, o juiz deve, de plano, rejeitar a denúncia, com base no mencionado artigo. Ora, se a sentença é declaratória, a punibilidade já estava extinta desde a consumação do crime, sendo apenas reconhecida por ocasião do pronunciamento jurisdicional. Assim, nada justifica fique o autor sujeito ao vexame e aos dissabores inerentes ao processo criminal, quando este já se encontra irremediavelmente “marcado para morrer”. Ademais, sendo o perdão judicial causa extintiva da punibilidade (art. 107, IX, CP), e dispondo o CPP que, “em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-la de ofício” (art. 61 CPP), entende-se que o art. 43, II, CPP, permite a prolação dessa interlocutória mista terminativa, devendo a expressão “fase do processo” ser interpretada no sentido de “fase da persecução penal”.
e. Perdão judicial na Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9807/99) – o art. 13 da Lei 9807/99 cuida da “proteção aos réus colaboradores”, dispondo sobre nova hipótese de perdão judicial.
i. Requisitos –
1. Requisitos subjetivos –
a. Voluntariedade da participação – a colaboração pode ocorrer ainda que por sugestão de terceiro, pois não se exige a espontaneidade do ato.
b. Primariedade
c. Personalidade recomendável por parte do agente
2. Requisitos objetivos –
a. Colaboração efetiva com a investigação e o processo criminal – significa que da colaboração do acusado advenha efetivamente a o resultado almejado pela norma, com a localização da vítima com a sua integridade física preservada. Deve, portanto, estar presente o nexo causal entre ambos.
b. Identificação dos demais co-autores – devem ser identificados “todos” os participantes para que o acusado obtenha o benefício legal.
c. Localização da vítima com sua incolumidade preservada – não basta que tenha sido encontrada com vida, pois se exige que não tenha sofrido maus-tratos ou lesões corporais. A lei fala em localização da vítima, no singular; contudo, se houver mais de uma vítima, a localização de apenas uma delas não permite a concessão do benefício legal ao colaborador.
d. Recuperação total ou parcial do produto do crime
e. Natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso compatíveis com a medida, a critério do juiz
ii. Requisitos alternativos – entende-se que os requisitos são alternativos, bastando que o réu colaborador satisfaça um ou outro, pois há casos em que algumas dessas situações pode não estar presente. Com efeito, ao se entender que tais requisitos são cumulativos, a aplicação desse benefício legal estaria muito restrita, na medida em que dificilmente o acusado lograria preencher todos os requisitos objetivos, além do que nem todos os delitos comportam o atendimento conjunto dessas condições objetivas.
iii. Natureza da infração penal que admite a medida – o art. 13, III, da Lei 9807/99 menciona “crime”; no entanto, o faz porque o CP não cuida, evidentemente, das contravenções. Por essa razão, a expressão deve ser interpretada no sentido de infração penal. Se o benefício é permitido para o mais grave (crime), não há razão para vedá-lo ao menos grave (contravenção).
iv. Iniciativa da aplicação da medida – pelo juiz, de ofício ou mediante requerimento das partes.
v. Sujeito ativo da colaboração – o texto fala em “acusado” (art. 13, “caput”, da Lei 9807/99), porém entende-se que a norma se estende também ao indiciado. A lei disciplina o perdão judicial a ser aplicado na sentença de mérito, daí o emprego do termo “acusado”. Em assim sendo, a colaboração pode ser do “investigado”, “indiciado” ou “réu”, não exigindo a lei que tenha sido ameaçado (art. 15 da Lei 9807/99) e que tenha sido admitido no Programa de Proteção pelo Conselho Deliberativo (arts. 5º e 6º da Lei 9807/99).
vi. Concurso de pessoas – inadmissibilidade da extensão pessoal – por se tratar de circunstância pessoal, o perdão judicial é incomunicável, não se estendendo aos demais participantes do crime. Circunstância pessoal é incomunicável (art. 30 CP).
vii. Concurso de pessoas – número de participantes (co-autores e partícipes) – o inciso I do art. 13 da Lei 9807/99 exige que a colaboração do acusado tenha resultado na identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa. Diante da redação do dispositivo legal conclui-se que o fato deve, no mínimo, ter sido cometido por três agentes, pois só assim será possível ao colaborador identificar os “demais” co-autores ou partícipes.
viii. Momento para a concessão do benefício legal – subsistem as mesmas divergências doutrinárias do perdão judicial do CP: para uma corrente, o perdão judicial somente poderá ser concedido quando da prolação da sentença de mérito; para outra, será possível a sua aplicação em qualquer fase do procedimento criminal, o que inclui a fase de inquérito policial, por se tratar de causa extintiva da punibilidade.
ix. Diferença entre o perdão judicial e a causa de redução da pena da Lei 9807/99 – o perdão judicial previsto no art. 13 da Lei 9807/99 não pode ser confundido com a causa de redução de pena do art. 14 da mesma lei, uma vez que possuem requisitos diferentes. Na hipótese do art. 14, o indiciado ou acusado não necessita ser primário, nem se levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Portanto, para a redução da pena pretendida, basta ao indiciado ou acusado ter colaborado para a obtenção de um dos resultados previstos na lei, ao contrário do perdão judicial, em que a primariedade e aquelas condições devem estar presentes para a concessão do benefício. Basta, igualmente, dentre os requisitos presentes para a sua incidência, que o sujeito passivo seja encontrado com vida, ao contrário do requisito para a concessão do perdão judicial, em que se exige que, além de ser encontrado vivo, esteja com a sua “integridade física preservada”.
(xi) Decadência – é a perda do direito de promover a ação penal exclusivamente privada, a ação privada subsidiária da pública e do direito de representação (manifestação da vontade de que o ofensor seja processado), em face da inércia do ofendido ou de seu representante legal, durante certo tempo fixado por lei.
a. Efeito – a decadência está enumerada como causa de extinção da punibilidade, mas, na verdade, o que ela extingue é o direito de dar início à persecução penal em juízo. O ofendido perde o direito de promover a ação e de provocar a prestação jurisdicional, e o Estado não tem como satisfazer o seu direito de punir. A decadência não atinge diretamente o direito de punir, pois este pertence ao Estado e não ao ofendido; ela extingue apenas o direito de promover a ação ou de oferecer a representação. Assim, a decadência, embora não afete diretamente a punibilidade, torna impossível o seu exercício, extinguindo-a indiretamente.
b. Prazo decadencial – é de 6 meses, contados:
i. Ação penal exclusivamente privada e direito de representação – conta-se o prazo do dia em que o ofendido vier a saber quem é o autor do crime (arts. 38 CPP e 103 CP).
ii. Ação penal privada subsidiária da pública – conta-se o prazo a partir do dia em que se esgota o prazo para o oferecimento da denúncia pelo MP.
OBS: 1) Prazo penal – conta-se o prazo decadencial de acordo com a regra do art. 10 CP, incluindo-se o dia do começo, não se prorrogando em face de domingos, férias e feriados, uma vez que se trata de prazo de natureza penal que leva à extinção do direito de punir do Estado.
2) Prazo decadencial cessa na data do oferecimento da queixa ou da representação – o prazo decadencial cessa na data do oferecimento da queixa ou da representação, e não da data do recebimento da queixa ou da denúncia oferecida na ação penal pública condicionada à representação.
c. Titularidade do direito de queixa ou representação – depende do caso:
i. Ofendido menor de 18 anos – pertence ao seu representante legal.
ii. Ofendido maior de 18 anos – pertence só a ele o direito.
d. Decadência no crime continuado e no crime habitual –
i. Crime continuado – incide isoladamente sobre cada crime.
ii. Crime habitual – começa a partir do último ato.
e. Não-interrupção – o prazo decadencial não se interrompe pela instauração de inquérito policial, nem pelo pedido de explicações em juízo.
(xii) Prescrição –
a. Introdução – o Estado, como ente dotado de soberania, detém, exclusivamente, o direito de punir (“jus puniendi”). Tratando-se de manifestação de pode soberano, tal direito é exclusivo e indelegável. Mesmo na ação penal de iniciativa privada, o particular possui apenas a prerrogativa de dar início ao processo, por meio da queixa. No entanto, o “jus puniendi” continua com o Estado, tanto que é possível a este conceder anistia em crime de ação penal privada (só quem tem o “jus puniendi” pode a ele renunciar). Esse direito existe abstratamente, independente de vir a ser praticada a infração penal, e se impõe a todos indistintamente. O Estado não tem o poder de punir fulano ou beltrano, mas simplesmente tem o poder de punir (qualquer eventual infrator). No momento em que um crime é praticado, esse direito abstrato e impessoal se concretiza e se volta especificamente contra a pessoa do delinqüente. Nesse instante, de direito passa a pretensão. Pretensão é a disposição de submeter um interesse alheio a um interesse próprio. O Estado passa a ter o interesse de submeter o direito de liberdade daquele criminoso ao seu direito de punição. Surge uma relação jurídico-punitiva com o delinqüente, pela qual o direito de punir sai do plano abstrato e se concretiza, voltando-se contra o autor da infração penal. Essa pretensão individual e concreta, na qual o direito abstrato se transformou, denomina-se punibilidade. Punibilidade é a possibilidade de efetivação concreta da pretensão punitiva. Para satisfazê-la, o Estado deve agir dentro de prazos determinados, sob pena de perdê-la. Há um prazo para satisfazer a pretensão punitiva e outro para executar a punição imposta. Prescrição é, justamente, a perda da pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo.
b. Conceito – é a perda da pretensão de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante certo período de tempo. O não-exercício da pretensão punitiva acarreta a perda do direito de impor a sanção. Então, só ocorre antes de transitar em julgado a sentença final. O não-exercício da pretensão executória extingue o direito de executar a sanção imposta. Só ocorre, portanto, após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
c. Natureza jurídica – a prescrição é um instituto de Direito Penal, enumerado pelo CP como causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV, CP). Embora leve também à extinção do processo, esta é mera conseqüência da perda do direito de punir, em razão do qual se instaurou a relação processual.
d. Fundamentos – são os seguintes:
i. Inconveniência da aplicação da pena muito tempo após a prática da infração penal.
ii. Combate à ineficiência do Estado, que deve ser compelido a agir dentro de prazos determinados.
e. Prescrição x decadência – a prescrição atinge o direito de punir do Estado, enquanto a decadência atinge o direito do ofendido de promover a ação penal privada ou de oferecer representação. A prescrição atinge, portanto, em primeiro lugar o direito de punir do Estado e, em conseqüência, extingue o direito de ação (a ação se iniciou para a satisfação do direito; não existindo mais “jus puniendi”, o processo perde o seu objeto); a decadência (e a perempção), ao contrário, alcança primeiro o direito de ação, e, por efeito, o Estado perde a pretensão punitiva. Já a decadência não afeta o “jus puniendi” do Estado, mas o direito do particular de dar início à persecução penal, por meio da ação penal privada ou da representação.
f. Imprescritibilidade – são imrescritíveis os seguintes crimes:
i. Crime de racismo – os crimes de racismo definidos na Lei 7716/89 são imprescritíveis, por força do art. 5º, XLII, CF.
ii. Ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático – são os crimes previstos na Lei 7170/83 (Lei de Segurança Nacional), que também não prescrevem, por força do art. 5º, XLIV, CF.
g. Espécies de prescrição – o Estado possui duas pretensões: a de punir e a de executar a punição do delinqüente. Por conseguinte, só podem existir duas extinções. Existem, portanto, apenas duas espécies de prescrição:
i. Prescrição da pretensão punitiva (PPP)
ii. Prescrição da pretensão executória (PPE)
h. Prescrição da pretensão punitiva (PPP) – é a perda da pretensão de punir, em face da inércia do Estado durante determinado lapso de tempo.
i. Efeitos – são eles:
1. Impede o início (trancamento de inquérito policial) ou interrompe a persecução penal em juízo.
2. Afasta todos os efeitos, principais e secundários, penais e extrapenais, da condenação.
3. A condenação não pode constar da folha de antecedentes, exceto quando requisitada por juiz criminal.
ii. Oportunidade para declaração – nos termos do art. 61, “caput, CPP, a PPP pode ser declarada a qualquer momento da ação penal, de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes.
iii. Termo inicial da PPP – art. 111, I a IV, CP – a PPP começa a correr:
1. A partir da consumação do crime – observe que o CP adotou a teoria do resultado, para o começo do prazo prescricional, embora, em seu art. 4º CP, considere que o crime é praticado no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o do resultado (teoria da atividade). Assim, o crime ocorre no momento em que se dá a ação ou omissão (teoria da atividade), mas, paradoxalmente, a prescrição só começa a correr a partir da sua consumação (teoria do resultado).
2. No caso de tentativa, no dia em que cessou a atividade – uma vez que, nesta, não há consumação, outro deve ser o termo inicial.
3. Nos crimes permanentes, a partir da cessação da permanência – crime permanente é aquele cujo momento consumativo se prolonga no tempo (ex.: seqüestro). A cada dia se renova o momento consumativo e, com ele, o termo inicial do prazo. Assim, a prescrição só começa a correr na data em que se der o encerramento da conduta, ou seja, com o término da permanência.
4. Nos crimes de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento de registro civil, a partir da data em que o fato se tornou conhecido da autoridade – são crimes difíceis de ser descobertos, de modo que, se a prescrição começasse a correr a partir da consumação, o Estado perderia sempre o direito de punir. Se o fato é notório, não há necessidade de conhecimento formal da ocorrência. A instauração do inquérito policial o sua requisição pelo juiz ou promotor constituem prova inequívoca do conhecimento do fato pela autoridade. Para fins desta dispositivo, autoridades são o delegado de polícia, o juiz de direito e o promotor de justiça.
5. No crime continuado – a prescrição incide isoladamente sobre cada um dos crimes componentes da cadeia de continuidade delitiva (art. 119 CP), como se não houvesse concurso de crimes.
6. Nos casos de concurso material e formal – a prescrição incide isoladamente sobre cada resultado automaticamente (art. 119 CP), como se não existisse qualquer concurso (ex.: dirigindo em alta velocidade, o agente provoca acidente matando duas pessoas, em concurso formal; uma morre na hora e a outra 6 meses depois; a prescrição do primeiro homicídio começa a correr 6 meses antes da prescrição do segundo. Nos casos de concurso material, segue-se a mesma regra).
iv. Contagem do prazo prescricional – conta-se de acordo com a regra do art. 10 CP, computando-se o dia do começo e contando os meses e anos pelo calendário comum. O prazo é fatal e improrrogável, pouco importando que termine em sábado, domingo ou feriado.
v. Cálculo do prazo prescricional – o prazo prescricional é calculado em função da pena privativa de liberdade máxima que pode ser imposta ao agente (também chamada de máximo cominado abstratamente). O cálculo se faz, portanto, pela pior das hipóteses, pois no momento em que a prescrição começa a correr não se sabe qual a pena que será fixada pelo juiz na sentença. No art. 109 CP existe uma tabela na qual cada pena tem seu prazo prescricional correspondente:
Pena Prazo prescricional
Menor que 1 ano 2 anos
De 1 até 2 anos 4 anos
Mais de 2 até 4 anos 8 anos
Mais de 4 até 8 anos 12 anos
Mais de 8 até 12 anos 16 anos
Mais de 12 anos 20 anos
Multa 2 anos
Multa e/ou pena privativa de liberdade O prazo prescricional será o da pena privativa de liberdade aplicada cumulativa ou alternativamente.
1. Circunstâncias judiciais e agravantes e atenuantes – Não influem no cálculo da PPP – as circunstâncias judiciais (critérios gerais de fixação de pena previstos no art. 59 CP, levados em consideração na primeira fase da fixação da pena) e as agravantes e atenuantes (arts. 61, 62, 64 e 65 CP, levadas em consideração na segunda fase da fixação da pena) não influem na PPP, pois nenhuma delas pode fazer com que a pena saia de seus limites legais. Por isto, são irrelevantes para fins de determinação do prazo da PPP. Exceções:
a. Circunstâncias atenuantes que reduzem o prazo da PPP –
i. Ser o agente menor de 21 anos na data do fato – é atenuante genérica, mas a lei diz expressamente que, neste caso, a prescrição é reduzida pela metade (art. 115 CP).
ii. Ser o agente maior de 70 anos na data da sentença – também é atenuante genérica, mas a lei igualmente determina, nesse caso, a redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 CP).
b. Inexistência de circunstância agravante que influa no prazo da PPP – o CP diz que a reincidência aumenta em 1/3 somente o prazo da PPE (art. 110 CP). O STJ chegou a entender, inicialmente, que ela aumenta também em 1/3 a PPP. Atualmente, a questão não apresenta mais divergência, pois tanto o STF quanto o próprio STJ (Súmula 220 STJ) entendem que a reincidência não influi no prazo da PPP. Correta esta posição, pois a lei, ao estatuir o aumento decorrente da reincidência, expressamente diz que este se aplica à prescrição “após o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
2. Causas de aumento e diminuição – Influem no cálculo da PPP – causas de aumento e diminuição (aquelas que aumentam ou diminuem a pena em proporções fixas e são levadas em consideração na última fase de fixação da pena) influem no cálculo da PPP, pois podem fazer com que a pena saia de seus limites legais. Por permitirem que a pena fique inferior ao mínimo ou superior ao máximo, devem ser levadas em consideração no cálculo da PPP pela pena abstrata.
3. Cálculo – como se deve buscar sempre a pior das hipóteses, ou seja, a maior pena possível, leva-se em conta a causa de aumento que mais aumente e a causa de diminuição que menos diminua (ex.: homicídio simples tentado; a pena varia entre 6 e 20 anos de reclusão; leva-se em conta o máximo, independente das circunstâncias judiciais e das agravantes e atenuantes; em seguida, reduz-se pelo mínimo; como na tentativa a pena é reduzida de 1/3 a 2/3, a diminuição far-se-á por apenas 1/3, pois busca-se a maior pena possível; chega-se então à pena de 20 anos diminuída de 1/3, ou seja, 13 anos e 4 meses; a prescrição dar-se-á, segundo a pena abstrata, em 20 anos).
vi. Causas interruptivas da PPP – são aquelas que obstam o curso da prescrição, fazendo com que este se reinicie do zero, desprezando o tempo já decorrido. São, portanto, aquelas que “zeram” o prazo prescricional. São as seguintes:
1. Recebimento da denúncia ou queixa – a publicação do despacho que recebe a denúncia ou queixa (data em que o juiz entrega em cartório a decisão) interrompe a prescrição. OBS: 1) Recebimento de aditamento – o recebimento do aditamento à denúncia ou à queixa não interrompe a prescrição, a não ser que seja incluído novo crime. 2) Rejeição da denúncia ou queixa – também não tem o condão de interromper a prescrição. 3) Recebimento da denúncia ou queixa por juiz incompetente – importante lembrar que, por se considerar o despacho de recebimento da denúncia ou queixa de cunho decisório, porquanto acolhe ou não a pretensão deduzida pela acusação, quando proferido por juiz incompetente é ineficaz para interromper a prescrição, nos termos do art. 567, 1ª parte, CPP (neste sentido, STJ).
2. Publicação da sentença de pronúncia – interrompe a prescrição não apenas para os crimes dolosos contra a vida, mas também com relação aos delitos conexos. OBS: 1) Desclassificação posterior do crime pelo júri – se o júri desclassifica o crime para não doloso contra a vida, nem por isso a pronúncia anterior perdeu seu efeito interruptivo (Súmula 191 STJ). 2) Impronúncia, absolvição sumária e desclassificação do art. 410 CPP – não interrompem a prescrição.
3. Acórdão confirmatório da pronúncia – é o acórdão proferido quando há recurso da decisão de pronúncia. Importante notar que o acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, ao contrário do acórdão que confirma a pronúncia.
4. Publicação da sentença condenatória recorrível – a publicação de uma sentença ocorre na data em que o escrivão a recebe em cartório assinada pelo juiz. Como se viu, o acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, ao contrário do acórdão que confirma a pronúncia. Só haverá interrupção em um caso: se a sentença for absolutória e o acórdão a reformar, proferindo o veredicto condenatório. Portanto, o que interrompe a prescrição é a primeira decisão condenatória recorrível proferida no processo, seja sentença ou acórdão. Se da decisão condenatória não couber recurso (ex.: acórdão unânime do STF), ainda que seja a primeira condenação proferida naquele processo, não haverá interrupção. OBS: 1) Sentença concessiva de perdão judicial – não interrompe a prescrição, pois é declaratória de extinção da punibilidade. 2) Sentença que reconhece a semi-imputabilidade do acusado – interrompe a prescrição, pois é condenatória. 3) Sentença absolutória – não interrompe a prescrição. O prazo continuará a correr livremente.
OBS: Extensão da interrupção da prescrição aos co-autores e partícipes – a interrupção da prescrição, em relação a qualquer dos autores, estende-se aos demais co-autores e partícipes.
vii. Causas suspensivas da PPP – são aquelas que sustam o prazo prescricional, fazendo com que recomece a correr apenas pelo que restar, aproveitando o tempo anteriormente decorrido. Portanto, o prazo volta a correr pelo tempo que faltava, não retornando novamente à estaca zero, como nas causas interruptivas. Assim, suspende-se a prescrição:
1. Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o conhecimento da existência do crime – trata-se das questões prejudiciais, ou seja, aquelas cuja solução importa em prejulgamento da causa (ex.: o réu não pode ser condenado pela prática de furto enquanto não resolvido no processo cível se ele é o proprietário da “res furtiva”. Enquanto o processo criminal estiver suspenso, aguardando a solução da prejudicial no litígio cível, a prescrição também estará suspensa). OBS: Suspensão obrigatória e suspensão facultativa do processo – há casos em que o juiz está obrigado a suspender o processo – são as hipóteses de prejudicialidade absoluta. Se não estiver obrigado o juiz a suspender o processo, a hipótese será de prejudicialidade relativa. Será absoluta quando disse respeito ao estado das pessoas (vivo, morto, casado, etc.). Nos demais casos, será relativa. Em qualquer das hipóteses, suspenso o processo, não corre a prescrição.
2. Enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro por qualquer motivo, salvo se o fato for atípico no Brasil
3. Na hipótese de suspensão parlamentar do processo – a partir da EC 35/01, não há mais necessidade de licença prévia da Casa respectiva para a instauração de processo contra deputado ou senador. O STF pode receber a denúncia, sem solicitar qualquer autorização do Poder Legislativo. Há, no entanto, um controle posterior, uma vez que, recebida a peça acusatória, o Poder Judiciário deverá cientificar a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, conforme o caso, os quais, por maioria absoluta de seus membros, em votação aberta, que deverá realizar-se dentro de prazo máximo de 45 dias, poderão determinar a sustação do processo. A suspensão do processo suspenderá a prescrição, enquanto durar o mandato (art. 53, §§3º a 5º, CF).
4. Durante o prazo de suspensão condicional do processo – sempre que houver suspensão condicional do processo, nos crimes cuja pena mínima for igual ou inferior a um ano, haverá suspensão do prazo prescricional, nos termos do art. 89, §6º, da Lei 9099/95.
5. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, até o seu comparecimento – é o que se infere da redação do art. 366 CPP. OBS: Prazo da suspensão – a questão que aqui se impõe é a seguinte: se o acusado jamais for localizado, o processo ficará indefinidamente suspenso e não prescreverá? Se o imputado for encontrado 40 anos depois, já com 80 anos de idade, o processo retomará o seu curso normal nessa data? A resposta negativa se impõe, uma vez que os casos de imprescritibilidade encontram-se delimitados expressamente na CF, não havendo possibilidade de ampliá-los por meio de dispositivo infraconstitucional. Dessa forma, a prescrição não poderá ficar perpetuamente suspensa, havendo um momento de retomada da contagem, com reinício da prescrição. A indagação que fica é a seguinte: se a suspensão não é perpétua, por quanto tempo a prescrição ficará suspensa? Entendemos que o prazo de suspensão será o prescricional máximo, calculado com base na maior pena abstrata cominada ao crime, ou seja: toma-se o máximo de pena previsto, coteja-se essa pena abstrata à tabela do art. 109 CP e encontra-se o prazo máximo de suspensão. Após o decurso desse período, o processo continua suspenso, mas a prescrição voltará a correr.
6. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o prazo de prescrição até seu cumprimento – é o que dispõe o art. 368 CPP. No caso de rogatória não cumprida, o prazo também ficará suspenso até a sua juntada com a notícia da não-localização do acusado.
7. Nos crimes contra a ordem econômica, o acordo de leniência – foi criado pela Lei 10149/00, que alterou a Lei 8884/94, que dispõe sobre a repressão às infrações contra a ordem econômica. Trata-se de espécie de delação premiada e se aplica aos crimes previstos nos arts. 4º, 5º e 6º da Lei 8137/90. Significa que, à colaboração do autor de infrações à ordem econômica, sejam administrativas ou penais, corresponde um tratamento suave, brando, da autoridade administrativa ou judicial. Existem duas espécies desse acordo: a) econômico-administrativo (art. 35-B da Lei 8884/94); b) penal (art. 35-C da Lei 8884/94). Esse acordo consiste na colaboração efetiva do autor do crime econômico com as investigações e o processo administrativo, resultando na identificação dos demais co-autores da infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem a infração. Celebrado o acordo, fica suspenso o oferecimento da denúncia, bem como a PPP, ate que o ajuste seja integralmente cumprido, após o que haverá extinção da punibilidade.
8. Suspensão do processo-crime por tráfico de drogas – a Lei 10409/02, em seu art. 38, §6º, estendeu a hipótese de suspensão da prescrição não apenas ao réu citado por edital, mas também àquele que, citado pessoalmente, não comparece sem motivo justificado. Desse modo, caso o acusado, mesmo tendo recebido efetiva ciência da acusação, optar por não aparecer, injustificadamente, em seu interrogatório, o juiz deverá determinar a sustação do processo e também da prescrição. Criou-se, portanto, mais uma hipótese: suspensão do prazo prescricional do revel citado pessoalmente em delito de tráfico.
OBS: 1) Taxatividade – a enumeração das hipóteses de suspensão da prescrição é taxativa.
2) Suspensão do processo para instauração de incidente de insanidade mental – não é causa para a suspensão da prescrição (art. 149 CPP).
viii. Subespécies de PPP – dependendo do momento processual em que o Estado perde o seu direito de aplicar a pena, e de acordo com o critério para o cálculo do prazo, a PPP se subdivide em:
1. PPP propriamente dita – é a calculada com base na maior pena prevista no tipo legal (pena abstrata).
2. PPP intercorrente, posterior ou superveniente à sentença condenatória – é a prescrição que ocorre entre a data da publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado, calculada com base na pena concreta fixada na sentença. Por isso, ela é chamada de intercorrente ou de superveniente à sentença condenatória. Como visto, seu prazo é calculado com base na pena concreta fixada na sentença e não com base no máximo cominado abstratamente. No momento da consumação do crime, ou seja, na data em que se inicia o prazo prescricional, ainda não se sabe qual pena será fixada, no futuro, pelo juiz na sentença. É impossível, portanto, na data do fato, pretender calcular a prescrição de acordo com a pena concreta (ninguém tem bola de cristal para adivinhar qual pena o juiz irá aplicar). Só há, portanto, uma solução: calcular o prazo prescricional em função da maior pena possível. No entanto, depois de proferida a sentença condenatória, não existe mais qualquer justificativa para continuar calculando a prescrição pela pior das hipóteses. (a maior pena possível), uma vez que já se conhece a pena para aquele caso concreto. Por essa razão, o art. 110, §1º, CP determina que, após o trânsito em julgado da condenação para a acusação, a prescrição é regulada pela pena fixada na sentença. Note-se que a condenação precisa transitar em julgado para a acusação. Isso porque, em face do que dispõe o art. 617 CPP, a pena não pode ser agravada em recurso exclusivo da defesa (princípio da “non reformatio in pejus”). Assim, se a acusação se conformou com a pena fixada, esta passou a ser a maior pena possível, pois não poderá ser aumentada em recurso exclusivo da defesa, passando, então, a servir de base para o cálculo da prescrição. Conclusão: até a sentença condenatória, a prescrição é calculada pela maior pena prevista no tipo; após a sentença condenatória transitada em julgado para a acusação, calcula-se pela pena fixada na sentença. Mesmo que a acusação não se conforme com a pena e apele, ainda assim a prescrição poderá ser calculada de acordo com a pena concreta. Quando? Quando o recurso acusatório for improvido. Explica-se: a acusação poderia pretender ingressar com um recurso somente para evitar o trânsito em julgado e, assim, impedir o cálculo da prescrição pela pena “in concreto”. Desse modo, negado provimento ao seu recurso, é como se nunca tivesse recorrido, devendo o tribunal calcular a prescrição de acordo com a pena fixada na sentença. A prescrição, portanto, é regulada pela pena concretamente fixada na sentença quando esta transitar em julgado para a acusação ou quando seu recurso for improvido. Há, porém, uma outra hipótese: se o recurso da acusação não visava a aumento de pena, também a prescrição será calculada pela pena que foi fixada pelo juiz, uma vez que, nesse caso, a pena jamais poderá ser aumentada. Finalmente, ainda que haja recurso da acusação visando aumento de pena e que tal recurso seja provido, será possível o reconhecimento da prescrição se, mesmo diante do aumento determinado pelo tribunal, ainda assim tiver decorrido o prazo prescricional (ex.: a pena é elevada de um para 3 anos, aumentando-se de 2 para 4 anos o prazo prescricional. Se tiverem decorrido 4 anos entre a publicação da sentença condenatória e o acórdão, será reconhecida a prescrição intercorrente, com base na pena concreta fixada pelo tribunal). OBS: 1) Como se reconhece a prescrição? Da seguinte forma: a) se a condenação tiver transitado em julgado par a acusação, o tribunal, antes de examinar o mérito do recurso de defesa, declara extinta a punibilidade pela prescrição; b) se a acusação tiver recorrido, o tribunal julga em primeiro lugar o seu recurso. Se lhe negar provimento, antes de examinar o mérito do recurso da defesa, reconhece a prescrição. 2) Impossibilidade de reconhecimento pelo juiz de primeira instância – vale notar que o juiz de primeira instância não pode reconhecê-la, uma vez que, ao proferir a sentença condenatória, esgotou sua atividade jurisdicional, sendo impossível reconhecer que o Estado temo direito de punir e, em seguida, declarar extinto esse mesmo direito. 3) Imposição de medida de segurança ao semi-imputável – se foi imposta medida de segurança ao semi-imputável, a prescrição é calculada pelo mínimo da pena abstratamente prevista para a espécie.
3. PPP retroativa – é a calculada com base na pena efetivamente fixada pelo juiz na sentença condenatória e aplicável da sentença condenatória para trás. Portanto, é calculada também pela pena concretamente fixada na sentença condenatória, desde que haja trânsito em julgado para a acusação ou desde que improvido o seu recurso. Tudo o que foi dito com relação à prescrição intercorrente é válido para a prescrição retroativa, com uma única diferença: enquanto a intercorrente ocorre entre a publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado para a defesa, a retroativa é contada da publicação dessa decisão para trás. Reconta-se a prescrição, que, antes, teve seu prazo calculado em função da maior pena possível, e, agora, é verificada de acordo com a pena aplicada na sentença. Pode ser que, com um prazo bem mais reduzido, tenha ocorrido a PPP entre marcos anteriores. Por essa razão, se o tribunal constatar que não ocorreu prescrição pela pena concreta entre a publicação da sentença condenatória e o acórdão, passará imediatamente a conferir se o novo prazo prescricional, calculado de acordo com a pena concreta, não teria ocorrido entre: a) a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa; b) entre o recebimento da denúncia ou queixa e a pronúncia; c) entre a pronúncia e sua confirmação por acórdão; d) entre a pronúncia ou seu acórdão confirmatório e a sentença condenatória; e) entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória (no caso de crimes não dolosos contra a vida. Por que o nome “retroativa”? Porque se conta de frente para trás. O tribunal faz o cálculo da publicação da sentença condenatória para trás, ou seja, da condenação até a pronúncia ou o recebimento da denúncia ou queixa, conforme o crime seja ou não doloso contra a vida, e assim por diante. É como se o tribunal estivesse retrocedendo do presente ao passado, gradativamente (ex.: o prazo prescricional do furto simples calculado pela pena abstrata é de 8 anos, pois a pena máxima é de 4 anos de reclusão, mas, se a pena concreta for aplicada no mínimo de um ano, esse prazo despencará para 4 anos entre a data do fato e a do recebimento da denúncia. Assim, na recontagem pela pena concreta, ter-se-á operado a PPP, pela modalidade prescrição retroativa). OBS: Impossibilidade de reconhecimento pelo juiz de primeira instância – o juiz de primeira instância não pode reconhecer a prescrição retroativa., pois ao fixar a pena na condenação, esgotou sua atividade jurisdicional, sendo ainda paradoxal que, na mesma sentença, condene o réu e decrete a extinção da punibilidade. Exceção – afigure-se a seguinte hipótese: a condenação já transitou em julgado para a acusação, de maneira que é impossível a pena ser aumentada. O juiz, ao decidir sobre o processamento do recurso da defesa, verifica que, pela pena fixada, já se operou a prescrição entre a data do fato e o recebimento da denúncia. Entende-se que, como a extinção da punibilidade não estará sendo decretada na própria sentença condenatória, mas em decisão ulterior, nada impede que, por economia processual, o juiz de primeira instância julgue extinta a punibilidade, com base no art. 107, IV, CP, c/c o art. 61, “caput”, CPP.
4. PPP antecipada, projetada, perspectiva ou virtual – é a reconhecida antecipadamente, em geral ainda na fase extrajudicial, com base na provável pena que será fixada na futura condenação. Vejamos um exemplo: o promotor de justiça, deparando-se com um inquérito policial versando sobre furto simples tentado, cometido há 5 anos, não pode requerer seu arquivamento com base na prescrição, uma vez que, como vimos, antes da condenação, aquela é calculada com base na maior pena possível. Ocorre que a maior pena possível do furto simples é de 4 anos, e a menor redução decorrente da tentativa, 1/3. Tomando-se 4 anos, que é o máximo da pena “in abstracto”, menos 1/3, que é a menor diminuição possível na tentativa, chega-se à maior pena que um juiz pode aplicar ao furto simples tentado: 2 anos e 8 meses de reclusão, sendo o prazo prescricional correspondente de 8 anos, conforme art. 109, IV, CP. Ainda não ocorreu, portanto, a prescrição, com base no cálculo pela pena máxima abstrata cominada ao tipo. O promotor, porém, observa que o indiciado é primário e portador de bons antecedentes, e não estão presentes circunstâncias agravantes, tudo levando a crer que a pena será fixada no mínimo legal e não no máximo. Confirmando-se essa probabilidade, teria ocorrido a prescrição, pois a pena mínima do furto simples é de um ano, e, com a redução da tentativa, qualquer que seja o “quantum” a ser diminuído, ficará inferior a um ano. Como o prazo prescricional da pena inferior a um ano é de 2 anos, com base nessa provável pena mínima já teria ocorrido a prescrição. Assim, a prescrição virtual nada mais é do que o reconhecimento da prescrição, ainda na fase extrajudicial, com base na provável pena mínima, que será fixada pelo juiz. Fundamenta-se no princípio da economia processual, uma vez que de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso, nos quais, após condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo, devido à prescrição. Há que se admitir, pois, falta de justa causa para a persecução penal, ante a inutilidade de um processo sem possibilidade de sanção.
ix. Crimes complexos e conexos – a PPP no tocante a crime que funciona como elemento típico de outro não se estende a este (ex.: crime de extorsão mediante seqüestro – a prescrição do seqüestro em nada afeta o tipo complexo do art. 159 CP). Da mesma forma, a prescrição do crime conexo não afeta a agravação da pena do outro crime em face da conexão (ex.: homicídio qualificado pelo fim de assegurar ocultação de crime anterior – a prescrição do crime anterior que se quis ocultar não extingue a qualificadora do fim de garantir a ocultação, de maneira que o homicídio continua sendo qualificado).
OBS: 1) Exame do mérito – há duas posições: 1ª Posição – Majoritária – o reconhecimento da PPP impede o exame do mérito, uma vez que seus efeitos são tão amplos quanto os de uma sentença absolutória. 2ª Posição – Minoritária – com base no Princípio do “Favor Rei”, se o juiz quiser absolver, não há nada que obste a apreciação do mérito com vistas a uma absolvição.
2) Juiz que condena – juiz que condena não pode, a seguir, declarar a prescrição, uma vez que, após prolatar a sentença, esgotou sua atividade jurisdicional. Além disso, não pode ele mesmo dizer que o Estado tem o direito de punir (condenando o réu) e, depois, afirmar que esse direito foi extinto pela prescrição.
i. Prescrição da pretensão executória (PPE) – é a perda da pretensão de executar a punição, devido à inércia do Estado durante certo período de tempo.
i. Efeitos – ao contrário da PPP, a PPE só extingue a pena principal, permanecendo inalterados todos os demais efeitos secundários, penais e extrapenais, da condenação.
ii. Termo inicial da PPE – a PPE começa a correr a partir:
1. Da data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação – critica-se este dispositivo pois a condenação só pode ser executada após o trânsito em julgado para ambas as partes, mas a prescrição já começa a correr a partir do trânsito em julgado para a acusação.
2. Da data em que é proferida a decisão que revoga o livramento condicional ou o “sursis”.
3. Da data em que a execução da pena é interrompida por qualquer motivo.
OBS: Prescrição pelo restante da pena – no caso de interrupção da execução da pena pela fuga do condenado e no caso de revogação do livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena.
iii. Contagem do prazo – a PPE é sempre calculada pela pena concretamente fixada. O prazo é penal, computando-se o dia do começo e não se prorrogando quando terminar em sábado, domingo ou feriado. O prazo prescricional deve corresponder à pena aplicada, conforme a tabela do art. 109 CP. OBS: 1) Diminuição do prazo prescricional – o prazo da PPE também é reduzido pela metade no caso de menor de 21 anos à época do fato e do maior de 70 anos à época da sentença. 2) Aumento do prazo prescricional – a reincidência aumenta em 1/3 o prazo da PPE. A prescrição que sofre o aumento não é a da condenação anterior, mas a da condenação pelo novo crime praticado (ex.: o réu é condenado a 4 anos de reclusão; o prazo da PPE é de 8 anos; durante esse prazo, o condenado pratica um crime; nesse momento, há interrupção da prescrição, pela reincidência; contudo, a prática desse crime não aumentará o prazo prescricional da condenação anterior; caso o réu venha a ser também condenado pela prática dessa nova infração, e reconhecido expressamente como reincidente, o prazo prescricional dessa nova condenação será aumentado de 1/3; portanto, o que sofre aumento é a condenação pelo novo crime e não a condenação anterior). Dessa forma, a reincidência sempre interrompe o prazo prescricional da condenação anterior, mas só aumenta em 1/3 o prazo da prescrição da condenação em que o réu foi reconhecido como reincidente. 3) PPE na pena de multa – o art. 114 CP, que trata da PPP da pena de multa, não traça regras sobre a PPE. Assim, quando fala em multa aplicada, está querendo referir-se à prescrição retroativa e à intercorrente, reguladas pela pena aplicada. A PPE da multa dar-se-á sempre em 5 anos, e a execução será feita separadamente da pena privativa de liberdade, perante a Vara da Fazenda Pública, uma vez que o CP determina que, para fins de execução, a pena pecuniária seja considerada dívida de valor. Dessa forma, o prazo prescricional, as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, a competência e o procedimento para cobrança passam a ser os da legislação tributária. 4) PPE na medida de segurança – a PPE na medida de segurança é calculada de acordo com a pena mínima cominada abstratamente ao tipo penal. 5) Crime continuado e concurso formal – calcula-se o prazo da PPE pela pena base, desprezando-se o aumento (art. 119 CP).
iv. Causas interruptivas da PPE – obstam o curso da prescrição, fazendo com que se reinicie do zero (desprezado o tempo até então decorrido). São as seguintes:
1. Início do cumprimento da pena (captura do condenado)
2. Continuação do cumprimento da pena (recaptura do condenado)
3. Reincidência
OBS: 1) Não extensão da interrupção da prescrição aos co-autores e partícipes – ao contrário das causas interruptivas da PPP,. A interrupção da PPE em relação a um dos autores não produz efeitos quanto aos demais.
2) Interrupção da PPE na reincidência – no caso de reincidência, a interrupção da prescrição ocorre na data em que o novo crime é praticado e não na data em que transita em julgado a sentença condenatória pela prática desse novo crime.
v. Causas suspensivas da PPE – são aquelas que sustam o prazo prescricional, fazendo com que este recomece a correr apenas pelo tempo que restar, sendo computado o período decorrido, ao contrário do que sucede com as causas interruptivas. Considera-se como causa suspensiva a prisão do condenado por qualquer outro motivo que não a condenação que se pretende executar. Nesta hipótese, a prescrição da pretensão de executar uma condenação não corre enquanto o condenado estiver preso por motivo diverso da condenação que se quer efetivar (ex.: condenado procurado em uma comarca cumpre pena por outro crime em comarca diversa. Enquanto estiver preso, cumprindo tal pena, não correrá a prescrição no que se refere à outra condenação).
OBS: 1) PPE x PPP superveniente – embora ambas sejam reguladas pela pena aplicada, a primeira tem início com a publicação da sentença condenatória; a segunda, com o trânsito em julgado da condenação para a acusação. Além disso, a PPP superveniente só pode ocorrer antes do trânsito em julgado para a defesa; a PPE, somente após esse trânsito.
2) Prescrição nas contravenções penais – a LCP não dispõe a respeito de prescrição, aplicando-se então os princípios e normas gerais sobre o tema previstos no CP.